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As Expiações Colectivas

 

Questão — O Espiritismo explica perfeitamente a causa dos sofrimentos individuais, como consequência imediata das faltas cometidas na existência precedente, ou como expiação do passado; mas, uma vez que cada um de nós só é responsável pelas suas próprias faltas, não se explicam satisfatoriamente as desgraças colectivas que atingem as aglomerações de indivíduos, às vezes, uma família inteira, toda uma cidade, toda uma nação, toda uma raça, e que se abatem tanto sobre os bons, como sobre os maus, assim sobre os inocentes, como sobre os culpados.

Resposta — Todas as leis que regem o Universo, sejam físicas ou morais, materiais ou intelectuais, foram descobertas, estudadas, compreendidas, partindo-se do estudo da individualidade, e do da família, para o de todo o conjunto, generalizando-as gradualmente e comprovando-se-lhes a universalidade dos resultados.

Outro tanto se verifica hoje com relação às leis que o estudo do Espiritismo dá a conhecer. Podem aplicar-se sem medo de errar, as leis que regem o indivíduo à família, à nação, às raças, ao conjunto dos habitantes dos mundos, os quais formam individualidades colectivas. Há as faltas do indivíduo, as da família, as da nação; e cada uma, qualquer que seja o seu carácter, se expia em virtude da mesma lei. O algoz, relativamente à sua vítima, quer indo a encontrar-se em sua presença no espaço, quer vivendo em contacto com ela numa ou em muitas existências sucessivas, até à reparação do mal praticado. O mesmo sucede quando se trata de crimes cometidos solidariamente por certo número de pessoas. As expiações também são solidárias, o que não suprime a expiação simultânea das faltas individuais.

Três caracteres há em todo o homem: o indivíduo, do ser em si mesmo; o de membro da família e, finalmente, o de cidadão. Sob cada uma dessas três faces pode ele ser criminoso e virtuoso, isto é, pode ser virtuoso como pai de família, ao mesmo tempo que criminoso como cidadão e respectivamente. Daí as situações especiais que para si cria nas suas sucessivas existências.

Graças ao Espiritismo, compreendeis agora a justiça das provações que não decorrem dos actos da vida presente, porque reconheceis que elas são o resgate das dívidas do passado. Por que não haveria de ser assim com relação às provas colectivas? Dizeis que os infortúnios de ordem geral alcançam assim o inocente, como o culpado; mas, não sabeis que o inocente de hoje pode ser o culpado de ontem? Quer ele seja atingido individualmente, quer colectivamente, é que o mereceu. Depois, como já o dissemos, há as faltas do indivíduo e as do cidadão; a expiação de umas não isenta as das outras, pois que toda a dívida tem que ser paga até à última moeda. As virtudes da vida privada diferem das da vida pública. Um, que é excelente cidadão, pode ser péssimo pai de família; outro, que é bom pai de família, probo e honesto em seus negócios, pode ser mau cidadão, ter soprado o fogo da discórdia, oprimido o fraco, manchado as mãos em crimes de lesa-sociedade.

Essas faltas colectivas é que são expiadas colectivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se encontram de novo reunidos, para sofrerem juntos a pena de talião, ou para terem ensejo de reparar o mal que praticaram, demonstrando devotamento à causa pública, socorrendo e assistindo aqueles a quem outrora maltrataram. Assim, o que é incompreensível, inconciliável com a justiça de Deus, se torna claro e lógico mediante o conhecimento dessa lei.

A solidariedade, portanto, que é o verdadeiro laço social, não o é apenas para o presente, estende-se ao passado e ao futuro, pois que as mesmas individualidades se reuniram, reúnem e reunirão, para subir juntas a escala do progresso, auxiliando-se mutuamente. Eis aí o que o Espiritismo faz compreensível, por meio da equitativa lei da reencarnação e da continuidade das relações entre os mesmos seres.

Célia Duplantier    

 

 

Nota

Conquanto se subordine aos conhecidos princípios de responsabilidade pelo passado e da continuidade das relações entre os Espíritos, esta comunicação encerra uma ideia de certo modo nova e de grande importância. A distinção que se estabelece entre a responsabilidade decorrente das faltas individuais ou colectivas, das da vida privada e da vida pública, explica certos factos ainda mal conhecidos e mostra de maneira mais precisa a solidariedade existente entre os seres e entre as gerações.

