O Brasil, sem sombra de dúvidas, é um dos maiores santuários ecológicos do planeta. A biodiversidade aqui encontrada desperta o interesse da comunidade científica mundial.
À parte da Amazônia e do Pantanal, que são ecossistemas que extrapolam as fronteiras brasileiras, o estado de Minas Gerais tem destaque garantido neste cenário ambiental. Em Minas nascem vários rios federais: São Francisco, Doce, Jequitinhonha, entre outros. E é no município do Serro que nascem os rios Jequitinhonha e Doce. Este fato garante ao município uma posição de vanguarda no gerenciamento dos recursos hídricos, após a sanção da Lei 9.433 de 8 de Janeiro de 1997 que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos.
O município do Serro é coberto por vegetação típica do cerrado de altitude no quadrante Norte/Oeste e por vegetação típica de Mata Atlântica no restante do município. A vegetação do cerrado de altitude é caracterizada especialmente por arvoredos, campos e plantas rupestres. As matas ciliares (ao longo de córregos e riachos) são menos densas. A Mata Atlântica por sua vez, possui em torno de 200 espécies vegetais por hectare, é mais densa, com árvores de maior porte e presença de sub-bosques. A mudança da vegetação e da geografia é notável, à medida que se cruza a serra da Bocaina, entre Serro e a localidade de Três Barras. A serra da Bocaina divide as bacias do Jequitinhonha e Doce.
Cada ano que passa os ciclos de chuva e estiagem parecem desequilibrados. Ou chove mais do que normalmente, ou a seca é mais prolongada. O grande vilão da seca não é apenas a falta de chuvas mas a falta de vegetação para reter no solo a água da chuva. A supressão da vegetação (desmatamento) e as queimadas comprometem o equilíbrio do ciclo das águas. A cobertura vegetal é parcialmente responsável pelo equilíbrio das chuvas e regula o micro-clima da região. A cobertura vegetal é uma das principais responsáveis pela infiltração das chuvas no solo. À medida que vai desaparecendo a vegetação, o solo torna-se impermeável, dificultando o caminho natural das águas rumo ao lençol freático, que desabastecido, afeta os mananciais.
Há algum tempo a FUNIVALE (Assoc. Pró-FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA VALE DO JEQUITINHONHA, sediada em São Gonçalo do Rio das Pedras - Serro - MG) vem provocando a discussão sobre a necessidade de criar uma ou mais Unidades de Conservação (U.C's) no município do Serro, visando naturalmente, a proteção de ecossistemas e recursos hídricos de importância nacional.
Inicialmente a idéia era criar uma A.P.A. (Área de Proteção Ambiental) Municipal no entorno da Serra do Raio. Esta unidade contemplaria a proteção das nascentes dos rios Jequitinhonha e seus tributários, os rios Capivari, Lajeado e Rio das Pedras. A criação de uma A.P.A. é relativamente simples, conforme prescreve a Lei 6.902/81, regulamentada pelo Decreto 99.274/90. O Poder Executivo, em qualquer instância, quando houver relevante interesse público, poderá declarar determinadas áreas do território nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais.
Uma das grandes vantagens das A.P.A.'s é o fato de não ser necessário qualquer desapropriação. Os proprietários das áreas declaradas A.P.A.'s, ficam apenas limitados a determinados usos. No caso de cabeceiras de rios, já são protegidas expressamente pelo Código Florestal. A questão fundiária é um dos maiores entraves à implantação de U.C.'s, especialmente os Parques, pois via de regra a União e as Unidades Federativas não dispõe de recursos para desapropriação.
Pelo S.N.U.C. (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) ora tramitando no Congresso Nacional, a iniciativa privada, ONG's e o próprio Poder Público poderão m estabelecer convênios e parcerias para o gerenciamento destas U. C.'s, o que facilitará sua real implantação e cumprimento de sua função, qual seja, proteção de ecossistemas sem o impedimento de sua utilização sustentada por seus proprietários. No caso da Serra do Raio, é necessário um projeto de recuperação da vegetação nas cabeceiras dos rios do entrono, incentivando atividades agro-silvícolas sustentadas, ao mesmo tempo estimulando o ecoturismo na área, à partir de São Gonçalo e Milho Verde. O ante-projeto de criação desta Unidade contava com a simpatia do então Prefeito José Monteiro e o Legislativo Municipal indicava, através de alguns representantes, apoio integral à idéia.
