Trabalho de Conclusão de Curso I

Aula 2 - Unidade 1

O que é a ciência, afinal ?

Começamos confusos e terminaremos confusos. Só que em um nível mais elevado.
Os vendedores, os charlatães, os replicantes, as engomadeiras e os padeiros
louvam a ciência. Claro que de vez em quando alguém se refere à bomba H, à
poluição ou aos grandes investimentos científicos feitos pelo Mossad para insinuar
um lado obscuro e insidioso da atividade científica. Mas quem iria trocar a
interpretação científica por uma interpretação sobrenatural a esta altura do
século XX ?
O que seria a ciência, afinal ? Por que insistimos em acredita que ela nos deixa
mais próximo à verdade ?

I. O indutivista ingênuo e a observação

A observação se refere sempre a condições singulares, ou seja, a um dado
evento que teria se manifestado em tal época e em tal lugar. O conhecimento
científico, ao contrário, assenta-se sempre em afirmações universais. Como uma
observação, singular pela sua própria natureza, poderia servir de suporte para
afirmações de caráter universal ?

Em que condições a generalização poderia ser considerada legítima ?

- O raciocínio indutivo: nada impede que se possa partir de uma lista finita de
proposições singulares para se chegar a uma lei universal.

- Legitimidade das generalizações
1. o número de proposições de observação que forma a base de uma generalização
deve ser grande;
2. as observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições; e
3. nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada.

- Princípio da indução: Se um grande número de As foi observado sob uma ampla
variedade de condições, e se todos esses As observados
possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As
têm a propriedade B.

- A explicação e previsão na concepção indutivista

- Os problemas com a indução :
- não é possível utilizar a indução para justificar a indução
- o que significa mesmo "grande número" ?
- o que caracteriza uma ampla variedade de circunstâncias ?

- Versão probabilística do princípio da indução: Se um grande número
de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos
esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então
todos os As têm a propriedade B.

- Como lidar com o problema da probabilidade zero ?
"A probabilidade de uma generalização universal ser verdadeira
é, desta forma, um número finito dividido por um número infinito,
que permanece zero por mais que o número finito de proposições de
observação, que constituem a evidência tenha crescido" (Chalmers,
p. 42)


II. A teoria como base para a observação

Contamos com uma série de indicacções que o ato de ver não é determinado
unicamente pelas imagens que atuam sobre a retina. As expectativas, os estados
internos do observador, os conhecimentos prévios e o grau de conhecimento
relativo ao objeto interferem diretamente na maneira pela qual percebemos.
Acrescente-se a isto o reconhecimento de que existe uma profunda diferença
entre a experiência perceptiva e o relato da mesma para que sejamos obrigados a
admitir que qualquer observação pressupõe uma teoria. De fato, as proposições
observacionais são moldadas a partir dos termos de uma teoria implícita ou
explicitamente adotada. Ora, se adotamos tal perspectiva, devemos reconhecer
que quanto mais firme e clara for os termos da teoria adotada, mais claros e
evidentes serão os relatos observacionais. Assim sendo, não podemos considerar
sustentável o argumento que as proposições observacionais servem de base para
se fundamentar o conhecimento científico.
Isto não significa, contudo, que devamos descartar ou destituir a importância da
observação no desenvolvimento da ciência. O que se afirma aqui é que a teoria deve
preceder a observação e que em última instância o papel dos relatos observacionais
seria o de testar uma dada teoria. Pensando assim, fica evidente que apenas os
dados pertinentes ao que se está estudando devem ser registrados

O contexto da descoberta e o contexto da justificação
A alternativa dos indutivistas para responder às críticas delineadas acima é a de
estabelecer uma clara diferença entre a lógica da investigação e a psicologia do
investigador. Por esta via, o indutivista recuaria um pouco e passaria a admitir que o
conhecimento científico não comecaria com a observação, evidentemente. Além disso,
o problema de como ocorrem as novas descobertas ou de como se constroem as teorias
fugiriam inteiramente do escopo da filosofia da ciência e seria absorvido pela disciplina
psicologia dos cientistas. Apesar deste recuo estratégico a posição indutivista continuaria
numa situação bastante difícil, principalmente se considerarmos que ela não apresenta
respostas convincentes para o argumento de que os relatos observacionais se encontram
inteiramente determinados pelos termos da teoria.

Alternativas ao indutivismo
Os autores vinculados a uma orientação denominada de falsificacionismo procuram
demonstrar as dificuldades do indutivismo, especialmente aquelas decorrentes da
admisão da primazia da observação sobre a teoria. Para os falsificacionistas, as teorias
deveriam ser concebidas como especulações criadas pelo espírito humano. Não seriam
nada além de conjecturas ou suposições elaboradas com a finalidade de superar os
problemas e dificuldades de outras teorias ou de fornecer uma interpretação mais
adequada do universo.
Apenas depois de enunciadas é que as teorias poderiam vir a ser submetidas a teste
pela observação e, principalmente, pela experimentação. As que não sobrevivessem ao
teste seriam descartadas e substituídas por novas especulações que seriam novamente
testadas e outra vez descartadas caso sucumbissem uma vez mais aos testes empíricos.
O progresso da ciência, a se considera esta interpretação, manifestar-se-ia por tentativa
e erro, ou nos termos propostos por Karl Popper, por conjecturas e refutações. Nenhuma
teoria seria definitivamente verdadeira, apenas ela poderia ser considerada melhor do que
outras disponiveis no momento.

Como as teorias podem ser falsificadas ?
Uma das premissas básicas do falsificacionismo é a de que as afirmações universais
podem ser falsificadas com base em deduções obtidas a partir de afirmações singulares
disponíveis. Eis o raciocínio dedutivo apresentado por Chalmers para demonstar este
princípio:

Premissa: Um corvo, que não era preto, foi observado no local x no momento y.
Conclusão: Nem todos os corvos são pretos.

