Falintil

   Apelo urgente*

 

AJUDA AOS SOLDADOS
DAS FALINTIL!

     Lutaram durante longos anos, muitos tombaram em combate, muitos foram presos, torturados, assassinados. Os sobreviventes mantiveram bem alta a bandeira da resistência ao ocupante. Amados e apoiados pela população, no meio de privações e sofrimento, prepararam as condições da vitória. São os guerrilheiros das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste, são os soldados das Falintil.
     Hoje, o ocupante saiu da sua terra; hoje, Timor-Leste está em transição para a independência e será, já é, o mais novo Estado independente do Terceiro Milénio. Com a Administração Transitória das Nações Unidas e com o apoio da comunidade internacional, o Povo Timorense enfrenta as dificuldades desta nova etapa da sua história, tanto maiores quanto o ocupante, na sua retirada, se dedicou a uma nova onda de destruição.
     Houve quem quisesse desarmá-las, houve quem quisesse tratá-las como um grupo de irregulares, quem quisesse relegá-las para segundo plano e, mesmo, humilhá-las: não consentiram, defenderam a sua condição de Exército do Povo Timorense, afirmaram a sua dignidade e exigiram o reconhecimento internacional. O Presidente da República Portuguesa e o Secretário-Geral das Nações Unidas prestaram recentemente a merecida homenagem às Falintil.
     Aileu, a 40 quilómetros de Díli: ali está instalado o Quartel-General das Falintil. O seu Comandante-em-Chefe é o Kay Rala Xanana Gusmão, o seu Chefe de Estado-Maior é o Vice-Comandante Taur Matan Ruak. Continuam hoje o seu combate ao lado do seu povo. Nas piores condições, não se vendem, não aceitam a via das facilidades. Vivem na maior das misérias, mas não perderam a generosidade. O seu lema é servir, o seu orgulho é o sacrifício, a sua filosofia é a disciplina na abnegação.

     Sabíamos que assim era. Mas, com tantos milhões que têm sido prometidos, quem poderia imaginar que os guerrilheiros das Falintil viviam nas condições que nos foram recentemente descritas?
     O nosso amigo José Amorim, representante do CNRT junto da União Europeia em Bruxelas, está actualmente em Timor. Foi há poucos dias a Aileu, acompanhando o Vice-Presidente do CNRT e Nobel da Paz, José Ramos-Horta. Numa visita surpresa, em plena reunião sobre as questões de organização, foram encontrar os soldados das Falintil a 12 de Março, juntamente com um representante das Nações UNidas.
     Segundo nos contou ao telefone, os heróis armados da Resistência Timorense dormem sobre esteiras no chão, em instalações completamente decadentes. Não têm uma "panela para cozinhar", recebem umas rações de arroz de vez em quando, não têm acesso a médico ou a medicamentos, contactam com Díli por um velho rádio..., ou seja, vivem em condições de extrema penúria. Matan Ruak e os restantes comandantes vivem da mesma forma que os soldados que com eles resistiram à invasão e à barbárie.

     Pergunta-se: Mas não haverá em Aileu colchões, casas mais ou menos em bom estado e os simples utensílios do dia-a-dia, que contribuem, mesmo minimamente, para a dignidade humana?
     Parece que sim, que os há, mas são "monopolizados" pelos funcionários da ONU, do mesmo modo que os poucos fundos que chegam já a Timor são canalizados para o pagamento dos salários desses mesmos funcionários. Além de que as promessas parecem tardar em cumprir-se...
     Ramos-Horta insurgiu-se contra esta situação junto dos representantes da Administração Transitória presentes em Aileu, declarando que, uma vez chegado a Díli, falaria com o próprio Sérgio Vieira de Mello sobre a forma de resolver o problema e que, se Vieira de Mello não pudesse intervir, ele mesmo "trataria do asssunto". Ramos-Horta disse-lhes ainda que fizessem um relatório aos superiores e que não omitissem o que ele pensava daquela situação.

     A disciplina dos homens e mulheres das Falintil é exemplar. Senão, como explicar que se tenham mantido acantonados, por ordem de Xanana, quando dos piores massacres das milícias pró-Indonésia, para não criar pretextos a retaliações sobre a população nem dificultar a intervenção da comunidade internacional? Senão, como explicar que aceitem ser tratados como o último dos pedintes, quando as organizações humanitárias (dignas de respeito, mas pouco sensíveis à índole e dignidade dos que socorrem) monopolizam as instalações em bom estado e os poucos recursos disponíveis?
     Prestemos homenagem aos soldados das Falintil, pela sua atitude, a não confundir com servilismo ou passividade, pois não poderão dar mais provas de coragem, determinação e dignidade!

