Trabalho de Conclusão de Curso I

I. Introdução

    Se existe um ponto relativamente negligenciado nos projetos de
pesquisa, este é o caso da identificação e caracterização das variáveis.
Talvez esta situação seja decorrente da própria definição de variável,
definição  nem sempre claramente delineada. Podemos tomar como
ponto de partida para a nossa definição de variável a aceitação do
pressuposto de que o estudo de qualquer assunto, seja ele científico
ou não, é o estudo da mudança, pois se nada muda, nada ocorre e, se
nada ocorre, evidentemente não temos meios de observar e estudar
coisa alguma, pois nada ocorre mesmo. Se, ao contrário, as coisas
estão submetidas a mudanças, se efetivamente elas mudam, podemos
dizer que elas estão submetidas a algum grau de variação. Esta é, pois,
a essência da definição científica de variável, ou seja, uma variável
pode ser entendida como tudo aquilo que está sujeito a algum grau de
variação.

     De acordo com a linha de raciocínio que iniciamos a desenvolver
no parágrafo anterior podemos dizer que o objetivo básico da pesquisa
científica é o de determinar como as variáveis se relacionam umas com
as outras. Eis alguns exemplos de variáveis tradicionalmente envolvidas
nas pesquisas psicológicas:
a) o tempo  requerido para se resolver um anagrama;
b) os sentimentos  em relação aos pais ou parentes;
c) as atitudes  em relação a pessoas de determinados grupos sociais; e
d) a posição política  e a sua influência na intenção do voto.

    Assim, o  tempo para a solução de um anagrama pode oscilar entre
alguns segundos e uns tantos minutos, a depender da pessoa ou do
estado mental de quem irá tentar resolvê-lo. Da mesma forma, os
sentimentos de uma determinada pessoa em relação aos seus parentes
podem ser positivos, negativos ou neutros. Como também, as atitudes
de uma pessoa em relação àquelas de um determinado grupo social
pode ser a de antipatia,  neutralidade ou simpatia. Com base nestes
poucos exemplos parece ser possível depreender que uma variável é
tudo aquilo que pode assumir diversos valores dentro de um dado
parâmetro de variação. Estes valores podem ser numéricos, embora
esta relação não seja absolutamente necessária, como no exemplo da
posição política, que pode assumir os valores direita, centro ou esquerda.

    Além disso, devemos observar que o grau de clareza na definição e
na caracterização dos diversos tipos de  variáveis não é exatamente o
mesmo. Uma variável como o tempo para se resolver um anagrama
pode ser mensurado com rigor utilizando-se simplesmente um cronômetro
bem calibrado e dois ou mais observadores bem treinados na utilização
deste instrumento poderão realizar observações bem fidedignas. Outras
variáveis, tais como os sentimentos ou a ansiedade, são bem mais difíceis
de serem caracterizadas e mensuradas. O que se fazer, então, no caso
destas variáveis que exigem um maior esforço de caracterização ?
Como seria possível definir as variáveis de natureza psicológica ?

    Parece aceitável a suposição de que só podemos conhecer os estados
psicológicos de uma pessoa a partir do que ela diz ou faz. Ou seja, o
nosso conhecimento é construído a partir de signos. Portanto, só podemos
afirmar que uma dada  pessoa apresenta um grau tal ou qual de ansiedade
a partir da constatação da presença de sinais tais como o tremor dos lábios
e das mãos, a sudorese intensa, a dilatação pupilar ou uma fala desordenada.
Se tudo isto puder ser constatado, podemos falar em uma entidade
psicológica, a ansiedade, que se manifesta de uma forma tal que a pessoa
acaba por demonstrar que ela efetivamente existe. O modelo cognitivo
subjacente a esta concepção é o denominado black box  e pode ser
enunciado nos seguintes termos: não podemos ver x, mas se isto existe,
então deve ocorrer ao fazermos z.  Traduzindo este enunciado a partir
do exemplo da ansiedade podemos afirmar o seguinte: não podemos ver
a ansiedade de A, mas se ela de fato existe, então devemos ver sinais
tais como palpitações, sudorese, tremores de mãos etc, quando A estiver
fazendo uma prova. A partir da aceitação deste pressuposto podemos
concluir que existem certos fatores que apesar de não poderem  ser
observados constituem  em fonte legítima de explicação para algumas
condutas humanas.
 

