O ENCONTRO ENTRE

O OCIDENTE E O ORIENTE

Uma aventura jesuíta no Japão (1547-1650)

por

Carla Molinari

Mestranda em História - UFRJ

"O anno passado de .87. por causa das muitas guerras e revoltas q ouve em Iapão,não pode a nao dos Portugueses despacharse ao tempo q era costume, por se não venderem as fazendas, e assi foi forçado inuernar em Firando, pela qual rezão não se fez no dito anno a viagem acostumada da China a Iapão, e assi nem nos podemos escreuer nem receber cartas. Pelo qual nesta determiney dar conta a v.P. de tudo o que passou nestes dous annos depois das derradeiras cartas que escreuemos em Outubro de .86."

Assim inicia o Padre Luis Froes sua carta de 1588 à Companhia de Jesus em Portugal. Esta carta, sem que seu autor se desse conta, relata para nós os momentos iniciais do declínio do prestígio da Ordem Jesuíta e do comércio português no Japão. Ela marca o início do fim da aventura destes homens no Japão na virada do séc. XVI para o XVII. Uma aventura que começou a se delinear em 1543, quando Portugal "descobre" o arquipélago japonês, e que toma real impulso em 1549, ponto de partida de nossa análise, uma vez que este ano assistiu à chegada dos primeiros jesuítas em Kagoshima, liderados pelo Padre Francisco Xavier. Desde o início, a Cia. de Jesus - embora apresentando em seus quadros padres de diversas nacionalidades - mostrou-se defensora dos interesses de Portugal, o que fica explícito na fala do próprio padre Francisco Xavier ao referir-se à sua ida ao Japão, afirmando: "vamos três portugueses e três japões".

O Japão de fins do séc. XVI apresenta-se como uma sociedade em ebulição, politicamente instável, uma vez que o Shogunato de Kamakura está em fase de decadência, gerando uma guerra civil pela disputa do poder central entre os vários daimyo (senhores de grandes "feudos"). No meio deste caos, três generais (Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu) se sucedem, tentando unificar o país e, conseqüentemente, buscando, cada um, ser aceito como o novo Shogun. Na verdade, quem governava de fato era o Shogun, sendo o Imperador um símbolo sem poder político efetivo. Ao mesmo tempo, a esfera religiosa também apresenta-se conturbada, especialmente no tocante às duas principais doutrinas religiosas: o shinto (shintoísmo) e o butsudo (budismo). O shintoísmo está em crise, pois não consegue exercer, neste momento, qualquer influência política devido à situação vivenciada pela Corte Imperial, uma vez que um de seus pilares é a figura do Imperador. O budismo, ao contrário, apresenta um retrospecto de grande penetração nas esferas políticas e um desenvolvimento de novas seitas de poderosa influência na sociedade, seitas estas que contestam o poder centralizador do Shogunato. Tal posição faz com que o budismo se torne uma ameaça para aqueles que lutam por esse poder. O budismo era forte não só no âmbito religioso, mas também - ao contrário da imagem de "paz e tranqüilidade" que costuma povoar nosso imaginário - militarmente. Das seitas budistas que realizaram levantes neste período, merece destaque a seita Ikko, que segue a linha doutrinária da "Verdadeira Terra Pura", cujas origens remontam ao amidismo do séc. XIII, caracterizando-se por pregar a salvação pela fé, apresentando, assim, um ponto em comum com o próprio cristianismo, cuja pregação é então incentivada por Nobunaga como meio de combater a oposição do budismo.

Enfim, é neste Japão conturbado, de grandes incertezas que se desenrola a aventura dos jesuítas, os quais formam a linha de frente dos interesses de Portugal e da Cristandade no Extremo Oriente. Assim, nossa proposta de estudo consiste na análise do confronto Ocidente/Oriente, ou seja, jesuítas e portugueses de um lado, e monges budistas e japoneses de outros, buscando a compreensão do olhar que os primeiros lançam sobre a sociedade japonesa e o impacto que esta exerce sobre aqueles ocidentais. Trata-se de um jogo, onde vários interesses estavam envolvidos: o monopólio português do comércio na região, para Portugal; a ampliação das fronteiras da cristandade, para os jesuítas; a ampliação do comércio com o exterior enquanto elemento gerador de poder e riqueza, para os daimyo; a presença de missionários que competissem com os monges rebelados, para Nobunaga e seus seguidores.

Para o estudo de tal questão, torna-se fundamental a contextualização da situação política existente no Japão à época da chegada dos primeiros portugueses e dos missionários jesuítas. Da mesma forma, é importante abordarmos a matriz religiosa que dá forma e conteúdo à sociedade japonesa de fins do séc. XVI, o que torna essencial a compreensão do budismo, principalmente. A partir daí, acreditamos poder buscar uma análise comparativa entre o cristianismo pregado pela Companhia de Jesus e o budismo, de maneira a que possamos compreender como se deu o processo de conversão à fé cristã. Uma vez que nossa proposta de estudo consiste no que pode ser denominado ascensão e queda da influência jesuíta no Japão feudal, optamos por delimitar temporalmente nossa pesquisa tendo, como marco inicial o já citado ano de 1549, e elegemos a proclamação do primeiro edital contra os missionários jesuítas, datado de 1587, como ponto final de nossa análise.

Neste meio tempo, o ano de 1580 merece destaque, uma vez que o prestígio dos jesuítas e dos portugueses no Japão começa a apresentar um acentuado processo de deterioração. Neste mesmo ano inicia-se para Portugal o período da União Ibérica, de acordo com a qual as zonas de influências ultramarinas portuguesas e espanholas eram autônomas, não estando, portanto, o Japão aberto ao comércio com os espanhóis. Tal determinação nada significou para os espanhóis sediados nas Filipinas, que passam a promover a entrada de frades franciscanos no Japão, a fim de que estes abram caminho para a penetração espanhola. Os japoneses assistem, então, ao embate entre jesuítas e franciscanos, os primeiros defendendo os interesses portugueses e os últimos defendendo o lado espanhol. Além de estar contra a posição adotada pela União Ibérica, tal atitude também coloca-se contra o Papado, uma vez que este havia concedido à Companhia de Jesus a exclusividade no trabalho missionário no Japão. Assim, as duas ordens se chocam. Embora os jesuítas tenham a vantagem de estar a mais tempo no arquipélago, tendo influência sobre vários daimyo - além de conhecerem bem o idioma local -, tal contenda provoca sérias rachaduras na imagem da ordem e, em decorrência, na imagem de Portugal.

Como dissemos anteriormente, optamos por delimitar nossa análise entre o período de 1549 e 1587, no entanto, a história do cristianismo e dos portugueses no Japão não se encerra de fato neste último ano. Mas o que acontece a partir de então é uma história de perseguições religiosas, povoada de mártires e rebeliões. Não é mais, também, uma história só de portugueses e jesuítas, mas de europeus, não apenas católicos, mas também protestantes, terminando por encenarem no Japão uma reprodução das conflituosas relações que vivenciam na Europa.

Procuraremos manter uma constante atualização desta página, conforme o avanço de nossa pesquisa.

Em breve, apresentaremos a opção de leitura do texto em língua inglesa. Apreciamos suas dicas! Se você também é um interessado no encontro entre o Ocidente e o Oriente no século XVI, no Japão, não deixe de nos enviar suas sugestões. Todas as idéias são bem vindas. Deixe sua opinião no meu Guestbook, ou via e-mail. Ambos estão no topo desta página.

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