ASPECTOS PETROLÓGICOS E ASSINATURA GEOQUÍMICA DOS BASALTOS EMPOBRECIDOS EM TiO2 DA BORDA NORDESTE DA BACIA DO PARNAÍBA.
(article submitted to REVISTA DE GEOLOGIA, April/1998)
 

Guttenberg Martins(*1) & Diógenes Custódio de Oliveira (**2).
* UFC/DG-IG/UNICAMP. 1 email:guttenbe@ige.unicamp.br
** PETROBRÁS/DEBAR/DIREX . 2 e-mail: dcoliveira@ep-rnce.petrobras.com.br



 
ABSTRACT: Petrological and geochemical data for basaltic rocks from northern region of Parnaiba Basin, NE Brazil, are presented. The basaltic rocks exhibit geochemical characteristics similar to that of Mosquito Formation for which a low-titanium continental basalt signature has been proposed by several authors. Major element chemistry and trace element ratios indicate that theoretical modelling for fractional crystalization solely cannot account for by the observed variations. It is suggested that crustal assimilation of granitic rocks has played an important role on the genesis of studied basalts.



 
RESUMO: Dados petrológicos e geoquímicos sobre os basaltos da borda nordeste da Bacia do Parnaíba são avaliados no sentido de entender sua evolução magmática. Interpretações elaboradas pelos autores sugerem que estas rochas mostram características semelhantes às da Formação Mosquito. O modelamento petrogenético estabelecido indica que o processo de cristalização fracionada não explica suficientemente a evolução magmática. Para tanto, assimilação com materiais crustais é requerida.



 
INTRODUÇÃO: A Bacia do Parnaíba reúne sequências sedimentares continentais e plataformais, depositadas a partir do Siluriano (Caputo & Lima, 1984; Cunha, 1986). Nesta pilha sedimentar encontra-se posicionadas duas suítes de rochas basálticas (Caldasso & Hama, 1978; Aguiar, 1969): Formação Mosquito- derrames e diques de idade triássica a jurássica encontrados na porção  ocidental da bacia (região de Porto Franco-MA); e Formação Sardinha- diques e sills de idade cretácica aflorantes na borda oriental da bacia (Sial, 1974, 1975, 1976). As afinidades petroquímicas e assinaturas isotópicas destes dois conjuntos são correlacionáveis às características químicas dos basaltos da Bacia do Paraná (e.g. Bellieni et al.,1990). Este artigo discute as principais características petrológicas e geoquímicas dos basaltos da borda nordeste da Bacia do Parnaíba como também enfatiza as possíveis correlações com outras rochas magmáticas mesozóicas da porção ocidental desta bacia.



 
ASPECTOS GEOLÓGICOS E PETROLÓGICOS: Os derrames basálticos localizados nos municípios de Esperantina, Luzilândia e Matias Olímpio (região norte do estado do Piauí) formam uma faixa alongada de direção NE-SW numa área aproximada de 2.000 Km2 (cf. Schobenhaus, 1981). Sills máficos aflorantes nos arredores da cidade de D. Pedro II e os conjuntos de diques de direção NW-SE localizados entre as cidades de Campo Maior (PI) e José de Freitas (PI), juntamente com os derrames supracitados, formam o conjunto das amostras estudadas neste trabalho

 Fig. 1 – Mapa Geológico da Bacia do Parnaíba , com a indicação da área amostrada.
 

 A análise macroscópica das amostras identifica estas como micrograbros finos a grosseiros. Os estudos petrográficos revelaram que as amostras são levemente porfiríticas com o conteúdo modal de fenocristais não ultrapassando a 10%. A assembléia de fenocristais e/ou microfenocristais é dominada por piroxênios (augita, augita sub-cálcica e pigeonita), plagioclásios (An60-40) e minerais opacos (magnetita e ilmenita); os quais estão também presentes na matriz. Os raros fenocristais de olivina encontrados estão completamente alterados. Texturas intergranulares dominam em amostras provenientes de diques. Nos derrames da região de Esperantina ocorrem geralmente texturas intergranulares finas, contudo, as texturas intersertais são raramente encontradas. Estas rochas apresentam frequentemente estruturas amigdalóides preenchidas por carbonatos e zeólitas. No sill da cidade D. Pedro II observa-se uma clara orientação de origem magmática nos microfenocristais de plagioclásio com semelhança à textura traquítica.
 Claramente em termos de composição normativa, a presença de quartzo e a ausência de olivina predominam na maioria das amostras. No diagrama tetraédrico Ne-Fo-En-Di-Ab-Qz  (Yodder & Tilley, 1962) é notável a concentração das amostras na     proximidade  da  divisória  Ab-Hy-Di   (figura 2). As  composições   normativasmostram uma evolução no campo dos basalto tholeiíticos saturados em sílica com uma derivação tardia do líquido no sentido Hiperstênio-Basalto>Quartzo-Tholeiíto.