II. Variáveis independentes e dependentes

    Embora a distinção entre as variáveis independentes e dependentes
seja absolutamente essencial para o entendimento da pesquisa científica,
nem sempre ela se evidencia com clareza. Um exemplo talvez ajude
nesta tarefa. Há algum tempo os psicólogos sociais vêm destacando a
relação entre a temperatura ambiente (expressa em cada uma das
estações do ano)  e a manifestação de episódios coletivos tais como
os saques e os quebra-quebras. Observe no gráfico a seguir a relação
entre estas duas variáveis:
 

 

        A distinção entre as variáveis independentes e as dependentes
envolvem justamente a determinação da dependência de uma variável
em relação à outra. Se considerarmos esta relação de dependência a
partir do exemplo acima, tanto poderíamos dizer que a temperatura
ambiente influencia no número de episódios coletivos, como poderíamos
afirmar o contrário, sustentando que o número de episódios coletivos
exerce alguma influência na temperatura ambiente.  Qual seria o mais
provável de acontecer neste caso ?

     Evidentemente podemos dizer que a primeira afirmação faz muito
mais sentido do que a segunda. Se acreditarmos nesta possibilidade,
aceitaremos que o número de episódios coletivos foi influenciado pela
temperatura ambiente e poderemos afirmar que esta última pode ser
caracterizada como a variável independente, enquanto que o número de
episódios coletivos pode ser identificado como a variável dependente.
 
 
 

III. As variáveis estranhas, o seu controle e os tipos de erro

    Ora, apesar de supormos que devemos buscar as relações existentes
entre a variável independente  e a variável dependente, nunca deixaremos
de suspeitar conseguimos que um outro tipo de variavel pode estar
influenciando os resultados que obtivermos. Se for este o caso, estamos
a falar das varáveis estranhas. Elas podem ser definidas como qualquer
outra variável que não a VI que pode afetar a medida da VD.  Pensando
assim, somos a obrigados a refletir sobre as fontes de erro que podem
afetar o nosso estudo e como podemos evitar que tais erros se manifestem,
com base na suposição de que se todas as variáveis estranhas forem
controladas qualquer alteração nos resultados da VD devem ser atribuídos
à manipulação da VI.

    Usemos um exemplo apresentado por Coolican (1996) para esclarecer
esta questão dos efeitos indesejados das variáveis estranhas, efeitos estes
que podem ser denominadosde erros.  Imagine que as figuras abaixo
representem um stand de tiro ao alvo, com quatro atiradores diferentes
tentando ganhar o grande prêmio.

 
     No primeiro caso, temos o caso de um atirador que embora não
cometa erros sistemáticos, os seus  tiros se distribuem de forma
aleatória, algumas vezes acertando o alvo, outras não. No caso do
atirador 2, o resultado é bem diferente, ele parece ser um bom
atirador, um forte candidato ao grande prêmio. Observe que neste
caso não existe nenhum erro, nem aleatório, nem constante. O
atirador 3 comete uma série de erros sistemáticos e quase nenhum
aleatório,  o que nos faz crer que se ele fizer a correção dos seus
tiros não encontrará muitas dificuldades em acertar o alvo.  Agora,
o caso do atirador 4 é bem diferente, pois os tiros não são apenas
aleatórios, mas sistemáticamente se desviam do alvo.  Com base nas
figuras acima, devemos ser capazes de identificar dois tipos de erros
que podem afetar o resultado de uma investigação psicológica, os
erros constantes ou sistemáticos e os erros aleatórios

    Os erros aleatórios, pela sua própria definição, não podem ser
inteiramente eliminados. Imagine o caso de um experimento de
campo. Naquele dia em que você planejou  a sua coleta de dados
podeocorrer  uma variação enorme na temperatura do ambiente,
alternando sol, pancada de chuvas, mormaço etc. Ou o caso de uma
entrevista, em que alguns entrevistados estão de bom humor, outros
invocados e uma parcela razoável preocupada com a aproximação
do fim do mês e com a proximidade das contas que precisam serem
pagas. Dificilmente você teria condições de controlar estas variáveis
estranhas, embora felizmente elas não comprometam em definitivo o
seu estudo. Por que elas não comprometeriam decisivamente o seu
estudo ? Possivelmente porque pela própria natureza aleatória com que
se manifestam, elas se distribuiriam igualmente entre os participantes
de todas as condições. Imagine que você esteja realizando um estudo
experimental que exige a constituição de um grupo experimental e um
de controle e que a variável temperatura corpórea seja a VD. Imagine
ainda que o termômetro que você está utilizando neste estudo apresenta
um erro aleatório e que em algumas medições ele acrescenta dois graus
à temperatura verdadeira. Neste caso, se o mesmo termômetro for
utilizado em todas as medições, o efeito deste erro se manifestará
igualmente tanto no caso da mensuração do grupo experimental, quanto
no caso do grupo de controle. Em suma, este erro presumivelmente se
distrubuirá de uma forma igual entre os dois grupos gerando um erro grave,
mas nem por isto capaz de comprometer necessariamente o experimento.

