CNRT/Congresso Nacional
Presidência

ALOCUÇÃO DO PRESIDENTE DO CNRT/CN,

KAY RALA XANANA GUSMÃO

CONFERÊNCIA INTERCALAR DE DOADORES

Díli, 29 de Março de 2001


Dr. Sérgio Vieira de Mello, RESG da ONU e Administrador Transitório
Klaus Rohland,  Representante Permanente do Banco Mundial e Director da Região da Ásia e do Pacífico

Senhores Luis Valdevieso e Van Houten, Representantes do Fundo Monetário
Internacional

Distintos Representantes dos Países Doadores, Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Comissão Europeia, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Irlanda, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Suécia, Reino Unido.

Distintos Membros do Gabinete de Transição

Digníssimos Membros do Corpo Diplomático

Distintos Representantes das Agências Especializadas das Nações Unidas, ACNUR, Banco Asiático para o Desenvolvimento, FMI, FAO, PNUD, Programa Alimentar Mundial, UNICEF e UNIFEM

Ilustres Representantes de Agências Nacionais para o Desenvolvimento e Representantes das ONGs,

Senhoras e Senhores

Falo aqui como Presidente do CNRT e não como Presidente demissionário do Conselho Nacional. Nesta condição, não serei eu que vou fazer julgamentos sobre a implementação dos planos apresentados em Bruxelas.

Eu acredito que, através da ETTA e das várias instituições com presença permanente em Timor Lorosa'e, a comunidade de doadores já obteve os necessários relatórios, onde já se tenha podido provar que todo o dinheiro doado não foi bem gasto nem a tempo. Do que eu tenho conhecimento é que existe neste momento um saldo de 686 mil dólares à espera de alocação, que suponho terá que ser muito em breve para poder ser gasto até Junho. Só peço aos doadores para não se impressionarem com o movimento em Díli, que é mais produto do engajamento do sector privado estrangeiro do que uma política económica clara e objectiva. No interior do território, a situação económica da população não mudou muito para além. Onde a população produziu, não há escoamento dos seus produtos e a cidade de Díli vive praticamente da importação de produtos de 1ª necessidade. Onde a população poderia produzir, não existe uma assistência adequada sobretudo em reparação de canais de irrigação, em muitos pontos do território, onde a água das chuvas destruíram centenas de hectares de terreno arável, base de sustentação da população.

Sabemos que alguns sectores desejariam já contar com as futuras receitas do Timor Gap para aumentar o orçamento de Timor, no próximo ano.

O que nos admira é a política de impostos se cingir apenas aos produtos de importação e à exportação do café, tornando os preços apenas acessíveis a uma pequena porção da sociedade, por um lado e, por outro, castigando duramente os produtores de café com a imposição de um preço baixíssimo de venda.

Timor Lorosa'e deve ser um dos raros países em que se leva mais de um ano para apresentar uma política coerente de taxas, com vista a aumentar as receitas para que haja uma maior capacidade de recrutamento de professores e enfermeiros, como tem sido exigência do nosso povo.

Sabemos também que existem sectores que gostariam de arrancar já contraindo grandes dívidas ao Banco Mundial, com a previsão de futuras receitas do Timor Gap. Eu fui sempre crítico da vagarosidade da implementação dos programas. Contudo, também sempre afirmei que os timorenses deveriam tomar consciência de que devem aprender, em toda esta complexa situação, e não aparecerem como já inteiramente capazes de gerir o país. Gerir um país nas condições humanas e socio-económicas como estamos não é gerir uma pequena e média empresa. E nem sequer temos ainda empresários timorenses profissionais, no sentido exacto do termo. Arriscar agora a contrair dívidas, quando ainda não se provou capacidade de gerir os fundos doados e que são apenas cento e tal milhões, é embarcar em soluções pretensamente fáceis, que podem vir a ser a causa do sofrimento deste povo. Não percebo nada de economia, mas gerir fundos não significa tê-los distribuídos em papel de relatório, para se tornar estatística.

Quando, ao invés de os ministros viajarem amiudadamente para o exterior, andassem mais pelos distritos a ouvir as lamentações do povo, os timorenses terão a certeza de que os seus ministros estarão a praticar uma boa gestão dos fundos.