     A violência destruiu os meios de subsistência em Timor-Leste. As dificuldades são enormes, e os soldados das Falintil distribuíram os poucos fundos que lhes chegaram às mãos pelas viúvas e órfãos dos companheiros mortos em combate, que vivem "ainda em pior situação".
     Os guerrilheiros das Falintil vivem numa situação de quase indigência! Que sentimento anima estes homens e mulheres para tão bem terem sabido lutar e tão bem saberem esperar, respeitando os acordos com as forças internacionais de paz? É necessária tanta coragem para resistir aos ataques das milícias como para esperar que as forças de paz obriguem a Indonésia a desarmá-las e para esperar que lhes seja reconhecida a dignidade que merecem.
    As notícias que nos chegam de Aileu são as notícias dos eternos esquecidos, dos últimos a serem socorridos, a continuação do sacrifício dos que deram tudo ao seu povo e ao seu país.

     O FAF foi criado para apoiar as Falintil e entregou já directamente ao Comandante Ruak, em Lisboa (11/12/99), a pequena quantia de 1.000 contos em donativos destinados às viúvas e órfãos. Mais teríamos entregue, se mais tivessemos e se mais nos tivessem enviado!
     Renovamos aqui o nosso apelo aos Amigos do Povo de Timor Loro Sae. Vamos ajudar com carácter de urgência as Falintil para meios básicos de subsistência. Apelamos à generosidade de todos. Sejamos solidários e prestemos "uma justa e merecida homenagem aos heróicos guerrilheiros das Falintil", tal como o disse Taur Matan Ruak na sua mensagem ao FAF em Dezembro de 1999.

 

Responsáveis: Ângelo Santana Barreto e Helena M. dos Santos
Av. de l’Equinoxe, 56 - 1200 Bruxelas – Bélgica  Tel: (02) 779 51 12     E-mail

Se puder responder a este apelo, envie um cheque para a morada indicada ou faça um depósito numa das seguintes contas bancárias:

Portugal: 34580820 (Banco Português do Atlântico – Agência Poço do Bispo);
Bélgica: 0371876-30 (Société Générale de Banque), com a menção FALINTIL
ou ainda directamente na conta do Comandante Ruak, em Díli (sem esquecer que deve enviar-nos o seu nome, montante depositado, conta e data de envio)

*Este Apelo Urgente foi enviado, em Março, a vários jornais portugueses com pedido de publicação.
  Os únicos  jornais que acederam ao nosso pedido foram: Espaço Lusofonia, Portugal em Linha e Forja,
  que publicaram prontamente o texto na íntegra. Aos três, os nossos calorosos agradecimentos.
  (Consulte-os através dos nossos links).

  Correspondência de Timor Loro Sae

UMA REFEIÇÃO PARA AS FALINTIL

  Caro amigo do Povo de Timor Loro Sae,
     Chegam-nos novos apelos de Díli e de Aileu, onde está o acampamento das Falintil.
     As condições de vida dos guerrilheiros das Falintil e das suas famílias são péssimas. A correspondência que a seguir publicamos dispensa comentários.
      Ser solidário com o Povo de Timor Loro Sae é também contribuir para melhorar a vida dos mais necessitados desse povo mártir e espoliado. Talvez possamos abdicar de um dos nossos prazeres quotidianos e enviar uma refeição para as Falintil.
     Caro amigo: Lê esta correspondência que nos chega de Timor, lê o nosso Apelo Urgente e decide segundo a tua consciência. Ajuda a nossa campanha de recolha de fundos para as Falintil.
     Não esqueças que o silêncio é irmão gémeo da injustiça.

E-mail do FAF para Díli

02:24 13/04/00 -0700
Cheque

Bruxelas, 13 de Abril de 2000
Caros amigos,

     Espero que as coisas estejam a correr o melhor possível, embora as notícias que temos não sejam encorajadoras: atrasos imensos na reconstrução, uma certa desorganização, e mesmo algumas notícias mais preocupantes de desinformação ao nível do próprio interior do CNRT.

     Por nós, desde que tudo isto não passe de "aleas da democracia", e que Timor-Leste consiga ultrapassar esta fase de transição e formar um país novo com os ideais que levaram os timorenses a lutar tão duramente, está tudo bem. O que os dirigentes timorenses fizerem a contento da maioria da população será concerteza bem feito.

