APOSCALIPSE 2000  
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10/8/2000

O
Mistério
das
provas
globais

por
JORGE SANTOS

O caso é público. Em duas escolas secundárias mais de duas centenas de alunos faltaram às provas globais do 10º e 11º anos, alegando cansaço e stress, comprovados com atestados médicos.

Para estes casos a lei prevê uma de duas soluções: marcação excepcional de uma nova prova ou conversão da nota de frequência do terceiro período em nota final.

Obviamente, os alunos faltosos e os respectivos encarregados de educação pretendiam que fosse adoptada a segunda solução. A vantagem era evidente: por um lado, subtraíam-se a uma série de provas desgastantes; por outro, evitavam a possibilidade de baixarem as respectivas médias, um risco sempre presente em qualquer teste.

No entanto, os conselhos executivos inquietaram-se com o número anormalmente elevado de atestados e alertaram os superiores hierárquicos.

Foi decidido convocar os alunos para novas provas, conforme previsto na legislação. Os alunos reincidiram na falta, alegando os mesmos motivos. Terceira chamada, igual resultado. A Secretária de Estado decide autorizar uma última chamada a realizar em Setembro. Os pais indignam-se e alegam aos ventos discriminação.

Entendamo-nos. A legislação é vaga e as medidas tomadas pelo ministério excepcionais e, por isso mesmo, discutíveis. Isto é, do ponto de vista legal, o conflito, se se mantiver para além de Setembro, deverá ser solucionado por via judicial.

Mas do ponto de vista moral, não tenho dúvidas. Os alunos faltosos e os respectivos encarregados de educação não têm razão. A doença diagnosticada, ("cansaço"), não me parece impeditiva da prestação de provas. O mesmo "cansaço" afectava seguramente a maioria dos alunos que se submeteram a elas, naquela e nas demais escolas; do mesmo "cansaço" sofriam os professores que aplicaram e corrigiram as provas, bem como os auxiliares educativos que possibilitaram a sua aplicação. "Cansaço", afinal, é o que toda a gente sente depois de um ano de trabalho.

No dia em que o "cansaço" for justificação suficiente para não cumprirmos as nossas obrigações, vamos todos para banhos e fechamos o país.

Provavelmente, a verdade é outra, de todos conhecida. Muitas das notas atribuídas pelos professores são inflacionadas e não correspondem a conhecimentos e competências reais.

Frequentemente, alguns alunos com classificações elevadas têm maus resultados nas provas globais e nos exames nacionais. Quando isso acontece (e acontece vezes demais), as médias descem e o acesso aos cursos superiores ambicionados (medicinas e quejandos) fica comprometido.

Estes alunos e estes encarregados de educação, provavelmente com a ajuda de alguns agentes educativos, pensaram, talvez, ter encontrado a galinha dos ovos de ouro. Não duvido que outros, em outras escolas, tenham recorrido ao mesmo subterfúgio. Mas neste caso houve de facto uma epidemia, só que de esperteza saloia. Foram muitos a ter a mesma brilhante ideia e foi isso que obrigou a medidas excepcionais.

Espero que o ministério mantenha a sua decisão até ao fim, para que algumas pessoas percebam que nem sempre a esperteza compensa. Porque todos os outros que se sujeitaram às provas têm o direito de exigir igualdade de tratamento, sob pena de serem gravemente prejudicados.

E a argumentação apresentada pelos pais é simplesmente despudorada. O recurso a atestados para fugir às obrigações é uma instituição nacional, tal como a "cunha", dizem alguns; a resistência oferecida neste caso é, portanto, uma discriminação inaceitável. Em outras escolas, outros alunos teriam justificado faltas às provas globais com atestados médicos, sem reacção do ministério, nem investigação da Ordem dos Médicos; ou se investigam todos, ou não se investiga nenhum. Impressionante!

Esses argumentos podem ser apresentados do seguinte modo: tal como os touros de morte em Barrancos, os atestados fraudulentos são uma tradição contra a qual nada podem a lei e a justiça; se outros atropelam a justiça e a lei e nada lhes acontece, nós podemos fazer o mesmo.

E há médicos e advogados a defender semelhantes aberrações!