Ora, de acordo com o exemplo, podemos admitir que a ciência deveria ser entendida
como um conjunto de hipóteses propostas com a finalidade de explicar um determinado
aspecto do universo. A questão é que nem todas hipóteses são iguais, uma vez que
algumas delas são testáveis, enquanto outros estão muito longe disso. A ciência
restringir-se-ia exclusivamente a considerar as hipóteses que poderiam ser testadas. Eis
o exemplo de algumas hipóteses testáveis e não testáveis:

Testável
Não-testável
Nunca chove em Juiz de Fora Está chovendo ou não está chovendo em JF
Todo solteirona deseja se casar Todos os solteiros não são casados

Observe que as hipóteses não-testáveis nada nos dizem sobre o mundo em que vivemos.
Pensando assim, para ser dotado de algum conteúdo informativo, a teoria deve ser
necessariamente falsificável e para isso ela tanto necessita ser clara naquilo que pretende
retratar, quanto precisa na indicação das condições em que o teste empírico pode ser
realizado. Para Popper, a ciência deveria ser entendida como um processo que envolve a
apresentação de hipóteses falsificáveis e a tentativa posterior de falsificá-las. Se um grande
número de teorias de uma determinada disciplina foi falsificada, isto indica que aquela área
do conhecimento encontra-se em período extraordinário de desenvolvimento.

Como ocorreria o progresso na ciência ?
De acordo com a concpção falsificacionista o progresso do conhecimento científico
poderia ser descrito nos seguintes termos:
1. a ciência começa com problemas a respeito de algum aspecto do universo;
2. os cientistas propõem hipóteses falsificáveis para solucionar o problema;
3. as hipóteses são testadas: algumas são elimindas, outras sobrevivem;
4. as hipóteses bem sucedidas são submetidas a novos testes, bem mais rigorosos;
5. surge então um novo problema, bem diferente do original;
6. novas hipóteses são apresentadas como soluções provisórias para este problema;
7. novos testes são planejados e executados;
8. as teorias que sobrevivem aos testes que falsificaram as anteriores podem ser
consideradas superiores às suas concorrentes.

Dificuldades do falsificacionismo
A concepção falsificacionista do conhecimento científico não está imunes a problemas.
Eis algumas destas dificuldades:
- Uma teoria científica pode ser considerada como um conjunto complexo de afirmações
universais e não apenas uma afirmação isolada tipo "Todos os cisnes são brancos". Isto
torna a situação de teste mais complexa que a concebida pelos falsificacionistas;
- Nenhuma teoria pode ser conclusivamente falsificada. Algum fator no planejamento do
teste pode escapar ao controle do investigador impedindo a falsificação da teoria;
- O modelo falsificacionista da ciência é incapaz de retratar com clareza a gênese e o desenvolvimento do conhecimento científico.

III. As posições racionalista e relativista
A diferenciação entre estas duas perspectivas relaciona-se diretamente com a
possibilidade de se estabelecer critérios capazes de fornecer uma avaliação adequada e
precisa das várias teorias rivais que predominam em uma dada área de estudos.
Para o racionalista, seja ele indutivista ou falsificacionista, este critério deve ser
universal e não-histórico. Pensando assim a diferença entre a boa e a má ciência pode
ser claramente estabelecida, desde que se admita que qualquer teoria científica deve se
circunscrever aos critérios universalmente aceitos.
O relativista, ao contrário, não aceita qualquer formulação que envolva considerações
universais e não-históricas. A verdade de uma teoria científica dependeria das circunstâncias
de época e de lugar nas quais ela está sendo avaliada. O que determinaria o conhecimento,
não seria busca da verdade em si, mas a procura daquilo que é importante naquela
circunstância específica. A crítica relativista ao conhecimento científico é ainda mais
extremada e atinge a própria nocão de que o conhecimento científico poderia ser
considerado superior às outras formas de conhecimento.

IV. O que podemos concluir ?
Em primeiro lugar, não podemos perder de vista o nosso objetivo, que é o de preparar
um anteprojeto que servirá de base para o monografia de conclusão de curso. Em princípio,
não existem restrições para este trabalho. Ele pode ser uma peça literária, pode ser até
mesmo um ato de fé religioso. Mas duvido que os membros da banca fiquem satisfeitos
com uma abordagem desta natureza. O meio acadêmico valoriza bastante o conhecimento
científico. Se o seu trabalho não tiver uma base científica, por mais frágil que ela seja,
provavelmente ele não será visto com bons olhos.
Contudo, você deve ter observado, com base nas discussões anteriores, que não temos
uma definição universalmente aceita de ciência e deve se perguntar, como um excelente
crítico que é, de que vale isto tudo, se nem mesmo aqueles que se dedicam diuturnamente
a este tipo de atividade tem clareza sobre o que seja o conhecimento científico. Se esta é
realmente uma questão grave, ela não nos exime do rigor e do cuidado nas nossas
formulações. Pensando assim, somos obrigados a reconhecer que as maiores críticas à
ciência são feitas pelos próprios cientistas. Esta correção interna de rumos, inerente à própria
condição de se fazer ciência, talvez seja a principal conclusão desta nossa discussão. Você
deve estar atento (a) todo o tempo para a qualidade do trabalho que irá apresentar. Isto
significa que está na hora de começar a se preocupar com a teoria com que irá trabalhar, em
formular a hipótese que orientará o seu trabalho e em encontrar as condições em que esta
hipótese poderá vir a ser testada. É verdade que teremos tempo para isto tudo, mas não
podemos nos esquecer que o primeiro passo já foi dado e que nos dias de hoje tudo anda
muito rápido.



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