Figura 2 - Diagrama Tetraédrico de Yoder & Tilley (1962).
 
 
 No diagrama triangular AFM (figura 3), as amostras aglutinam-se acima da linha divisória dos campos tholeiítico e cálcio-alcalino (Irvine & Baragar, 1971). Mas utilizando o mesmo para os campos das vulcânicas alcalinas e tholeiíticas (MacDonald & Katsura, 1974), observa-se claramente que o conjunto das amostras acompanha a linha da suíte tholeiítica. A tendência caracterizada neste diagrama, indepentemente do referencial utilizado, torna-se indicativa da extração de uma assembléia gabróica dominada por olivina±plagioclásio ±piroxênio.

Figura 3 - Diagrama AFM.
 

  A classificação química das amostras fornecida pelo diagrama TAS (figura 4, Zanettin,1984) mostra uma concentração em torno da linha divisória dos campos do basalto e do andesito basáltico, com variações de sílica em torno de 53% e de álcalis em torno de 3,2 %. Apenas uma amostra pode ser definida como andesito segundo este diagrama.

Figura 4 - Diagrama TAS; Zanettin et al, 1984
 

  Por outro lado, no diagrama para a classificação química das rochas segundo os parâmetros multi-catiônicos R1 e R2 (De la Roche et al.,1980; modificado por Bellieni et al.,1981; figura 5), o conjunto das amostras dispersam nos campos dos basaltos tholeiíticos e dos andesi-basaltos. Apenas uma amostra está situada no campo do dacito. Notadamente estes diagramas indicam o predomínio de tipos básicos a básicos evoluídos e, portanto, sugerem a compatibilidade nas classificações. Por outro lado, é marcante a tendência do conjunto das amostras à natureza tholeiítica, insinuada pela baixa alcalinidade, pelo forte enriquecimento em FeOt, além do amplo predomínio de clinopiroxênios de composição augítica.

Figura 5 - Diagrama multicatiônico R1-R2; Roche et al. (1980); com modificações de Bellieni et al. (1981) para os campos dos basaltos.



 
ASSINATURA GEOQUÍMICA: Com o processo de diferenciação magmática, caracterizado nas variações das concentrações químicas dos elementos maiores em função da concentração de MgO (Figura 6), nota-se que ocorreu um leve enriquecimento em Na2O e K2O, e mais acentuado em P2O5, FeOt e TiO2. Concomitantemente, o liquido ficou empobrecido em CaO e Al2O3.

Figura 6 - Diagramas com as variações dos conteúdos dos elementos maiores em função do MgO.
 

Estas variações nas concentrações dos elementos maiores durante a diferenciação foi acompanhada pelo pequeno fracionamento do Sr. Considerando que somente um extensivo processo de contaminação crustal seria capaz de alterar significantemente a concentração deste elemento, conclui-se que há uma clara indicação que a fração de plagioclásios precipitados foi insuficiente para o empobrecimento do Sr nos líquidos mais evoluídos.

 
Outro aspecto bem característico observado nestes diagramas é a aproximação dos dados obtidos com os campos dos basaltos empobrecidos em TiO2 da porção ocidental da Bacia do Parnaíba (Formação Mosquito, BTM na figura 6). Excetuando-se as concentrações de P2O5, as quais são inferiores, verifica-se uma dispersão dos dados dentro do campo da Formação Mosquito para SiO2, Na2O, K2O, TiO2, FeOt e Sr. Entretanto as concentrações de CaO mostram uma nítida correlação negativa com diminuição do MgO, enquanto que o campo da Formação Mosquito define uma gradual correlação positiva.

 
As variações dos elementos em traços de (Zr, Rb, Nb, Y, Ni e Cr) foram discriminadas em função da diminuição da concentração de MgO (figura 7). Evidentemente, os elementos em traços fortemente incompatíveis em líquidos basálticos mostram um enriquecimento nos líquidos mais diferenciados, tanto devido ao processo de fusão parcial (p. ex., batch melting) como ao processo de cristalização fracionada. Por outro lado Ni e Cr mostram correlações negativas com a diminuição de MgO, indicando o fracionamento de olivinas e piroxênios. Ainda é importante acentuar que as concentrações de Zr e Rb aglutinam-se em torno dos campos da Formação Mosquito (BTM na figura 7), basaltos empobrecidos em TiO2 e em elementos incompatíveis da porção ocidental da Bacia do Parnaíba.