Assim, muitas vezes um indivíduo renasce na mesma família, ou, pelo menos, os membros de uma família renascem juntos para constituir uma família nova noutra posição social, a fim de apertarem os laços de afeição entre si, ou reparar agravos recíprocos. Por considerações de ordem mais geral, a criatura renasce no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, quer por simpatia, quer para continuar, com os elementos já elaborados, estudos começados, para se aperfeiçoar, prosseguir trabalhos encetados e que a brevidade da vida não lhe permitiu acaba. A reencarnação no mesmo meio é a causa determinante do carácter distintivo dos povos e das raças. Embora melhorando-se, os indivíduos conservam o matiz primário, até que o progresso os haja completamente transformado.

Os franceses de hoje são, pois, os do século passado, os da Idade Média, os dos tempos druídicos; são os exactores e as vítimas do feudalismo; os que submeteram outros povos e os que trabalharam pela emancipação deles, que se encontram na França transformada, onde uns expiam, na humilhação, o seu orgulho de raça e onde outros gozam o fruto de seus labores. Quando se consideram todos os crimes desses tempos em que a vida dos homens e a honra das famílias em nenhuma conta eram tidas, em que o fanatismo acendia fogueiras em honra da divindade; quando se pensa em todos os abusos de poder, em todas as injustiças que se cometiam com desprezo dos mais sagrados direitos, quem pode estar certo de não haver participado mais ou menos de tudo isso e admirar-se de assistir a grandes e terríveis expiações colectivas?

Mas, dessas convulsões sociais uma melhora sempre resulta; os Espírito se esclarecem pela experiência; o infortúnio é o estimulante que os impele a procurar um remédio para o mal; na erraticidade, reflectem, tomam novas resoluções e, quando voltam, fazem coisa melhor. É assim que, de geração em geração, o progresso se efectua.

Não se pode duvidar de que haja famílias, cidades, nações, raças culpadas, porque, dominadas por instintos de orgulho, de egoísmo, de ambição, de cupidez, enveredam por mau caminho e fazem colectivamente o que um indivíduo faz insuladamente. Uma família se enriquece à custa de outra; um povo subjuga outro povo, levando-lhe a desolação e a ruína; uma raça se esforça por aniquilar outra raça. Essa a razão por que há famílias, povos e raças sobre os quais desce a pena de talião.

"Quem matou com a espada perecerá pela espada", são palavras do Cristo, palavras que se podem traduzir assim: Aquele que fez correr sangue verá o seu também derramado; aquele que levou o facho do incêndio ao que era de outrém, verá o incêndio ateado no que lhe pertence; aquele que despojou será despojado; aquele que escraviza e maltrata o fraco será a seu turno escravizado e maltratado, quer se trate de um indivíduo, quer de uma nação, ou de uma raça, porque os membros de uma individualidade colectiva são solidários assim no bem como no mal que em comum praticam.

Ao passo que o Espiritismo dilata o campo da solidariedade, o materialismo o restringe às mesquinhas proporções da efémera existência do homem, fazendo da mesma solidariedade um dever social sem raízes, sem outra sanção além da boa-vontade e do interesse pessoal do momento. É uma simples teoria, simples máxima filosófica, cuja prática nada há que a imponha. Para o Espiritismo, a solidariedade é um facto que assenta numa lei universal da Natureza, que liga todos os seres do passado, do presente e do futuro e a cujas consequências ninguém pode subtrair-se. É esta uma coisa que todo o homem pode compreender, por menos instruído que seja.

Quando todos os homens compreenderem o Espiritismo, compreenderão também a verdadeira solidariedade e, por conseguinte, a verdadeira fraternidade. Uma e outra então deixarão de ser simples deveres circunstaciais, que cada um prega as mais das vezes no seu próprio interesse e não no de outrém. O reinado da solidariedade e da fraternidade será forçosamente o da justiça para todos e o da justiça será o da paz e da harmonia entre os indivíduos, as famílias os povos e as raças. Virá esse reinado? Duvidar do seu advento seria negar o progresso. Se compararmos a sociedade actual, nas nações civilizadas, com o que eram na Idade Média, reconheceremos grande a diferença. Ora, se os homens avançaram até aqui, por que haveriam de parar? Observando-se o percurso que eles hão feito apenas de um século para cá, poder-se-á avaliar o que farão daqui a mais outro século.

