APOSCALIPSE 2000  
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31/1/2000

Descrédito da política

A desconfiança dos cidadãos face aos políticos é óbvia. Manifesta-se nas conversas de café, com excessos facilmente imagináveis. Se os intervenientes fossem levados a tribunal, ninguém os livraria da condenação. Manifesta-se nas campanhas eleitorais, onde o fastio é generalizado: aos comícios só comparecem os indefectíveis e na televisão o zaping é imediato. Manifesta-se por fim nas eleições, onde a abstenção vence, quase sempre, folgadamente o maior partido.

E na noite das eleições, qualquer eleição, é reconfortante assistir a uma dupla onde de unanimidade: 1º - toda a gente ganhou alguma coisa, o que, eufemisticamente, significa "alguém perdeu alguma coisa, mas não fui eu"; 2º - todos manifestam, compungidamente, preocupação com os elevados níveis de abstenção. Nem a certeza, nem a inquietação resistem a uma noite de sono.

A verdade é que é impossível descortinar, nos partidos e na maioria dos políticos, uma convicção firme ou um mínimo de coerência. A impressão que temos é que, uns e outros, se limitam a praticar "navegação à vista". Ora, acompanhar os ventos e as correntes é, seguramente, uma boa receita para sobreviver no mar encapelado e traiçoeiro da política, mas não é a estratégia adequada para tentar dirigir uma sociedade num rumo seguro para um objectivo previamente definido.

Políticos e estadistas

É aqui que está o problema fundamental da política actual — portuguesa e não só! Fazer política não é, melhor, não deveria ser, gerir habilidosamente os conflitos que vão surgindo, para os dissolver ou amenizar, no caso do governo, para os explorar, no caso da oposição. Fazer política é, ou deveria ser, definir com clareza metas a atingir pela sociedade a que pertencemos, avaliar os recursos de que dispomos e as circunstâncias que nos envolvem, e em função disso definir a melhor rota para os alcançar.

Naturalmente, nem todos estão aptos a agir politicamente a este nível. Também aqui temos que reconhecer a existência de gigantes e pigmeus. É preciso ser gigante para enxergar longe. É preciso ser gigante para esperar serenamente pela colheita, sabendo que os sacrifícios de hoje são duros mas serão frutuosos. Já os pigmeus vêem apenas aquilo que está ao alcance da mão. Os gigantes são estadistas, os pigmeus, políticos. Ora, políticos vêmo-los todos os dias; mas os estadistas, onde estão?

JORGE SANTOS