APOSCALIPSE 2000  
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10-02-2001

 

Reforma curricular:
aulas de 90 minutos
e algumas coisas mais.

JORGE SANTOS

No passado dia 8, os estudantes do secundário saíram à rua em todo o país, declaradamente, para protestarem contra a reforma curricular que o governo está a preparar há anos. Uma reforma que, obviamente, não conhecem, como a não conhece a maioria dos professores e a quase generalidade dos encarregados de educação.

Deficiência de informação por parte do ministério, mas, principalmente, profundo desinteresse por parte da "comunidade educativa". Essa apatia generalizada nasce do cansaço e do descrédito. Desde o tempo de Veiga Simão (Estou a falar do ministro da educação de Marcelo Caetano, vejam lá!) que se fala da necessidade de adequar o ensino às novas realidades e se têm feito sucessivas reformas e reformas das reformas. Com os resultados que se sabem.

Saga semelhante têm sofrido, aliás, os demais serviços públicos: lembro a saúde, a justiça, o sistema fiscal, a previdência social, a administração pública... Todos esses sectores têm sofrido sucessivas alterações , ou promessas de alterações, e a sensação que temos é que tudo fica sempre na mesma. Depois destes anos todos é natural que o descrédito e a apatia se tenham instalado.

Voltando ao ponto, que retém o cidadão comum da reforma educativa actualmente na calha? — As aulas de 90 minutos!

Confesso que não tenho ainda, sobre essa alteração, uma posição definitiva. É possível apresentar argumentos a favor e contra. Do mesmo modo que é possível inventariar vantagens e desvantagens para a tradicional unidade lectiva de 50 minutos.

Suponho que a opção por esta unidade de tempo, que reina no ensino pós-primário desde sempre ("sempre", aqui, significa até onde a minha memória directa e indirecta alcança), não obedeceu a nenhum critério psicológico ou pedagógico consistente, mas apenas a um critério de comodidade organizativa. Com ela é relativamente fácil gerir os tempos e espaços escolares, problema que se coloca sempre que a turma está sujeita a disciplinas diferenciadas entregues a diferentes docentes. E como se sabe esse problema nunca se pôs no "ensino primário".

E o que aconteceu foi que a prática educativa se foi adaptando, de forma mais ou menos eficaz, a esse constrangimento temporal. Se agora for implantada a unidade de 45/90 minutos, os professores terão que adequar as suas práticas a essa nova realidade. Pode ser desconfortável, mas não é o fim do mundo. Nem resolve por si só os problemas do ensino.

Quando os alunos saem à rua, protestando contra as aulas de 90minutos, fazem-no convictamente, porque transpõem a sua experiência das aulas actuais para as futuras aulas de 90 minutos.

Caso houvesse essa transposição linear, as aulas tornar-se-iam insuportáveis, para os alunos, mas também para os professores. Inevitavelmente, os docentes terão que optar por estratégias pedagógicas menos expositivas e mais activas, o que só poderá trazer vantagens, visto que só se aprende verdadeiramente quando se começa a fazer as coisas. Ouvir e ler é importante, mas é apenas uma parte da aprendizagem. É preciso igualmente falar, escrever, fazer.

Esse esforço de adaptação será mais difícil para os professores do que para os alunos. É mesmo possível que alguns deles já não tenham a força anímica necessária para proceder a essa mudança tão profunda de hábitos. O que coloca outras questões que tardam em ser resolvidas, como seja o exercício de funções de interesse pedagógico, mas não directamente lectivas, sem perda de estatuto. estou a pensar, por exemplo, que as bibliotecas escolares não passam hoje de depósitos poeirentos de livros inúteis; que as mediatecas e centros de recursos são meras ficções; que a internet continua desaproveitada; que o acompanhamento pedagógico e afectivo dos jovens esbarra em constrangimentos inultrapassáveis; e tantas outras limitações que ajudam a compreender melhor porque é que a escola cumpre tão mal o seu objectivo.