As convulsões sociais são revoltas dos Espíritos encarnados contra o mal que os acicata, índice de suas aspirações, e esse reino de justiça pelo qual anseiam, sem todavia, se aperceberem claramente do que querem e dos meios de conseguí-lo. Por isso é que se movimentam, agitam, tudo subvertem a torto e a direito, criam sistemas, propõem remédios mais ou menos utópicos, cometem mesmo injustiças sem conta, por espírito, ao que dizem, de justiça, esperando que desse movimento saia, porventura, alguma coisa. Mais tarde, definirão melhor as suas aspirações e o caminho se lhes aclarará.

Quem quer que desça ao âmago dos princípios do Espiritismo filosófico, que considere os horizontes que ele desvenda, as ideias a que se dá origem e os sentimentos que desenvolve, não duvidará da parte preponderante que há de ter na regeneração, pois que, precisamente e pala força das coisas, ele conduz ao objectivo a que a Humanidade aspira: ao reino da justiça, pela extinção dos abusos que lhe hão obstado ao progresso e pela moralização das massas. Se os que sonham com a restauração do passado não entendessem assim, não se aferrariam tanto a esse sonho; deixá-lo-iam morrer tranquilamente, como há sucedido a muitas utopias. Isto, por si só, devera dar que pensar a certos zombadores, fazendo-os ponderar que talvez haja aí alguma coisa mais séria do que imaginam. Mas, há pessoas que de tudo riem, há os que têm medo de que aos seus olhos se apresente a alma que se obstinem em negar.

Qualquer que seja a influência que um dia o Espiritismo chegue a exercer sobre as sociedades, não se suponha que ele venha a substituir uma aristocracia por outra, nem a impor leis; primeiramente, porque, proclamando o direito absoluto à liberdade de consciência e do livre exame em matéria de fé, quer, como crença, ser livremente aceito, por convicção e não por meio de constrangimento. Pela sua natureza, não pode, nem deve exercer nenhuma pressão. Proscrevendo a fé cega, quer ser compreendido. Para ele, absolutamente não há mistérios, mas uma fé racional, que se baseia em factos e que deseja a luz. Não repudia nenhuma descoberta da Ciência, dado que a Ciência é a colectânea das leis da Natureza e que, sendo de Deus essas leis, repudiar a Ciência for a repudiar a obra de Deus.

Em segundo lugar, estando a acção do Espiritismo no seu poder moralizador, não pode ele assumir nenhuma forma autocrática, porque então faria o que condena. Sua influência será preponderante, pelas modificações que trará às ideias, às opiniões, aos caracteres, aos costumes dos homens e às relações sociais. E maior será essa influência, pela circunstância de não ser imposta. Forte como filosofia, o Espiritismo só teria que perder, neste século de raciocínio, se se transformasse em poder temporal. Não será ele, portanto, que fará as instituições do mundo regenerado; os homens é que as farão, sob o império das ideias de justiça, de caridade, de fraternidade e de solidariedade, mais bem compreendidas, graças ao Espiritismo.

Essencialmente positivo em suas crenças, ele repele todo o misticismo, desde que não se estenda esta denominação, como o fazem os que em nada crêem, à crença em Deus, na alma e na vida futura. Induz, é certo, os homens a se ocuparem seriamente com a vida espiritual, mas porque essa é a vida normal, sendo nela que se têm de cumprir os nossos destinos, pois que a vida terrestre é transitória, passageira. Pelas provas que apresenta da realidade da vida espiritual, ensina aos homens a não atribuírem mais que relativa importância às coisas deste mundo, dando-lhes assim força e coragem para suportar com paciência as vicissitudes da vida terrena. Ensina-lhes que, morrendo, não deixam para sempre este mundo; que podem a ele voltar, a fim de aperfeiçoarem a sua educação intelectual e moral, a menos que já estejam bastante adiantados para merecerem passar a um mundo melhor; que os trabalhos e progressos que realizem, ou para cuja realização contribuam, lhes aproveitarão, concorrendo para que melhorada se lhes torne a posição futura. Mostra-lhes dessa forma que é de todo o interesse deles não o desprezarem. Se lhes repugna voltar aqui, uma vez que possuem o livre-arbítrio, deles depende o fazerem o que é necessário a se tornarem habitantes de outros orbes; mas, que não se iludam sobre as condições que devem preencher para merecerem uma mudança de residência! Não será por meio de algumas fórmulas, expressas em palavras ou actos, que conseguirão, sim por efeito de uma reforma séria e radical das suas imperfeições, modificando-se, despojando-se das paixões más, adquirindo dia a dia novas qualidades, ensinando a todos, pelo exemplo, alinha de proceder que levará solidariamente todos os homens à ventura, pela fraternidade, pela tolerância, pelo amor.