Figura 7- Diagrama com as variações dos conteúdos dos elementos traços em função do MgO.



 
ASPECTOS PETROGENÉTICOS: Nas variações das concentrações entre elementos fortemente incompatíveis (p. ex., Zr/Rb, Zr/Nb, Zr/Y- figura 8) nota-se que os dados obtidos não formam um alinhamento passando pela origem. Então, como preconizado por Joron et al. (1978), o processo de cristalização fracionada demonstra-se insuficiente para explicar as concentrações de elementos traços determinadas nas amostras coletadas. Entretanto este processo não deve ser descartado de forma simplista, visto que as observações petrográficas e as interpretações petrológicas sugerem o fracionamento de uma assembléia gabróica a baixas pressões.

Figura 8 - Diagramas de variações entre elementos traços (Zr vs. Sr, Zr vs.Rb, Zr vs. Nb e Zr vs. Y).
 
 
 É amplamente aceito que os magmas basálticos continentais em rota à superfície frequentemente submetem-se ao processo de contaminação crustal. Este processo é facilitado pelas temperaturas altas dos magmas derivados do manto em relação às condições crustais. Em geral a diferenciação magmática não se restrige aos processos de fusão parcial e cristalização fracionada, ocorrendo de forma aberta.
 O diagrama apresentado na figura 9 mostra as variações dos conteúdos de K2O em função da razão Rb/Sr. Também estão representadas as razões isotópicas 87Sr/86Sr corrigida para a idade de extrusão e os número mg (mg #) para amostras de basaltos enriquecidos e empobrecidos em TiO2, K20 , P2O5 e em elementos incompatíveis (ATM e BTM, respectivamente). Estes últimos dados foram retirados de Bellieni et al. (1990). As variações apresentadas neste diagrama embasaram uma análise qualitativa dos efeitos da contaminação crustal nas amostras estudadas, de onde obteve-se as seguintes conclusões:

Figura 9 - Diagrama K2O vs. Rb/Sr, com a discriminação da razão 87Sr/86Sr para os  grupos de amostras Enriquecidas (ATM, Formação Sardinha, idade aprox. 170 Ma.) e empobrecidas (BTM, Formação Mosquito, idade aprox. 120 Ma.) em TiO2, K2O, P2O5 e em elementos incompatíveis. Dados para ATM e BTM extraídos de Bellieni et al., 1990.
 

 1- Uma correlação positiva entre os conteúdos de K2O e a razão Rb/Sr é observada no agrupamentos das amostras enriquecidas. Entretanto as razões de 87Sr/86Sr não aumentam consideravelmente, indicando que a contaminação com materiais da crosta superior não afetou fortemente estas amostras.
 2- No agrupamento das amostras empobrecidas (BTM), as razões 87Sr/86Sr crescem de 0,7065 a 0,7096 com aumento da razão Rb/Sr a patamares de K2O em torno 1,2 % p.p., e mg# variando entre 0,52 a 0,64. A tendência do aumento da razão Rb/Sr acompanhada do aumento das razões 87Sr/86Sr e da variação do mg#, sugere que o processo contaminação crustal com materiais da crosta superior (p. ex. granítico) influiu variavelmente nas características químicas e isotópicas das amostras.
 3- Com a exceção de duas amostras, o conjunto estudado agrupa-se com as amostras empobrecidas, mostrando uma correlação positiva entre os conteúdos de K2O e a razão Rb/Sr. Entre as exceções, uma amostra apresenta razões Rb/Sr menores do que 0,05 e conteúdos de K2O inferiores a 0,5 % p.p., aproximando-se da amostra empobrecida em TiO2 e em elementos incompatíveis (BTM) com razões de 87Sr/86Sr de 0,70302. Possivelmente, estas duas amostras não foram afetadas fortemente por contaminação do tipo "granítico" e/ou contaminadas com materiais da crosta inferior empobrecidos em Sr radiogênico. Na outra ponta situa-se a amostra de composição dacítica/andesítica sugerindo uma diferenciação magmática com pequena assimilação de materiais crustais.



 
CONCLUSÕES: Os basaltos da borda nordeste da Bacia do Parnaíba constituem uma suíte vulcânica/sub-vulcânica formada predominantemente por produtos básicos a básicos evoluídos, submetido à uma extração gabróica e afetados variavelmente por contaminação com materiais da crosta superior; e em termos petroquímicos, podem ser comparados com os basaltos empobrecidos em TiO2 e em elementos incompatíveis da porção ocidental desta bacia (Formação Mosquito).