    A situação é totalmente diferente no caso de um erro constante, uma
vez que ele afeta sistematicamente os resultados de uma condição e não
os de outra. Este tipo de erro pode confundir seriamente os resultados do
estudo, uma vez que podemos confundi-lo facilmente com o efeito da
VI. Imagine o caso de um entrevistador que deve realizar o seu trabalho
entrevistando dois grupos de pessoas, um grupo que ele valoriza muito e
um outro pelo qual ele sente um grande desprezo. Imaginemos, também,
que este entrevistador não tivesse sido adequadamente treinado e que
deixasse as suas preferências e expectativas influenciar a maneira pela
qual faria as perguntas e forneceria algumas pistas avaliativas. Claro que
neste caso haveria uma diferença sistemática de tratamento e que os efeitos
no grupo dos desprezados se manifestariam de uma forma muito mais
evidente. Resumindo então, podemos dizer que embora o erro sistemático
seja muito mais pernicioso para a investigação psicológico, ele pode ser
mais facilmente controlado que o erro aleatório, pois é possível determinar
previamente as condições em que ele pode vir a se manifestar.
 
    Campbell e Stanley (1979) , no plano específico da pesquisa experimental
indicaram algumas variáveis extranhas que podem introduzir efeitos capazes
de serem confundidos com o efeito do estímulo experimental. Em relação
aos fatores capazes de afetar a validade interna de um experimento
podem ser destacados:
a) história: muitos eventos podem ocorrer entre a primeira e a segunda
mensuração;
b) maturação: fatores inerentes aos sujeitos experimentais, tais como o
envelhecimento, ficar com fome, cansaço etc;
c) testagem: envolve a aplicação de um segundo teste durante a realização
de um experimento;
d) degenerescência dos instrumentos: os instrumentos podem ficar
descalibrados ou perder a precisão, sem que o experimentador se dê conta;
e) regressão estatística; tendência de alguns indivíduos que apresentam
escores extremos em uma primeira testagem e de se aproximarem dos
resultados da médiaem uma segunda mensuração;
f) tendenciosidade da seleção: quando os grupos experimentais não são
alocados aos grupos através de procedimentos randômicos;
g) mortalidade: perda de indivíduos da amostra entre a primeira e a segunda
mensuração.
 

 IV. O que podemos concluir
       Muitos psicólogos insistem em críticar a investigação sistemática em
psicologia a partir do argumento que definir variáveis implicará
necessariamente em um esforço em "coisificar" o ser humano. Argumentos
tais como, " as coisas é que são contadas" , "cada pessoa é única e deve ter
a sua individualidade respeitada" são muito utilizados por estes críticos.Esta
unidade do nosso curso  procurou mostrar como estas críticas são insensatas.
Ao se definir uma variável de estudo não estamos necessariamnete
"coisificando"  quem quer que seja, mas sim estamos ajustando o nosso
sistema cognitivo para lidar com um mundo sujeito a mudanças cotidianas.
Esse ajuste facilita a nossa vida pois permite uma reflexão mais sistemática
acerca dos fatores influenciadores e daquilo que é influenciado e sobre os
tipos de erros para os quais temos que nos preparar. Afinal, chegamos a
um ponto em que a clareza é essencial e que devemos abandonar os
obscurantismos e os jogos de palavras característicos de muitas abordagens
psicológicas, substuindo-os pelo rigor e pela sistematicidade.
    Acreditamos que as bases conceituais apresentadas até aqui já são suficientes
para o início da elaboração do ante-projeto de pesquisa. É o que começaremos
a fazer na unidade IV do nosso curso
 


 
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