Documentos do Descobrimento do Brasil: Valentim Fernandes - Ato notarial de 20 de maio de 1503

 
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        "Em nome de Deus, Amém. Pelo teor do presente documento publico saibam todos claramente que no ano do nascimento do Senhor de 1504, indição sétima, e no dia 4 do mês de Agosto, no ano 1° do pontificado do Santissimo Padre em Cristo e nosso Senhor Ju1io II, papa pela Divina Providencia, o nobre e circunspecto varão Conrado von der Rosen, natural das regiões da Germania, possuindo e tendo em suas mãos uma autentica carta patente, ou seja o documento publico, abaixo transcrito, feito com sinal e assinatura do honrado varão, senhor Valentim Fernandes de Morávia, tabelião publico por autorização do serenissimo rei de Portugal e assinado tambem por ele, apresentou-o e entregou-mo a mim, tabelião publico abaixo assinado, para dele extratar uma publica forma; e, depois de vermos que estava em regra, pediu-nos que lhe dessemos uma copia que é do teor abaixo escrito":

        "Uma armada de 13 grandes naus do poderosissimo D. Manuel I, rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquem e d’Alem mar em Africa, senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comercio da Etiopia,

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Arabia, Persia e India, tendo saido do porto e riquissimo emporio de Lisboa, e partindo para a India, descobriu aquem do Ganges, num mar desconhecido, sob a linha equinocial, um outro mundo, pela Divina Providencia ignorado de todas as outras autoridades, no ano de Cristo de 1500 e no ultimo dia do mes de Abril. Era seu comandante o estrenuo cavaleiro Pedro Alvares Cabral. Os habitantes, desse mundo não têm fé, nem religião, nem indolatria, nem conhecimento algum do seu Criador, nem estão sujeitos a leis ou a qualquer dominio, mas apenas ao conselho dos velhos; nada têm como proprio, mas tudo lhes é comum, salvo as mulheres, andam todos completamente nus e nem homens nem mulheres cobrem as partes vergonhosas, afora em alguns dias festivos em que uns pintam os corpos de varias cores, outros cobrem-se, depois de ter untado o corpo, com pequenas penas de aves de cores variadas, e os restantes atam ao corpo grandes penas à maneira de aves. Os homens são de cor parda, de cabelos negros longos e corredios, não crespos como o dos Etiopes, posto que habitem no mesmo paralelo, de estatura pequena, de corpo robusto, rosto amplo, olhos pequenos, tendo buracos no queixo e além disso diversos na face, onde colocam pedras e ossos a titulo de ornato; todos os homens são imberbes e as mulheres arrancam-lhes os pelos, mas alguns trazem uma barba pintada."

        "Os homens copulam com as mulheres, mas não em publico nem entre estes dois graus de parentesco: o filho com a mãe ou o pai com a filha e o irmão

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com a irmã. Não têm brado (b) algum; comem assadas ou cozidas carnes das aves e de todos os animais, bem como a carne humana dos seus inimigos, e de igual modo os peixes e os crocodilos."

        "Fazem vinho do milho. Todos os animais são diferentes dos nossos, a não ser os porcos; e não são menos diferentes as aves, as arvores e as ervas. Encontram-se aí os maiores crocodilos, não todavia tão ferozes como na Etiopia, que tambem comem os homens: a pele presente deste mostra o corpo dum verdadeiro crocodilo. A terra é cheia de bosques espessos, de rios muito grandes e dela nos trouxeram os paus do Brasil e os paus de canela e outros que pareciam paus de canela, bem como papagaios de diferentes especies."

        "Passados dois anos, uma outra armada do mesmo cristianissimo rei, destinada a esse fim, tendo seguido o litoral daquela terra por quasi 760 leguas, encontrou nos povos uma só lingua, baptizou a muitos e, avançando para o sul, chegou até à altura do polo antartico, a 53 graus, e tendo encontrado grandes frios no mar voltou à patria."

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        "Esta imagem, isto é, a daqueles homens e o presente crocodilo manda o egregio varão João Draba, para perpetua memoria dos reis serenissimos à capela do sangue de Cristo, fundada em Bruges, cidade de Flandres, para louvor de Deus omnipotente e da patria, no ano da salvaçao 1503, no mês de Maio."

        "E eu Valentim Fernandes de Morávia, tabelião publico por ordem do mesmo rei de Portugal, li a carta presente diante da régia majestade, dos seus barões, supremos capitães e pilotos ou governadores dos seus navios da supracitada terra dos antipodas com o novo nome de terra de santa cruz e todos unanimemente a confirmaram e eu coligi tudo isto dum livro escrito por mim, me-

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diante a narração de dois homens da terra acima referida, e abaixo assinados, que durante 20 meses lá moraram e afirmo que tudo é verdadeiro pelo que vi e me relataram".

        "Em testemunho do que aponho aqui o meu sinal publico, a 20 de Maio de 1503, por assim o ter escrito acima. Valentim Fernandes esta carta em verdade etc."

        "E porque eu Liberto Wigenhoist, clérigo de Colonia, etc."

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Extraído de COSTA, A. Fontoura da. Cartas das Ilhas de Cabo Verde de Valentim Fernandes, Lisboa, 1939, p. 91-96. Através de SOUZA, Thomaz Oscar Marcondes de. O Descobrimento do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1946, p. 156-162.
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