Os dípteros terrestres mais importantes são as espécies de moscas que estão intimamente associadas às atividades humanas (sinantrópicas). Os substratos de desenvolvimento de suas formas imaturas variam, desde lixo orgânico nas áreas urbana e rural, até aqueles criados por práticas agriculturais, especialmente as relacionadas com o manejo e cuidado dos animais domésticos. O grau de relacionamento com os humanos varia consideravelmente, dependendo da ecologia e comportamento da espécie de mosca envolvida. Pode-se distinguir grupos de moscas eussinantrópicas, hemissinantrópicas e simbovinas. Entre as eussinantrópicas são reconhecidas formas endófilas e exófilas. As endófilas são dependentes da ecologia humana (antropobiocenose), microclimática e troficamente, e são incapazes, em ambientes remotos, de aumentar numericamente, nunca atingindo populações grandes, longe das atividades humanas. Algumas espécies, incluindo a Musca domestica L.., Stomoxys calcitrans (L.) (mosca dos estábulos) e Drosophila spp, provavelmente não poderiam existir ocupando suas amplas distribuições atuais na ausência dos humanos ou de nossa agricultura. As formas exófilas, apesar de também estarem associadas ao ambiente e à ecologia humana, não necessitam da habitação humana para sua persistência. Algumas espécies de Fania e Phaenicia são exemplos. Moscas hemissinantrópicas, tais como algumas espécies Calliphoridae (Phaenicia spp, Cochliomyia spp, Chrysornya spp) podem existir na ausência do ambiente humano, porém sua abundância sempre é aumentada pela atividade humana. As densidades das populações de moscas simbovinas que estão associadas às excreções de ruminantes são proporcionais à abundância numérica dos rebanhos produtores desses excrementos. Estão incluídas nesse grupo a forma estabulada (associada às atividades de criação confinada e semiconfinada) e a pastoril (associada aos ruminantes mantidos exclusivamente com forrageamento de gramíneas). Várias espécies de Muscidae e outras famílias de dípteros acaliptrados (Sepsidae, Sphaeroseridae etc.) se enquadram nessa categoria. ESPÉCIES EUSSINANTRÓPICAS A Musca domestica é a espécie mais importante, pois além de ser extremamente bem adaptada ao ambiente antrópico, é bastante incômoda e pode transmitir mais de uma centena de organismos patogênicos (vírus, bactérias, protozoários, helmintos) para o homem e animais domésticos, tendo sido recentemente incriminada como potencial veiculadora da bactéria Helicobacter pyIori, causadora da úlcera duodenal e de câncer). STATUS SUB-ESPECÍFICO DA MUSCA DOMESTICA O complexo Musca domestica inclui várias clinas e tipos morfológicos e cromáticos; entretanto, duas subespécies afrotropicais, que exibem diferenças morfológicas, ecológicas, comportamentais e genéticas são reconhecidas (calleva WALKER e curviforceps SACCÀ & RIVOSECCHI). Recentemente, Musca domestica calleva foi encontrada na Turquia, única localidade fora da África ao sul do Sahara. A forma australiana, terrareginae, tem sido considerada como espécie distinta, porém, novos estudos poderão mostrar que ela também não passa de mais uma variação clinal de Musca domestica domestica. Assim, no novo mundo só ocorre a subespécie tipo, Musca domestica domestica L. que, conforme já foi dito, inclui diversas formas clinais ao longo dos gradientes de longitude e de altitude. CONTROLE: EFICÁCIA DA CYROMAZINE SOBRE M. DOMESTICA Apesar de ser inexorável, o aparecimento da resistência pode ser detectado e documentado, e o seu desenvolvimento perfeitamente manejado. Infelizmente, no Brasil ainda não houve sensibilidade dos técnicos e produtores quanto à importância desses procedimentos. Como exemplo do que é possível fazer, vale a pena citar o caso da cyromazine (Larvadex, CibaGeigy/Novartis) empregado no controle de moscas domésticas, especialmente em granjas de galinhas poedeiras. É um dos chamados reguladores de desenvolvimento dos insetos (IGR), derivado de inseticidas azidotriazínicos, com atividade larvicida contra várias espécies de moscas; foi registrado como spray para prevenir bicheiras dos ovinos na Austrália e África do Sul, como "feedtrough" (em pre-mix) para granjas avícolas em todos os Estados da América do Norte (EUA) e no Brasil, e somente como spray na Dinamarca. Seu modo de ação não é conhecido. Nos países onde a cyromazine foi liberada para uso como "feedtrough", o aparecimento da resistência se deu entre 2 e 5 anos, enquanto que na Dinamarca, estudos recentes indicam alta susceptibilidade das populações de M. domestica. No Brasil, estudos de detecção e documentação da resistência, feitos em nosso laboratório com moscas de granjas avícolas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, demonstraram que, após mais ou menos 6 anos de uso como "feedtrough", desenvolve-se a resistência. Entretanto, também foi detectada grande susceptibilidade em várias populações de M. domestica de Monte-Mor, Botucatu, Itupeva, Pirassununga, Moji das Cruzes, Moji Guaçu (São Paulo) e Petrópolis (Rio de Janeiro). Mediante o manejo adequado das populações sensíveis e resistentes heterozigotas, podemos diluir e postergar o desenvolvimento da resistência, prolongando desse modo o uso dessa droga ainda eficiente e seletiva no controle de moscas domésticas. Devemos ressaltar que as populações acima citadas são mais sensíveis que a população padrão da Organização Mundial da Saúde. Ângelo
Pires do Prado
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