Túnel da Mantiqueira (SP/MG)      

A História

       
 
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De uma maneira geral e por muito tempo, os estudos sobre o evento que ficou conhecido na historiografia brasileira como a Revolução Constitucionalista de 1932 se caracterizaram basicamente por uma polarização radicalizada entre dois discursos antagônicos que, de um lado reproduzia a visão dos vencedores chamada varguista ou getulista, e de outro a versão dos vencidos conhecida como paulista ou triunfalista.

Optei por empregar os próprios termos com que, na época, se autodenominavam os dois lados adversários no conflito: a visão ditatorial e a constitucionalista. Também é possível detectar, principalmente nos círculos acadêmicos dos anos sessenta e setenta, uma tendência em aproximar as versões explicativas do acontecimento ao discurso dos vencedores propagado em pleno exercício do poder. Tal interpretação exerce, ainda hoje, forte influência na área educacional, notadamente nos livros didáticos e fascículos para-didáticos de primeiro e segundo graus.

A versão dos vencidos, por outro lado, predomina absoluta na vasta literatura de cerca de trezentos títulos escritos pelos memorialistas, quase sempre ex-combatentes e participantes do movimento. Essas memórias, escritas às pressas em plena guerra ou logo após o armistício, contam uma história que fala mais de seus ideais, seus sonhos e suas paixões do que sobre a realidade que os gerou.

Como toda guerra, a de 1932 também criou sua própria mitologia. Os mitos nascidos no calor da luta dificultaram a compreensão da multiplicidade do processo. Tanto a versão ditatorial como a constitucionalista perduram até hoje vivas naquilo que conhecemos como memória coletiva. Ambos os discursos foram largamente utilizados desde as primeiras horas do conflito, até mais recentemente, em artigos publicados pelos meios de comunicação.

Tais conceitos, no entanto, têm sido retomados e severamente revisados por alguns historiadores brasileiros e brasilianistas desde o final da década de 1970. Paradoxalmente, a chamada Revolução de 32 - interpretada por muitos como um marco de nossa história republicana - permanece como um dos episódios menos conhecidos da história recente do Brasil. Tanto a análise das causas que levaram à guerra, como o entendimento de suas conseqüências na sociedade, ainda persistem polêmicos e controvertidos, independente de críticas e revisões historiográficas.

Felizmente alguns dados explicativos sobre o acontecimento podem ser considerados consensuais. Em grande parte, o movimento de 1932 foi gerado pelos inevitáveis desdobramentos do amálgama de interesses que fundia momentaneamente os múltiplos e contraditórios projetos da revolução liberal de outubro de 1930.

A cisão militar no interior das forças armadas brasileiras, a dissidência política no seio da Aliança Liberal que detinha o poder no país; a grande adesão social com voluntários civis e o suporte logístico fornecido pela população; bem como, o fundamental apoio econômico dos setores produtivos (industriais e operariado), forneceriam aos trágicos eventos que se seguiram, todas as características de uma guerra civil.

Tiveram a duração de oitenta e cinco dias (de 09 de julho a 02 de outubro de 1932). Geograficamente se desenvolveram, sobretudo, nos estados de São Paulo e Mato Grosso (norte e sul). Também ocorreram alguns episódios isolados no Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Amazonas.

A guerra civil de 1932 assumiu em muitas ocasiões o aspecto de uma luta encarniçada e selvagem. Ódios, paixões e ideais inspiravam os dois lados a lançarem mão de quaisquer recursos para abater o adversário. O número de mortos em combate, somente do lado paulista, somou cerca de oitocentos e trinta soldados, quase o dobro dos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira que perderam a vida nos campos da Itália durante a Segunda Guerra Mundial.

Se for estabelecido um período de quatro décadas de nossa história (que vai de 5 de julho de 1922 a 31 de março de 1964), e considerados seus incontáveis golpes, motins, revoltas, marchas, quarteladas, revoluções e intentonas, teríamos a singularidade de ser a guerra civil de 1932 o único movimento que teve como bandeira uma luta armada a favor de um poder constituinte, ao contrário de todos os outros que, apesar de também terem como objetivo maior a "redenção" do Brasil, foram dirigidos contra um poder constituído.

As características sui generis deste episódio não param por aí. Ao que parece, não existem registros em nossa história de algum outro movimento revolucionário em que a preservação da memória, a comemoração do evento e o culto aos heróis, sejam tradicionalmente realizados pelos vencidos e não pelos vencedores da guerra. Outros aspectos importantes dessa singular insurreição referem-se aos seus dois superlativos: visto por muitos como o maior movimento armado que já se registrou em território brasileiro, bem como, possivelmente, a maior mobilização popular já ocorrida na história do país.

As pistas e vestígios encontrados nas fotografias, bem mais que fornecer respostas, sugerem perguntas e formulam conjecturas, levando a uma (re) exploração de outras fontes historiográficas. Essa característica documental da imagem, contribuindo para uma ampliação do olhar historiográfico sobre o tema, facilitou a construção de novas leituras do mesmo universo, revelando implicações diferentes das traçadas por outros estudos. Foi possível propor algumas hipóteses interpretativas, nem sempre coincidentes com os argumentos sugeridos pelas versões predominantes do evento. Como já dito por alguém, o historiador não é aquele que sabe, mas aquele que procura.

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