Luís Vaz de Camões

«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

muda-se o ser, 
muda-se a confiança

todo o mundo 
é composto de mudança

tomando sempre
mais qualidade» 
 O  Teletrabalho  
no Mundo Empresarial 

Deverá ter sido uma uma mudança e pêras, a causada pela Revolução Industrial (RI), quando esta se iniciou na Grã-Bretanha, na segunda metade do século XVIII. Num relativamente curto espaço de tempo, a tradicional economia agrária foi substituída por uma outra, dominada pela maquinaria e pela manufactura, tornada possível graças aos muitos avanços técnicos verificados na época, tais como a máquina a vapor. Não demorou muito que o mundo acolhesse tais mudanças. A partir de 1830 e até ao início do século XX, revela-nos a História, a RI espalhou-se por toda a Europa, EUA, Japão e pelas diversas colónias imperiais.  

Seja como for, toda esta conjuntura fez oscilar o poder político do proprietário de terras para o capitalista industrial, criando uma classe traba-lhadora urbana, que passou a morar em bairros, na periferia das cidades. Os trabalhadores, fugidos dos campos, aglomeravam-se aos mi-lhares num único local para produzir, horas a fio.  

Alguns baldes mais tarde…  
Duzentos anos depois, eis-nos a viver uma outra revolução, a que muitos apelidam de Digital, graças às profundas alterações causadas pelos avanços tecnológicos, sobretudo no campo das telecomunicações e informática. A Internet, surgida em 1969, mas que só adquiriu visibilidade desde 1994, ameaça apanhar-nos a todos na sua teia global, a caminho de uma economia que será tudo menos industrial.   

No entanto, ainda temos que nos ver a braços com a economia capitalista da RI, ao passo que a nova Sociedade de Informação emerge, e com ela uma nova consciencialização de que a globalização da economia e a crescente competitividade são uma realidade, ao passo que os factores tempo e espaço já não contam graças à evolução das tecnologias da informação e comunicação. Ao mesmo tempo damo-nos conta de que as condições de trabalho nos centros urbanos estão a degradar-se, que precisamos de nos preocupar com o meio ambiente e que todos nós ambicionamos uma melhoria significativa da qualidade de vida. No fundo, um regresso às origens e à vida que se viveu durante alguns milhares de anos antes da RI.  

Ora, é aqui que o teletrabalho poderá ter alguma coisa a dizer. A tempo inteiro ou parcial, já não é o trabalhador que vai ter com o trabalho, mas o trabalho que se aproxima do trabalhador. Teletrabalhadores é como se designa aqueles que, fazendo uso da tecnologia e lidando com a informação, substituem, total ou parcialmente, o tradicional local de trabalho. E já não são tão poucos quanto isso a fazê-lo. «O teletrabalho poderá movimentar já no início do próximo século qualquer coisa como 33,4 milhões de dólares com 12 milhões de “teletrabalhadores”». Isto significa que terão de existir empresas que apostem nesta forma de trabalhar. O que ganham elas com isso?  

As empresas e o teletrabalho  
Há muito que o telefone, o fax e os computadores entraram nas empresas, levando-nos a fazer um balanço positivo e a poder dizer que as tecnologias da informação tornam as empresas mais lucrativas, mesmo apesar dos avultados investimentos que, quase sempre, se têm de fazer, quer em termos de formação de recursos humanos, quer nos próprios equipamentos. Possivelmente, a Internet possibilitará ainda mais essas poupanças.Quando se pensa em teletrabalho, pensa-se imediatamente na Internet. Mas isso não é inteiramente verdade. «Obviamente que se pode telecomputar sem a Internet, mas a disponibilidade universal da Net torna-a fácil e barata. A mera presença da Net também concentrou a mente colectiva das empresas na telecomputação como ferramenta para ganhar terreno na competição. A economia segue este caminho apesar de uma surpreendente oposição.»  

Era precisamente aqui que pretendiamos chegar: a oposição e os obstáculos à concretização do teletrabalho no meio empresarial.Se, «segundo um estudo da British Telecom, uma companhia em Londres com 100 teletrabalhadores economizaria por ano cerca de meio milhão de contos com as mais diversas reduções de despesas», não se compreende a oposição dos empresários perante os resultados de produtividade óbvios. «A BT [British Telecom] investigou 250 empresas britânicas e descobriu um aumento geral na produtividade de 45% — um resultado espantoso que se repete por todo o mundo.» Vejamos donde provêm os obstáculos à implantação do teletrabalho nas empresas. 

Quando a cabeça não tem juízo 
Um estudo realizado sobre esta temática do teletrabalho revela que muitos dos obstáculos «residem na cabeça dos empresários — na maioria dos casos apurados — outros nos receios dos trabalhadores e dos sindicatos. O maior impedimento vem da parte dos decisores, que “não se sentem suficientemente informados sobre as modalidades de planeamento e de organização de actividades em regime de teletrabalho”, rezam as conclusões do relatório. Os outros três mais citados foram as dificuldades de gestão e de supervisão de uma rede de teletrabalho, os problemas previsíveis em matéria, de organização das comunicações dentro deste esquema e os investimentos em material informático e serviços de telecomunicações que isso exigiria em novos investimentos.» 

