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31/8/2000

BARRANCADA

Há dois ou três anos que é a mesma coisa: o fim da época balnear deixou de ser anunciado pelos comícios da rentrée, mas por uma estrondosa e ridícula barrancada. Tudo por causa dos toiros de morte em Barrancos.

Parece que é assim há dezenas de anos, lá e noutras povoações raianas menos mediatizadas, apesar de uma lei do tempo da ditadura que proíbe a morte de toiros na arena. De tal modo que os barranquenhos podem honestamente argumentar com a força da tradição.

Durante muito tempo o problema não se pôs, simplesmente porque não era notícia. Por esse motivo inúmeros governos escaparam ao ridículo, o mesmo que agora envolve o executivo de Guterres, nomeadamente os sucessivos ministros da administração interna.

Quiseram resolver o problema, descriminalizando os toiros de morte: com a lei actual, passa a ser uma simples contravenção, sujeita a coimas. A ideia até que era boa. Uma das razões porque a legislação anterior não era cumprida era exactamente a desproporcionalidade das penas: a ameaça de prisão pela morte de toiros em arena era ridícula, tão ridícula que provavelmente nunca foi aplicada.

Mas sabemos o que acontece às boas ideias nas mãos dos políticos: inevitavelmente transformam-se em asneira. Foi o que aconteceu. Estipularam-se multas pesadíssimas para a generalidade das situações e outras mais leves para as localidades onde "a tradição, etc. e tal"... Isto é, um regime excepcional, a pensar em Barrancos.

Ora, num estado unitário, como Portugal, não há lugar a excepções. O que o governo fez, nas sensatas palavras de um histórico do PSD (o Dr. António Maria Pereira, suponho), foi um aborto jurídico. "Cada roca com seu fuso, cada terra com seu uso". Se a moda pegasse, daqui a pouco andávamos todos à procura de tradições mais ou menos ancestrais, mais ou menos ininterruptas, para fazer lei. Ridículo!

Mas o ridículo não atinge apenas o governo PS. Outros governos anteriores permitiram que a lei fosse impunemente infringida em Barrancos, lembram-se? E a comunicação social também não passa incólume. Os toiros de morte em Barrancos não passam de um fait-divers de quinta categoria. Dar-lhe honras de primeira página (nos jornais e telejornais) é da exclusiva responsabilidade dos respectivos editores.

Em resumo: a morte de toiros na arena é punida com coimas aplicadas aos responsáveis individuais e colectivos; não tem sentido proibir uma festa popular pela simples suspeita de que esta ou aquela lei poderá ser violada; constatada a violação, as autoridades devem identificar os culpados e accionar os mecanismos legais. O que a comunicação social e outras entidades interessadas devem fazer é verificar se os procedimentos legais estão a ser cumpridos e fazer a denúncia pública do seu incumprimento, caso se venha a verificar. O resto é barrancada.

JORGE SANTOS