     Mas escrevo-vos sobretudo para dizer que recebi finalmente do banco o extracto de conta que informa a retirada do cheque de 1.000 contos oferecido pelo FAF em Lisboa ao Comandante Ruak. Não sei quem o levantou nem onde, mas gostaria de saber se esse dinheiro vai ser aplicado para os efeitos combinados, ou seja, viúvas e órfãos das Falintil.

     Notícias de amigos de Timor falam-nos igualmente das péssimas condições de vida dos guerrilheiros, o que muito nos chocou. Lançámos um apelo público de ajuda; veremos o que conseguimos reunir.
     Sabemos que o dinheiro que vos foi dado em Lisboa não é nada, mas talvez uma parte possa também servir para melhorar um nadinha a vida diária no acampamento de Aileu.
     Enviem-nos notícias logo que possam.
     Esperamos que o Comandante Ruak e o Presidente  Xanana tenham feito boa viagem e que um dia possamos estar mais perto de Timor...  

    Um abraço solidário
a todos
     Ângelo e Helena (FAF)             

Se quiser depositar algum contributo directamente na conta indicada, comunique ao FAF o seu nome, data e quantia para que estes dados sejam enviados directamente ao Comandante Taur Matan Ruak, tal como é pedido no seu e-mail.

 

Resposta de Díli

13 Apr 2000 18:49:53 +0700
Re: Cheque

Queridos Ângelo e Helena,

     Até parece mentira, mas o Comandante Ruak esteve hoje aqui em casa e conversámos sobre a situação no acantonamento das FALINTIL em Aileu.
     Finalmente já foi possível abrir uma conta bancária aqui em Díli, no BNU. É óptimo pois assim qualquer contribuição que desejem enviar, irá directamente para as FALINTIL e não via portadores.
     O Comandante Taur solicitou-me, então, que vos enviasse um e-mail com os dados da nova conta bancária das FALINTIL em Díli, para ver da possibilidade de angariação de fundos directamente para apoiar a compra de alimentos para o acantonamento das FALINTIL, em Aileu. Na realidade, a informação que receberam é correcta. As dificuldades têm sido grandes e hoje estivemos a fazer cálculos de quanto seria preciso para a alimentação.
     Os cálculos estão feitos com base na 'dieta' diária de cada guerrilheiro. Estão neste momento 800 guerrilheiros no acantonamento. Alguns guerrilheiros inicialmente acantonados já foram desmobilizados, por incapacidade de manter logisticamente o acantonamento.
     Cada guerrilheiro consome diariamente uma dose de arroz, que corresponde a uma lata de leite condensado. Uma saca de arroz corresponde a 200 latas, o que significa que são necessárias 4 sacas por dia. Cada saca custa 150.000 rupias = cerca de USD 25, o que significa que são necessários 100 dólares americanos por dia.
     Infelizmente, a dita ajuda humanitária não está a chegar a Aileu e quando chega não é regular, o que implica nunca saber quando chegará o próximo abastecimento. Esta é uma questão de fundo que tem a ver com o próprio estatuto das FALINTIL. Finalmente começa a ser discutido, com vista ao reconhecimento das FALINTIL, não como um grupo armado, mas sim como um exército que merece o respeito e o reconhecimento da ONU e da comunidade internacional. Só que, até que seja acordado o estatuto e definido o futuro das FALINTIL, os guerrilheiros terão de comer!!!!!  A maioria das organizações humanitárias presentes em Timor recusaram prestar assistência, com base num preceito que dizem fazer parte dos seus estatutos, e que impede a prestação de assistência a 'grupos armados'. É sem dúvida chocante (no mínimo) ter de ouvir este tipo de comentário, mas a verdade é que, enquanto discutimos ‘intelectualmente' a correcção ou incorrecção de tais artigos nos estatutos das organizações humanitárias, as FALINTIL vão passando dificuldades grandes.
     Neste momento, lutamos um pouco contra o tempo e estamos a tentar angariar fundos destinados exclusivamente à alimentação em Aileu. A dieta já está limitada ao mínimo humanamente aceitável: arroz com folhas que vão apanhando! Assim, seguindo o combinado com o Comandante Taur, os dados da conta são:

Banco: Banco Nacional Ultramarino
Agência: Díli
Titular da Conta: José Maria de Vasconcelos
(verdadeiro nome do Cmdt. Taur Matan Ruak)
Nr. da Conta: 0060210.000011.0
NIB (Número de Identificação Bancária):
0060211.000251.9 USD