Senhoras e senhores

Permitam-me que aborde o processo político. Do calendário político apresentado em Bruxelas, foi já criada uma Comissão Permanente para Assuntos Políticos que, depois de um extensivo trabalho de audiências públicas, produziu recomendações que posteriormente fizeram parte do Regulamento nº 2001/2, sobre as Eleições para a Assembleia Constituinte de um Timor Lorosa'e Independente e Democrático.

Quanto ao Registo Civil, devo dizer que começou muito tarde, não porque faltava uma definição do Sistema Eleitoral nem a falta de uma Lei Eleitoral, mas por questões meramente técnicas de atraso no envio de material necessário para esse trabalho. Porque a Constituição é o fundamento basilar da Nação, a sociedade civil está preocupada com a participação do povo timorense, das suas aspirações e dos seus receios. Para a sociedade civil, eleições não significam necessária e naturalmente democracia. A sociedade civil entende que se as próximas eleições são para uma Assembleia Constituinte, o Povo tem que saber, antecipadamente às campanhas eleitorais, no mínimo o que é uma Constituição.

A Comissão para os Assuntos Políticos do CN adoptou o pensamento da sociedade civil e apresentou ao Conselho Nacional, há dois dias, um projecto do Regulamento para a criação de uma Comissão Constitucional, de carácter independente e que actuaria a nível  nacional e distrital e inclusive a nível de sucos, para disseminação de informações, debates e recolha das aspirações do povo, produto que seria entregue ao Administrador Transitório que o endossaria à Assembleia Constituinte eleita. Infelizmente, o projecto nem sequer foi discutido, porque foi simplesmente rejeitado pela maioria do Plenário.

Com o apoio da UNTAET, começou hoje um 'workshop' de 3 dias, para os quadros do CNRT, sobre Educação Cívica, orientada à compreensão dos princípios universais de democracia, de liberdade, de direitos humanos e de sistema parlamentar multipartidário. A razão dessas actividades é muito simples. Assim como há bocado, falei da necessidade de o povo obter informações básicas sobre uma Constituição e sobre o sistema democrático a ser construído e ter a oportunidade de expressar as suas aspirações e receios, existe também a necessidade de mudar a percepção, adquirida pela negativa, desses valores universais. O nosso povo tem vindo a aspirar por esses valores, pela sua inexistência e essa inexistência foi vivida na repressão colonialista.

O CNRT, como Plataforma de Luta pela Independência, vai dissolver-se no dia 1 do próximo mês de Junho. A conjuntura política mudou e necessita de maior participação da sociedade e sobretudo das forças políticas que se vão competir no poder e algumas das quais já começaram a organizar a população para esse efeito. Contudo, quero lembrar que, desde o início, a UNTAET tem mantido as suas consultas aos timorenses, não directamente com o CNRT, mas por via dos órgãos oficiais, como o CCN (Conselho Consultivo Nacional), de 7 membros, alargado posteriormente para 34 membros, constituindo-se o CN (Conselho Nacional) e o próprio Gabinete, onde até estão 5 ministros timorenses.

Quero realçar, mais uma vez, que a conjuntura política mudou e todas as obrigações sobre o processo político devem estar, a partir de agora, nos ombros dos partidos políticos, do Gabinete e do Conselho Nacional. Mais do que ninguém, os partidos políticos representam o povo e só eles têm o direito de falar em nome do Povo.

É nesta ordem de ideias, que o Pacto de Unidade Nacional é da total responsabilidade dos partidos políticos, conforme o entendam necessário ou simplesmente irrelevante.

Eu estou certo de que os líderes políticos timorenses assumiram já, como é óbvio, a extrema necessidade de garantir, durante este processo de transição, nomeadamente até às eleições, um ambiente de tolerância política e um clima de tranquilidade no seio do povo. Se se pode estar confiante da estabilidade política, que a maturidade de 2 décadas e meia dos líderes políticos timorenses vai com certeza assegurar, eu confesso que a instabilidade social deverá merecer melhor atenção de todos.

Pode-se continuar a falar e agir no processo de reconciliação, pode-se apelar frequentemente à paciência de todos, se se continuar apenas a fechar os buracos ou a remediar aqui e acolá, a sociedade timorense continuará a perguntar-se sobre as perspectivas, não de um futuro longínquo, mas das perspectivas do seu dia-a-dia.

O programa de assistência aos veteranos das Falintil deve ser objecto de preocupação dos doadores, porque as expectativas não realizadas hoje, de um hoje que já dura um ano e meio, serão grandes exigências amanhã.

Tenho dito.