 
AGRADECIMENTOS:  Os autores agradecem ao Prof. Dr. Giulliano Bellieni pelo elaboração das análises químicas, ao Prof. Dr. Enzo Michelle Piccirillo pelas orientações e discussões pertinentes a este trabalho, e a Profa. Dr. Márcia Ernesto pelo apoio nos trabalhos de campo. G. Martins recebeu apoio financeiro do CNPq e D. C. Oliveira da Petróleo Brasileiro S./A.. 

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Aguiar, G.A. 1969. Bacia do Maranhão: Geologia e possibilidade de petróleo. Belém, Petrobrás/Renor. 57 p. (Petrobrás Rel. 371).
Almeida, F. F. M. de. 1986. Distribuição regional e relações tectônicas do magmatismo pós-Paleozóico do Brasil. Rev. Bras. Geoc.; 16 (4): 325 - 349.
Bellieni, G., Piccirillo, E.M., and Zanettin, B., 1981. Classification and Nomenclatura of basalts. I.U.G.S. (Int. Union Geol. Soc.). Subcomm. on Systematics of Igneous Rocks, Circ. 34, Contrib. 87, pp. 1-19.
Bellieni, G., Piccirillo, E.M., Cavazzini, G., Petrini, R., Comin-Chiaramonti, P., Nardy, A.J., Civetta, L., Melfi, A.J. and Zantedeschi, P., 1990. Low and High TiO2  Mesozoic Tholeiitic Magmatism of the Maranhão Basin (NE-Brazil): K/Ar age, Geochemistry, Petrology, Isotope Characteristics and relationships with Mesozoic Low- and High-TiO2 Flood Basalts of Paraná Basin (SE-Brazil). Neues Jhr. Miner. Abh., 162:1-33.
Caputo, M. V., 1984. Stratigraphy, Tectonics, Palaeoclimatology and Palaeogeography of northern Basin of Brazil. PhD dissertation. University of California. Santa Barbara. 593il.pp.
Cunha, F. M. B., 1986. A Gênese da Bacia do Parnaíba e sua Evolução Palaeozóica. Rio de Janeiro. UFRJ- Departamento de Geociências, 1986.
Caldasso, A. L. da S. & Hama, M., 1978. Posicionamento Estratigráfico das Rochas Basálticas da Bacia do Parnaíba. In: Congresso Brasileiro de Geologia, 300, Recife, 1978, Anais do..., Sociedade Brasileira de Geologia, 1978, vol. 2, p. 567 - 581.
De la Roche, H., Leterrier, P., GrandClaude, P. and Marchal, M., 1980.  A Classification of volcanics and plutonics rocks using R1-R2 diagram and major-element analyses. Its relationships with current nomenclature. Chemical Geology, 29:183-210.
Irvine, T. N. & Baragar, W. R., 1971. A Guide to the Chemical Classification of the common Igneous Rocks. Canadian Journal Earth Science, vol. 8, pp. 523-548. 1971.
Joron, J.L., Bougault, H., Wood, D.A., Treuil, M., 1978. Applications de la géochimie des éléments en traces à l'étude des propriétés et des processus de geneses de croute océanique et au manteau supérior. Bull. Soc. Géol. France, 4:521-531.
MacDonald, G.A. & Katsura, T., 1964. Chemical composition of Hawaiian lavas. Journal of Petrology, vol. 5:82-133.
Schobenhaus, C., Campos, D.A., Derze, R.G. & Asmuz, H.E. (Coords) 1981. Geologia do Brasil. Brasília . DNPM, 501pp.
Sial, A.N., 1974. Petrology and tectonic significance of the post-Palaeozoic basaltic rocks of northeast Brazil, PhD dissertation, Univ. of California, Davis, 403 pp.
Sial, A.N., 1975. Petrologia e significado tectônico dos diabásios mesozóicos do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Atas do III Simpósio de Geologia do Nordeste. Recife. Soc. Bras. Geol., v.1:207-221.
Zanettin, B., 1984. Proposed new chemical classification of volcanic rocks. Episodes, 7:19-20.
Yodder, H. S. & Tilley, C.F., 1962. Origin of Basaltic Magmas: An Experimental Study of Natural and Synthetic Rocks Systems. Journal of Petrology; vol. 3, pp. 342-533; 1962.
 

 
 
 
RETURN BUTTON