A Humanidade se compõe de personalidades, que constituem as existências individuais, e das gerações, que constituem as existências colectivas. Umas e outras avançam na senda do progresso, por variadas fases de provações que, portanto, são individuais para as pessoas e colectivas para as gerações. Do mesmo modo que, para o encarnado, cada existência é um passo à frente, cada geração marca um grau de progresso para o conjunto. É irresistível esse progresso do conjunto e arrasta as massas, ao mesmo tempo que modifica e transforma em instrumento de regeneração os erros e prejuízos de um passado que tem de desaparecer. Ora, como as gerações se compõem dos indivíduos que já viveram nas gerações precedentes, segue-se que o progresso delas é a resultante do progresso dos indivíduos.

Mas, quem demonstrará, poderão dizer, a existência de solidariedade entre a geração actual e as que a precederam, ou entre ela e as que lhe sucederão? Como se poderia provar que eu já vivi na Idade Média, por exemplo, e que voltarei a tomar parte nos acontecimentos que se produzirão na sucessão dos tempos?

Nas obras fundamentais da Doutrina e na Revista, o princípio da pluralidade das existências já foi exaustivamente demonstrado, para que ainda nos detivéssemos aqui a demonstrá-lo. Nos factos da vida quotidiana fervilham provas e uma demonstração quase matemática. Limitamo-nos, pois a concitar os pensadores a que atentem nas provas morais que decorrem do raciocínio e da intuição.

Será, porventura, necessário vejamos uma coisa, para que nela acreditemos? Observando efeitos, não se pode adquirir a certeza material da causa?

Afora a da experiência, a única senda legítima que se abre para essa investigação consiste em remontar do efeito à causa. A justiça nos oferece notabilíssimo exemplo desse princípio, quando empreende descobrir os indícios dos meios que serviram à perpetração de um crime, as intenções que se agregam à culpabilidade do malfeitor. Este não foi apanhado em flagrante e, contudo, é condenado por esses indícios.

A Ciência, que pretende caminhar tão-só pela via da experiência, afirma todos os dias que mais não são do que induções das causas por meio unicamente da observação dos efeitos.

Em geologia, determina-se a idade das montanhas. Porventura assistiram os geólogos ao surto delas? Viram formar-se as camadas de sedimento que lhes determinam a idade?

Os conhecimentos astronómicos, físicos e químicos permitem se avaliem o peso dos planetas, suas densidades, seus volumes, a velocidade que os anima, a natureza dos elementos que os compões; entretanto, os sábios não fizeram experiências directas e é à analogia e à indução que devemos tão belas e preciosas descobertas.

Os homens de antanho, baseados nos testemunhos dos seus sentidos, afirmavam ser o Sol que gira em torno da Terra. No entanto, esse testemunho os enganava e prevaleceu o raciocínio.

O mesmo se dará com os princípios que o Espiritismo sustenta, desde que se disponham a estudá-los, sem prevenções, e, então, a Humanidade entrará, real e rapidamente, numa era de progresso e de regeneração, porque, já não se sentido isolados entre dois abismos, o desconhecido do passado e a incerteza do porvir, os indivíduos trabalharão com energia por aperfeiçoar e multiplicar os elementos da felicidade que tem de ser obra deles, porque reconhecerão que não é devida ao acaso a posição que ocupam no mundo e que eles próprios gozarão, no futuro e em melhores condições, do fruto de seus labores e de suas vigílias. É que o Espiritismo lhes ensinará que, se as faltas colectivamente cometidas são expiadas solidariamente, os progressos realizados em comum são igualmente solidários, princípio em virtude do qual desaparecerão as dissenções de raças, de famílias e de indivíduos e a Humanidade, livre das faixas da infância, avançará, célere e virilmente, para a conquista dos seus verdadeiros destinos.

In: OBRAS PÓSTUMAS. Allan Kardec. FEB