De acordo com a linha de raciocínio
que iniciamos a desenvolver
no parágrafo anterior podemos
dizer que o objetivo básico da pesquisa
científica é o de determinar
como as variáveis se relacionam umas com
as outras. Eis alguns exemplos de
variáveis tradicionalmente envolvidas
nas pesquisas psicológicas:
a) o tempo requerido para se resolver um
anagrama;
b) os sentimentos em relação
aos pais ou parentes;
c) as atitudes em relação
a pessoas de determinados grupos sociais; e
d) a posição política
e a sua influência na intenção do voto.
Assim, o tempo para a solução
de um anagrama pode oscilar entre
alguns segundos e uns tantos minutos,
a depender da pessoa ou do
estado mental de quem irá
tentar resolvê-lo. Da mesma forma, os
sentimentos de uma determinada pessoa
em relação aos seus parentes
podem ser positivos, negativos ou neutros. Como
também, as atitudes
de uma pessoa em relação àquelas
de um determinado grupo social
pode ser a de antipatia, neutralidade ou simpatia.
Com base nestes
poucos exemplos parece ser possível depreender
que uma variável é
tudo aquilo que pode assumir diversos
valores dentro de um dado
parâmetro de variação.
Estes valores podem ser numéricos, embora
esta relação não seja absolutamente
necessária, como no exemplo da
posição política, que pode
assumir os valores direita, centro ou esquerda.
Além disso, devemos observar
que o grau de clareza na definição e
na caracterização
dos diversos tipos de variáveis não é exatamente
o
mesmo. Uma variável como
o tempo para se resolver um anagrama
pode ser mensurado com rigor utilizando-se
simplesmente um cronômetro
bem calibrado e dois ou mais observadores
bem treinados na utilização
deste instrumento poderão realizar observações
bem fidedignas. Outras
variáveis, tais como os sentimentos ou a
ansiedade, são bem mais difíceis
de serem caracterizadas e mensuradas. O que se
fazer, então, no caso
destas variáveis que exigem um maior esforço
de caracterização ?
Como seria possível definir as variáveis
de natureza psicológica ?
Parece aceitável a suposição
de que só podemos conhecer os estados
psicológicos de uma pessoa a partir do que ela
diz ou faz. Ou seja, o
nosso conhecimento é construído
a partir de signos. Portanto, só podemos
afirmar que uma dada pessoa
apresenta um grau tal ou qual de ansiedade
a partir da constatação
da presença de sinais tais como o tremor dos lábios
e das mãos, a sudorese intensa,
a dilatação pupilar ou uma fala desordenada.
Se tudo isto puder ser constatado,
podemos falar em uma entidade
psicológica, a ansiedade, que se
manifesta de uma forma tal que a pessoa
acaba por demonstrar que ela efetivamente
existe. O modelo cognitivo
subjacente a esta concepção é o
denominado black box e pode ser
enunciado nos seguintes termos: não podemos
ver x, mas se isto existe,
então y deve ocorrer ao fazermos
z. Traduzindo este enunciado a partir
do exemplo da ansiedade podemos afirmar o seguinte: não
podemos ver
a ansiedade de A, mas se ela de fato existe, então
devemos ver sinais
tais como palpitações, sudorese, tremores
de mãos etc, quando A estiver
fazendo uma prova. A partir da aceitação
deste pressuposto podemos
concluir que existem certos fatores
que apesar de não poderem ser
observados constituem em fonte legítima
de explicação para algumas
condutas humanas.
A distinção
entre as variáveis independentes e as dependentes
envolvem justamente a determinação
da dependência de uma variável
em relação à outra.
Se considerarmos esta relação de dependência a
partir do exemplo acima, tanto poderíamos
dizer que a temperatura
ambiente influencia no número de
episódios coletivos, como poderíamos
afirmar o contrário, sustentando que o número
de episódios coletivos
exerce alguma influência na temperatura ambiente.
Qual seria o mais
provável de acontecer neste caso ?
Evidentemente podemos dizer que
a primeira afirmação faz muito
mais sentido do que a segunda. Se
acreditarmos nesta possibilidade,
aceitaremos que o número
de episódios coletivos foi influenciado pela
temperatura ambiente e poderemos
afirmar que esta última pode ser
caracterizada como a variável independente,
enquanto que o número de
episódios coletivos pode ser identificado
como a variável dependente.
Usemos um exemplo apresentado por Coolican
(1996) para esclarecer
esta questão dos efeitos
indesejados das variáveis estranhas, efeitos estes
que podem ser denominadosde erros.
Imagine que as figuras abaixo
representem um stand de tiro ao
alvo, com quatro atiradores diferentes
tentando ganhar o grande prêmio.