Uma das conclusões mais impressionantes prendem-se com o facto de não serem os trabalhadores aqueles que mais se opõem. «Estranhamente, não são os trabalhadores que se sentem mais ameaçados pela telecomputação e sim os patrões. Uma investigação das opiniões sobre o teletrabalho em 1986, revelou que apenas 15% dos indivíduos achavam a ideia interessante. Em 1996, o estudo — Teletrabalho, Potencial e Prática — descobriu que a proporção tinha aumentado para 40%», devido, segundo David Barry do Teleworking Special Interest Group, à cobertura dos media sobre a Internet, sendo que esta é útil devido ao baixo custo (questão relativa…), flexibilidade e facilidade de trocar e-mail. Analisemos então, uma a uma, as barreiras erigidas como desculpa para não se concretizarem as mudanças requeridas. 

Dissipar dúvidas 
Uma das razões apontadas foi, relembremos, o facto de muitos empresários não se sentirem «suficientemente informados sobre as modalidades de planeamento e de organização de actividades em regime de teletrabalho». Ora, todo este fenómeno é recente, é verdade, mas o facto de existirem empresas com experiências de teletrabalho com sucesso é prova de que isso não é um impedimento. Em grande parte, a empresa tem de apostar numa reorganização de processos de trabalho. Nisso mesmo acredita Pedro Dionísio, presidente da Tracy International e do Consórcio Tracy & Telepac, quando refere que «é necessário fazer uma reorganização de processos porque o trabalho passa a ser organizado em função de objectivos e não do tempo. Há que preparar as empresas para dar uma resposta mais rápida, mais “on-line”». 

Isso implica mexer na estrutura da empresa o que, à vista de muitos, significa desestruturar a empresa. Jack Nilles não acredita que assim seja: «acho que torna a sua estrutura adaptável em vez de hierárquica. Deixamos de ter a tradicional estrutura em árvore para passarmos a ter estruturas em rede. Cria estruturas muito mais flexíveis, que é do que as empresas precisam para trabalhar neste mundo. Os únicos casos em que é preferível uma estrutura hierárquica é onde há uma linha de produção muito definida, e mesmo isso está a mudar, porque os produtos estão sempre a ser alterados». 

Um outro problema apontado foi a dificuldade de gestão e de supervisão de uma rede de teletrabalho. De facto, como é que os «top managers» poderão avaliar o desempenho dos seus colaboradores, fazer a gestão de carreiras e desenhar planos de formação? O segredo para o sucesso neste sentido passa por uma prática de gestão por objectivos e não pela contabilização das horas que se passa a trabalhar. Citando novamente Jack Nilles, «o sucesso do teletrabalho depende da prática de uma gestão por objectivos. Isto implica que o “manager” e o teletrabalhador decidam em conjunto as metas, objectivos e critérios de decisão (ou seja, formas de avaliação da “performance” do trabalho a fazer). Durante a negociação, parte da discussão tem a ver com as ferramentas necessárias para um bom desempenho da função e com as necessidades de formação. O resultado será uma especificação (de preferência escrita) de todos os detalhes. Isto oferece aos dois informações excelentes para a realização da avaliação de desempenho e plano de carreira. Um aspecto positivo é que este processo requer que tanto o “telemanager” como o teletrabalhador, pensem profundamente e cheguem a uma conclusão sobre os seus respectivos papéis. Um aspecto negativo é que este processo requer que ambos pensem seriamente e cheguem a um acordo. Ao princípio isto pode ser difícil mas torna-se mais fácil com o tempo, chegando mesmo ao ponto em que muitos gestores concluem que passam menos tempo a gerir do que a fazer coisas mais interessantes». 

Continuando nesta linha de raciocínio, mas agora numa outra entrevista, Nilles volta novamente à carga em defesa da sua dama. «O teletrabalho», explica, «torna os bons gestores ainda melhores e obriga os gestores assim-assim a serem bons. É importante ter em conta que a maioria do teletrabalho é em “part-time”; no resto do tempo de trabalho, as pessoas precisam de interacção face-a-face formal ou informal. Do que eles não precisam é das constantes interrupções que ocorrem no escritório típico ou do “stress” motivado pela necessidade de chegar ao trabalho no dia-a-dia. Mas o papel do telegestor coloca a ênfase na liderança mais do que no administrativismo e no policiamento. Naturalmente que as organizações também mudam em consequência do teletrabalho (ou o teletrabalho é adoptado como resultado de algumas mudanças organizativas), mas não desaparecem. A palavra-chave agora é flexibilidade». 

