Tradução dos textos latinos Américo Vespúcio.

     Autor: Dr. Miguel Menezes

     Fonte: ZWEIG, Stefan. Américo Vespúcio. Tradução de José Francisco dos Santos. 3. ed. Porto, Livraria Civilização, 1956. 211p.

     Textos latinos traduzidos por Miguel Menezes e transcritos por Zweig em seu livro:

     Quatuor Navigationes. Incluído na "Cosmographiae Introductio", de Waldseemüller (Edição de 1507).

     Mundus Novus. Reproduzido na "Raccolta Colombiana" (Parte III, vol. II)

     As quatro navegações de Américo Vespúcio
(Página 147 - 193)

     Página 189
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      QUARTA NAVEGAÇÃO

     Resta falar do que vi na quarta navegação. Serei breve, porque já estou fatigado e porque esta nossa navegação não chegou a seu termo desejado, devido à discórdia que no mar Atlântico se deu.

     Saímos do porto de Lisboa com seis navios de conserva, com o propósito de visitarmos uma ilha para horizonte que se diz "Melcha" famosa por muitas riquezas e por ser estação dos navios que vêm do mar Gangético ou. do Índico, tal como Galinéia o é do que do Oriente vêm para Ocidente e vice-versa, por via Calecut. Esta ilha de Melcha fica mais ao ocidente e ao sul do que Calecut. Assim é porque ela está a 33 graus do pólo Antártico. Portanto, saindo a 10 de maio de 1503, seguimos para as ilhas chamadas Verdes, onde fizemos provisão do necessário e tomamos vários refrescos. Passados 12 dias, começamos a navegar pelo vento siroco e sendo então o nosso capitão-mor desnecessariamente e


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contra todos presunçoso e obstinado, para se mostrar nosso chefe e dos 6 navios, ordenou que nos dirigissemos para a Serra Leoa, terra ao sul da Etiópia. Correndo nós para lá já com ela à vista, tão grande e forte tempestade e vento tão contrário e fortuna tão adversa saltou conosco que, durante 4 dias não pudemos aportar a essa terra que víamos com nossos olhos; ainda mais, fomos obrigados a deixá-la e a retomar a viagem, que por sudoeste, vento entre o meio dia e o Lebécio, fizemos, navegando 300 léguas por alto mar. Donde sucedeu que, estando nós quase 3 graus fora da linha equinocial, nos apareceu uma terra de que distávamos 12 léguas, e que nos encheu de admiração. Era uma ilha no meio do mar, mui alta e admirável, de mais de duas léguas de comprido e menos de uma de largura, na qual não foram nem habitaram homens, e não obstante isso, muito má para nós. Nela, por destinado conselho e ordem, o capitão-mor perdeu o seu navio, quebrado e despedaçado de encontro a um escolho na noite de S. Lourenço, que é a 10 de agosto, e totalmente submerso no mar, salvando-se só os marinheiros. Era um navio de 300 tonéis, no qual estava todo o nosso poder. Como todos nos esforçássemos por o livrar do perigo, o capitão-mor ordenou-me que, com um navio, fosse procurar à ilha um bom surgidoiro para seguramente nele recolhermos as naus. O mesmo capitão-mor não quis, porém, que levasse o meu navio, guarnecido de 9 marinheiros, mas sim que este fosse em auxilio do que estava em perigo e que eu fosse à procura do porto no qual então mo restituiria.


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     Depois de receber estas ordens, fui com metade dos meus marinheiros para a ilha de que distávamos quatro léguas e achei um porto muito belo, no qual poderíamos pôr a resguardo a nossa armada. Aqui fiquei oito dias à espera do capitão-mor e da restante gente. Como estes não chegassem, muito sofri, e os que comigo eram com tal medo estavam que não se podiam consolar. Estávamos nesta angústia, quando ao 8o dia vimos vir um navio pelo mar, a cujo encontro fomos, para que nos pudessem ver, esperando confiadamente que nos levassem a melhor porto. Ao aproximarmo-nos deles e trocarmos saudações, referiram-nos que a nau capitaina desaparecera no mar, salvando-se os marinheiros.

     Estas mensagens desgostaram-me imenso, como V. M. poderá julgar, porque nos víamos num longínquo mar, afastado de Lisboa, para a qual havia mil léguas a percorrer. Contudo lançamo-nos à sorte e voltamos à mencionada ilha, onde provemos de água e lenha o navio da minha conserva. Esta ilha era, porém, inóspita e desabitada, de abundante água viva e fresca, com muitas árvores e aves marinhas e terrestres, tão dóceis, que se podiam apanhar à mão, pelo que tantas agarraa mos que enchemos o navio; não achamos outros animais, a não ser ratos, muito grandes, lagartos de duas caudas e serpentes. Feita provisão, partimos entre o meio dia e o Lebécio, porque do rei recebêramos regimento de continuar o caminho da precedente navegação, através de todos os perigos.

     Encontramos, iniciada tal viagem, um porto a que demos o nome de Abadia de Todos os Santos, ao qual chegamos 17 dias depois, com vento prós-


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pero concedido pelo Altíssimo. Este porto dista 300 léguas da mencionada ilha. Não achamos nele, nem o capitão-mor nem outro da nossa campanha, embora o esperássemos 2 meses e 4 dias. No fim dos quais, vendo que ninguém aparecia, eu e a minha campanha concertamos de avançar mais ao largo. Depois de percorrermos 260 léguas, arribamos a um porto em que resolvemos erigir uma fortaleza, o que fizemos, deixando nela 24 dos nossos cristãos que tinham sido salvos da capitaina. Na construção deste dito castelo e no carregamento dos nossos navios com pau brasil gastamos 5 meses, porque não podíamos avançar mais pelo pouco número dos nautas e falta de muitos aparelhos.

     Depois concordamos regressar a Portugal (o que podíamos fazer pelo grego e transmontano), deixando no mencionado castelo 24 cristãos e com eles 12 máquinas e provisão para 6 meses. Pacificamos também a terra da qual não fazemos aqui menção, dado que fossem muitos os seus habitantes, e com eles praticássemos. Com 30 deles, penetramos na ilha quase 40 léguas e, aí, vimos muitas coisas que agora omito e que reservo para o meu livro das "Quatro Navegações". Esta terra está 80 graus para o sul da linha equinocial e 35 para o ocidente do meridiano de Lisboa conforme nos mostravam os nossos instrumentos. Iniciamos a nossa viagem por nor-nordeste, vento entre o grego e o transmontano, com o propósito de partirmos para Lisboa, na qual entramos, com o louvor do Senhor, passados muitos trabalhos e perigos, 47 dias depois, a 27 de julho de 1504.

     Aqui fomos recebidos com muitas honras e


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festas, porque toda a cidade nos considerava perdidos, como todos os outros navios da nossa campanha o tinham sido por estulta presunção do nosso capitão-mor, que deste modo o justo juiz de todas as coisas castiga a soberba.

     E, assim, estou presentemente em Lisboa, sem saber o que o sereníssimo rei pensa fazer de minha pessoa, que muito deseja descansar de tamanhos trabalhos. A V. M. recomendo o portador desta carta.



     AMÉRICO VESPÚCIO

     Em Lisboa