Caso A
Caso B
Caso C
Caso D
Os erros aleatórios, pela sua
própria definição, não podem ser
inteiramente eliminados. Imagine
o caso de um experimento de
campo. Naquele dia em que você
planejou a sua coleta de dados
podeocorrer uma variação enorme
na temperatura do ambiente,
alternando sol, pancada de chuvas, mormaço
etc. Ou o caso de uma
entrevista, em que alguns entrevistados estão
de bom humor, outros
invocados e uma parcela razoável preocupada com
a aproximação
do fim do mês e com a proximidade das contas que
precisam serem
pagas. Dificilmente você teria condições
de controlar estas variáveis
estranhas, embora felizmente elas
não comprometam em definitivo o
seu estudo. Por que elas não
comprometeriam decisivamente o seu
estudo ? Possivelmente porque pela
própria natureza aleatória com que
se manifestam, elas se distribuiriam igualmente
entre os participantes
de todas as condições. Imagine que você
esteja realizando um estudo
experimental que exige a constituição de
um grupo experimental e um
de controle e que a variável temperatura corpórea
seja a VD. Imagine
ainda que o termômetro que você está
utilizando neste estudo apresenta
um erro aleatório e que em
algumas medições ele acrescenta dois graus
à temperatura verdadeira.
Neste caso, se o mesmo termômetro for
utilizado em todas as medições,
o efeito deste erro se manifestará
igualmente tanto no caso da mensuração
do grupo experimental, quanto
no caso do grupo de controle. Em suma, este erro presumivelmente
se
distrubuirá de uma forma igual entre os dois grupos
gerando um erro grave,
mas nem por isto capaz de comprometer necessariamente
o experimento.
A situação é totalmente
diferente no caso de um erro constante, uma
vez que ele afeta sistematicamente
os resultados de uma condição e não
os de outra. Este tipo de erro pode
confundir seriamente os resultados do
estudo, uma vez que podemos confundi-lo
facilmente com o efeito da
VI. Imagine o caso de um entrevistador
que deve realizar o seu trabalho
entrevistando dois grupos de pessoas,
um grupo que ele valoriza muito e
um outro pelo qual ele sente um grande
desprezo. Imaginemos, também,
que este entrevistador não tivesse sido
adequadamente treinado e que
deixasse as suas preferências e expectativas
influenciar a maneira pela
qual faria as perguntas e forneceria algumas pistas
avaliativas. Claro que
neste caso haveria uma diferença sistemática
de tratamento e que os efeitos
no grupo dos desprezados se manifestariam de uma forma
muito mais
evidente. Resumindo então, podemos dizer que embora
o erro sistemático
seja muito mais pernicioso para a investigação
psicológico, ele pode ser
mais facilmente controlado que o erro aleatório,
pois é possível determinar
previamente as condições em que ele pode
vir a se manifestar.
Campbell e Stanley (1979) , no plano
específico da pesquisa experimental
indicaram algumas variáveis extranhas que podem
introduzir efeitos capazes
de serem confundidos com o efeito do estímulo
experimental. Em relação
aos fatores capazes de afetar a validade interna de um
experimento
podem ser destacados:
a) história: muitos eventos podem ocorrer entre
a primeira e a segunda
mensuração;
b) maturação: fatores inerentes aos sujeitos
experimentais, tais como o
envelhecimento, ficar com fome, cansaço etc;
c) testagem: envolve a aplicação de um
segundo teste durante a realização
de um experimento;
d) degenerescência dos instrumentos: os instrumentos
podem ficar
descalibrados ou perder a precisão, sem que o
experimentador se dê conta;
e) regressão estatística; tendência
de alguns indivíduos que apresentam
escores extremos em uma primeira testagem e de se aproximarem
dos
resultados da médiaem uma segunda mensuração;
f) tendenciosidade da seleção: quando os
grupos experimentais não são
alocados aos grupos através de procedimentos randômicos;
g) mortalidade: perda de indivíduos da amostra
entre a primeira e a segunda
mensuração.
IV. O que podemos concluir
Muitos psicólogos
insistem em críticar a investigação sistemática
em
psicologia a partir do argumento que definir variáveis
implicará
necessariamente em um esforço em "coisificar"
o ser humano. Argumentos
tais como, " as coisas é que são contadas"
, "cada pessoa é única e deve ter
a sua individualidade respeitada" são muito utilizados
por estes críticos.Esta
unidade do nosso curso procurou mostrar como estas
críticas são insensatas.
Ao se definir uma variável de estudo não
estamos necessariamnete
"coisificando" quem quer que seja, mas sim estamos
ajustando o nosso
sistema cognitivo para lidar com um mundo sujeito a mudanças
cotidianas.
Esse ajuste facilita a nossa vida pois permite uma reflexão
mais sistemática
acerca dos fatores influenciadores e daquilo que é
influenciado e sobre os
tipos de erros para os quais temos que nos preparar.
Afinal, chegamos a
um ponto em que a clareza é essencial e que devemos
abandonar os
obscurantismos e os jogos de palavras característicos
de muitas abordagens
psicológicas, substuindo-os pelo rigor e pela
sistematicidade.
Acreditamos que as bases conceituais
apresentadas até aqui já são suficientes
para o início da elaboração do ante-projeto
de pesquisa. É o que começaremos
a fazer na unidade IV do nosso
curso