Para a resolução dos problemas previsíveis em matéria de organização das comunicações dentro deste esquema, é preciso adoptar um modelo ideal de organização para vencer no próximo milénio. «A organização ideal para o teletrabalho é, simplesmente, a organização ideal para o século XXI», acredita o pai do teletrabalho. Tudo por que «tem uma combinação de estrutura hierárquica onde é necessário e uma grande flexibilidade quando é preciso. A chave para tudo isto é um desenho organizacional que maximize a comunicação interna e externa. Teletrabalho é apenas uma ferramenta que torna isto possível, minimizando as barreiras que a distância impõe nas comunicações. Além de impor alguma estrutura nas relações entre gestores e empregados, o teletrabalho não implica muitas outras mudanças nas relações laborais. Um tratamento justo – de ambas as partes – ainda é necessário para o sucesso. Contudo, a estrutura imposta pela necessidade de chegar a um acordo sobre os papéis e resultados tem um efeito muito importante: “telemanagers” e teletrabalhadores tendem a considerar-se como partes integrantes de uma equipa e não como adversários. Isto funciona também com os colegas, mesmo os que não são teletrabalhadores, tendem a ser mais organizados». 

Tudo isto é, de facto, muito engraçado. Mas colocar os empregados fora da vista do patrão tem que se lhe diga. Principalmente, para os empresários que acreditam que actuando desta maneira se acabará com a chamada «cultura empresarial», como se ela só resultasse das paredes do escritório para dentro. Perde o colaborador tudo isso só por ir para casa? «Durante anos testámos os teletrabalhadores e a sua relação com a cultura da empresa», explica Jack, «e nunca identificámos problemas, excepto em empresas que são altamente políticas nos sistemas de pagamento. Os teletrabalhadores tendem a estar tão bem informados sobre a cultura da empresa – e os mexericos – como os seus outros colegas. Isto porque tendem a ser mais proactivos para se manterem em contacto». Quanto aos investimentos em material informático e serviços de telecomunicações (representando novos investimentos), é um mal necessário e uma aposta para se sair vencedor. 

O segredo do meu sucesso 
Não há porções mágicas nem «pós plim-plim» que garantam que a implantação do teletrabalho numa empresa resulte em benefícios de imediato. Grandes empresas (como a IBM España) fracassaram na primeira vez que tentaram fazê-lo. Mas não desistiram. Mas outras há, como «a maioria das grandes companhias de seguros, muitos bancos e outras instituições financeiras e, tipicamente, as  empresas que trabalham intensivamente com informação», que se saíram muito bem. Ainda que não haja nenhuma fórmula mágica, a chave para o sucesso de um projecto de teletrabalho passa, em primeiro lugar, pelos gestores e pelo sistema de remunerações que «têm de estar focalizados nos resultados do trabalho, mais do que no processo de produção utilizado. Depois, todos os envolvidos devem ser voluntários. Terceiro, nem todos os empregos nem toda a gente consegue teletrabalhar; a selecção é importante. Por último, a capacidade de teletrabalhar não está inscrita nos nossos genes; tem de ser ensinada. Por isso, a formação, particularmente dos telegestores, é fundamental». 

Sensibilização 
Esta é a palavra de ordem. E a formação não se requer apenas para os gestores e empresários. Tem de passar, forçosamente, pelo domínio da política, já que são os governantes que poderão, em conjunto com outros actores sociais, impulsionar o teletrabalho. Anita Rozenholc, a quem chamam de “grande sacerdotisa” francesa do teletrabalho, e trave mestra do apelo ao projecto «Teletrabalho, nova reorganização do território e competitividade económica», refere: «o teletrabalho já não deve ser pensado no âmbito do sistema económico actual. Não se trata simplesmente de descentralizar actividades existentes, mas sim de reorganizar completamente o nosso modelo económico e social». É, pois, «necessário que os políticos e os responsáveis económicos abandonem a lógica do fabrico e adoptem a da sociedade da informação».  

No livro Os Conquistadores do Ciberespaço, Dominique Nora expressa o ponto de vista de que «a criação da sociedade de informação redefine, assim, modos de produção (redução de custos, valorização de um know-how a nível mundial) e de consumo (acesso instantâneo a teleserviços como a telecompra ou a teleinformação) mundiais. E recria completamente a paisagem da concorrência económica, ao subverter a hierarquia entre os territórios e os países. “É o acesso às competências e aos saberes, portanto aos serviços e às redes, que acaba por ser o primeiro critério de atracção e da valorização dos territórios.” (…) “Os países e as regiões que não souberem atrair estas actividades estão condenados ao desemprego e ao declínio.”, prevê Anita Rozenholc. E é urgente “porque as economias emergentes, como Singapura ou as Filipinas, fazem tudo para assumirem o comando da rede do século XXI». Os empresários — mesmo os portugueses — precisam estar cônscios de que caminhamos, a passos largos, para uma realidade assim. 

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