O ante-projeto chegou a ser enviado para alguns parceiros na Europa afim de viabilizar recursos financeiros. Independentemente de qualquer U.C., a FUNIVALE busca recursos para a implantação do PROJETO BERÇO DA FLORA, que prevê a produção de mudas de essências nativas da Serra do Espinhaço para recuperação de áreas degradadas, formação de bosques de frutíferas e bosques para manejo de lenha, e que ora está sendo englobado pelo PROJETO TERRA MÃE, em andamento no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras. Este projeto conta com a parceria técnica da EMATER (Serro - MG), tendo sido concebido para funcionar como atividade extra-classe da Escola Estadual Mestre Virgínia Reis de São Gonçalo do Rio das Pedras. Seus alunos aprenderão como produzir alimentos saudáveis e de baixo custo. O TERRA MÃE já vem produzindo hortaliças de excelente qualidade pelo sistema biodinâmico (sem uso de agro-tóxicos), produção esta inicialmente destinada à escola e creche comunitária.
Estamos acompanhando a louvável mobilização do I.E.F. (Instituto Estadual de Florestas) que em tempo retoma os estudos de viabilidade para a criação de uma Unidade de Conservação no Pico do Itambé, que não é uma idéia recente, mas vem tomando fôlego a cada dia. Esta iniciativa encontra grande receptividade entre a população dos vários municípios do entrono do Pico, ainda que a motivação principal, aparentemente, seja a busca por uma fatia maior do bolo do ICM, motivado pela Lei Robin Hood.
No entanto, a criação de Unidades de Conservação não garante a proteção ao meio ambiente desejada mas apenas contribui para minimizar alguns impactos causados pela atividade antrópica. Existe uma grande quantidade de Unidades de Conservação no Brasil que só existem basicamente no papel, o que não é suficiente para impedir a degradação de seus sistemas. É preocupante, por exemplo, a atuação da "Máfia da Candeia", que vem extraindo milhares de moirões de Candeia (Gochnatia Polymorpha) nas cabeceiras do rio Jequitinhonha, próximo ao distrito de Capivari, ao arrepio da lei.
Esta atividade é do conhecimento das autoridades. Várias denúncias foram encaminhadas, desde o Batalhão de Polícia Florestal em Diamantina, I.E.F.-MG, IBAMA, até no Congresso Nacional através do Deputado Fernando Gabeira - PV-RJ, além da campanha S.O.S. JEQUITINHONHA deflagrada pela INTERNET. Quem representará ao Ministério Público, exigindo a abertura de Inquérito Civil Público e posteriormente Ação Civil Pública em face de todos aqueles que vem se omitindo diante deste ecossídio? Quem provocará a autoridade policial para efetivamente dar fim a esta barbaridade ambiental? Se quem tem o conhecimento e o "poder da caneta" na mão não o faz, que dirá o peão isolado na roça.
Cremos que a conscientização para as questões ambientais cresce à medida que se observa um córrego secando, uma cratera no pasto causada pela erosão descontrolada, pelo desaparecimento de pássaros que alegravam nossas tardes com seu canto. Cremos na iniciativa individual e coletiva, na cobrança às autoridades do cumprimento das leis de proteção ao meio ambiente. De outra forma, o Parque (ou Reserva) do Pico do Itambé será apenas mais uma Unidade agonizando na incapacidade, incompetência, omissão e hipocrisia de nossa sociedade, especialista em aguardar milagres divinos, ou esperar que alguém apareça com as soluções prontas e acabadas. Como diria o falecido Raul Seixas, "é sempre mais fácil achar que a culpa é dos outros".
Evandro B. Sathler é do Conselho Deliberativo da FUNIVALE; Diretor
de Marketing da THE QUEST - Ecoturismo & Aventura - Niterói
- RJ; e graduando em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira - Niterói
- RJ