       O Comandante Taur pede ainda para que, caso consigam angariar fundos e transferí-los, seja avisado da data da transferência e do montante, para ele ir mantendo controle e acusando a recepção.
    Agora em relação ao cheque de mil contos entregue pela Helena em Lisboa. Como não conseguimos levantá-lo em Lisboa pessoalmente, por falta de tempo útil, entregámo-lo à representante do CNRT em Portugal, para o transferir para Darwin, para a conta do Gabinete do Presidente Xanana Gusmão. Logo que chegámos a Darwin, foi avançado o montante respectivo em dólares australianos, em cash, ao Comadante Taur, retirado da conta do Gabinete do Presidente, e o cheque transferido de Lisboa entrou nessa conta. Ele já entregou todo esse dinheiro aos orfanatos onde estão as crianças das FALINTIL e que apoiam as viúvas também. Estes centros são geridos pelas irmãs canossianas. O momento em que chegou o dinheiro foi importante e a festa foi enorme.
     Quanto às notícias preocupantes... Sem dúvida que existem enormes dificuldades. No entanto, julgo que, por vezes, a comunicação social revela-se um pouco incapaz de analisar a fundo as situações, e agarram-se demasiado ao superficial e ao pormenor. Em que país é que não existem debates e diferenças? Será que a riqueza de uma organização não é a energia reproduzida pelo debate e pela construção com base em contribuições diversificadas? Posso assegurar-vos que, naquilo que é estratégico e central, o CNRT está bem unido. O facto de existir discussão parece-nos saudável e não algo a lamentar.
     Por outro lado, os 'media' perdem muito do que está a mexer aqui em Timor. Ficam-se muito pela capital e, mesmo na cidade, andam pouco, conversam pouco e vêem pouco. O número de iniciativas que decorrem é impressionante. A energia que está a ser dispendida em acções criativas de construção é imensa. Nada disso é relatado e transmitido.
     Ainda hoje viemos a saber pelo responsável do sector da Educação que já foi iniciado o segundo curso de Português, com 1.000 (!!!!!) licenciados na Indonésia. O primeiro abrange 600. Ninguém fala disto. As tão badaladas críticas da juventude em relação à escolha do Português como língua oficial já não se ouvem. No entanto, quando surgiram, os 'media' utilizaram-nas como notícia central. Agora, que o esclarecimento do porquê da escolha do Português já começa a revelar efeitos e a juventude acalmou, ninguém refere esse mesmo facto.
     Enfim, um processo político de mudança profunda nunca é simples e fácil. A complexidade deste é imensa. Para tal, basta o facto de se estar perante uma administração de inúmeras nacionalidades e com indivíduos que desconhecem profundamente esta realidade. Só isso já seria o suficiente para enfrentar dificuldades.
     Por outro lado, os doadores, que prometeram tanto dinheiro em Tóquio, pouco ou nada ainda doaram, o que significa (como tem afirmado o Presidente Xanana) que a UNTAET está fisicamente presente em Timor, mas a Administração ainda não existe. A reconstrução ainda não começou. Nem os edifícios públicos estão a ser reconstruídos para que a administração funcione.
     Outro exemplo: foram nomeados 8 juízes, cuja tomada de posse foi feita com pompa e circunstância, e não existem nem tribunais para os julgamentos nem prisões para os condenados a penas. Os juízes nem têm uma cadeira e secretária para julgar!!!! Por isso, estão em casa à espera!
     Mais grave do que tudo isto tem sido a falta de comunicação com os timorenses. Fala-se muito em 'consultar' os timorenses. É uma bela figura de estilo, mas, não só pouco é feito nesse sentido, como a questão não é a de apenas consultar, mas sim de integrar os timorenses na própria administração, o que não tem sido feito.
     Começo a reparar que esta mensagem já vai bem longa. Peço-vos desculpa pelo tempo que vos estou a tomar. Infelizmente, não temos capacidade de manter uma regularidade desejável na informação que vocês mereceriam receber, e só de vez em quando é que temos disponibilidade para sentar e dar um pouco mais de dados.
     O Comandante Taur foi hoje visitar os cinco orfanatos, que são todos localizados a Este de Díli. Só regressará a Aileu no domingo. Em princípio, não estarei com ele antes de quarta-feira próxima, mas nessa altura entregar-lhe-ei uma cópia do vosso e-mail, como tenho feito com os anteriores, okay?

Um forte Abraço
Assinatura  (
do Gabinete do Presidente Xanana Gusmão)