ILHA GRANDE FICA "PEQUENA" NO VERÃO


Com este título, matéria veiculada no Jornal O Globo de 25 de Maio de 1997, chama atenção para o grande número de turistas que buscam a Ilha Grande - RJ no verão. Este fluxo de visitantes causa um impacto maior do que a ilha tem condições de absorver. O plano diretor de turismo de Angra dos Reis, elaborado com recursos do Banco Mundial, propõe a desativação da linha de barcas da CONERJ que liga - regularmente - Mangaratiba à enseada do Abraão na Ilha Grande, mas que está fora de operação desde julho de 1996, devido a obras de reforma no cais de Mangaratiba. Existem correntes que são contra e que são à favor de tal medida.

 A matéria demonstra um evidente conflito de interesses e de competência:

A CONERJ (Cia. de Navegação do Rio de Janeiro) empresa estatal em vias de privatização, serve a população com transporte marítimo, do continente para a enseada do Abraão (Ilha Grande), com saídas de Mangaratiba e Angra dos Reis. Tanto a ligação Mangaratiba-Abraão como Angra-Abraão, já tradicionais, servem à população insular como aos visitantes que se dirigem à Ilha. A ligação Mangaratiba-Abraão, por ser uma localidade mais próxima à região metropolitana do Rio de Janeiro, recebe uma quantidade maior de usuários.

O transporte público seja qual for, in casu, o transporte marítimo, é competência exclusiva da União, que pode explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão (Constituição Federal - Art. 21, XII "d"). Por ser uma atividade de notável função social, pouco provável nos parece, que a ingerência de um município seja capaz de restringir ou mesmo impedir tal atividade;

 A prefeitura de Angra dos Reis alega que o fluxo de visitantes de baixa renda é muito grande no verão e que a ilha não suporta tal carga. Este mesmo fluxo não gera receitas para a ilha, uma vez que os visitantes trazem consigo comidas e bebidas. Além disso, recebe a ilha todo impacto desta visitação, e a prefeitura recebe o ônus de manejar os impactos, como por exemplo, o lixo, os dejetos sanitários, etc;

 A prefeitura de Mangaratiba por sua vez, defende o que é melhor para seu município. É inegável, que tamanho fluxo de pessoas pelo município gere alguma receita importante. A quebra deste fluxo, como já se observa pela inoperância do terminal, reflete negativamente na economia do município;

 A população (usuária) por sua vez, não pode ser privada deste meio de transporte e o lazer que ele permite.

 É do nosso entendimento os seguintes aspectos:

 1 - A Ilha Grande, do ponto de vista turístico, é um dos maiores patrimônios do estado do Rio de Janeiro: poucos destinos reúnem praia, montanhas, cachoeiras e floresta em um único ambiente insular.

 2 - A Ilha Grande abriga em seu território, o Parque Estadual da Ilha Grande, unidade de conservação estadual, gerenciada pelo Instituto Estadual de Florestas, além de outras duas unidades de conservação. A necessidade de preservação dos ecossistemas da ilha - sobretudo a mata atlântica (protegida pela C.F.) - é evidente, e se traduz pelas três U.C.'s em seus 193 km2.

 3 - Com uma população de 5.000 habitantes (26 habitantes por km2) e uma infra-estrutura turística razoável (1200 leitos), a Ilha consolida-se como destino essencialmente ecoturístico e de qualidade.

 Possuir atributos turísticos e infra-estrutura sem receber visitantes não faz sentido. Portanto, é do melhor entendimento, que o fluxo de visitantes deva ser estimulado. Para tal, a linha da CONERJ ligando Mangaratiba - Abraão deve ser preservada.

Como forma de sanar o virtual conflito, pode a prefeitura de Angra dos Reis, salvo estudo mais aprofundado no campo tributário-constitucional, cobrar um pedágio (ou taxa) pela utilização do cais do Abraão, desde que o mesmo seja de competência e mantido pela prefeitura de Angra, conforme preceitua o artigo 150, V da Constituição Federal. Tal pedágio poderia ser cobrado embutido na passagem cobrada pela CONERJ, nas linhas Mangaratiba - Abraão e Angra - Abrão e, repassada para a municipalidade de Angra dos Reis através de convênio devidademente formalizado.

Com a receita deste pedágio (taxa), o município de Angra dos Reis pode fazer frente às despesas causadas pela excessiva visitação no verão, na tentativa de minimizar os impactos negativos. Ressalta-se que tal taxa pode ser diferenciada, sendo no verão (alta temporada) mais cara, e, no inverno (baixa temporada), mais barata, ou até, inexistente.

 Como ilustração, apresentamos um caso semelhante, que ocorre com a Estrada de Ferro Corcovado - ESFECO S.A. - que explora os trens que ligam o Cosme Velho ao Corcovado na cidade do Rio de Janeiro, e que repassam ao IBAMA, 11% dos R$15.00 cobrados por cada passageiro transportado, pelo simples fato de atravessarem parte do Parque Nacional da Tijuca. No entanto, este repasse, bem como qualquer taxa paga para ingressar numa Unidade de Conservação federal, vai para o caixa único do órgão, e o retorno para a unidade de conservação não é proporcional. Desta forma, algumas unidades mais intensamente visitadas estariam cooperando na sustentação de outras unidades menos visitadas. Isto em tese.

No caso da Ilha Grande, a taxa sugerida, não se trata de taxa de ingresso em unidade de conservação, mas sim, pela utilização de um terminal de passageiros. As rodoviárias de qualquer cidade, cobram uma taxa de utilização de seu terminal. No caso da Ilha Grande, o cais onde atraca a barca é de competência da Capitania do Portos (Marinha) e funciona atualmente de forma precária, sem previsão de reforma. Seria necessário a transferência por parte da União para o município de Angra dos Reis, da competência da administração e manutenção do referido cais.

É importante que não se entenda o conflito como forma de prejudicar ou beneficiar este ou aquele município, esta ou aquela empresa, esta ou aquela atividade. O que se busca é, como princípios do desenvolvimento sustentável, e pré-requisito da atividade ecoturística, que o meio ambiente não seja degradado e que a população da área em questão seja a maior beneficiária ou a menos prejudicada diante de qualquer iniciativa e projeto. Sendo possivel compatibilizar estes princípios acima, tudo indica que a ligação de barco Mangaratiba-Abraão, com uma tarifa ligeiramente mais cara, possa gerar os recursos necessários para equipar a ilha com melhores condições de recepcionar visitantes, sem que a nova tarifação da barca possa causar prejuízo aos usuários tradicionais, e o que parece problema, pode tornar-se solução.

 
Evandro Sathler - Junho - 1997

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