DESPERDÍCIO
Melhora da produção científica brasileira não se transforma
em inovação produtiva ou em mais competitividade
Ciência avança no país, mas não gera riqueza
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil ainda não aprendeu a transformar ciência em
riqueza. Apesar da melhora nos indicadores de ciência e tecnologia do país,
governo e setor privado concordam que ela não significou avanço similar na
competitividade e capacidade de inovação do setor produtivo. Por um lado, o
Brasil se tornou "maior" no mundo científico. Saíram daqui 1,8% dos
artigos indexados em revistas científicas internacionais em 2005. Não é um
número impressionante, mas a participação brasileira era de apenas 0,6% no
início dos anos 90. Hoje, os trabalhos com origem no país representam
aproximadamente de 44,4% de toda a produção latino-americana.
O cenário é parecido na formação de recursos humanos para as
atividades de pesquisa. Em 2005, as universidades brasileiras formaram 10,6 mil
doutores. Número 12% maior do que os 9.500 de 2004 e que tem crescido a taxas
parecidas há alguns anos. Em termos de recursos investidos no setor, o quadro
não é tão róseo. Eles subiram em todos os anos desde 2000, mas apenas em termos
nominais. Como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) chegaram a cair. De
1,43% em 2000 para 1,37% em 2005 segundo estimativa preliminar do Ministério da
Ciência e Tecnologia. O que não deixa de ser positivo, dado que em todo o
período o setor público realizou cortes significativos de gastos para alcançar
superávits fiscais cada vez maiores. Na hora de tentar medir o quanto esses
investimentos têm tornado a economia brasileira mais produtiva e, portanto,
mais competitiva, o quadro muda. É difícil medir a eficácia ou o resultado
prático dos gastos de um país em ciência e tecnologia. Em todo o mundo, no
entanto, analistas e cientistas concordam que a solicitação e registro de
patentes é um bom indicador indireto de quanto o conhecimento gerado por
governo e empresas está se transformando em inovações tecnológicas -ou seja, em
novos produtos ou processos produtivos.
Nesse caso, o desempenho brasileiro não é nada bom. No ano
passado, mostra relatório da Wipo (sigla em inglês para Organização Mundial de
Propriedade Intelectual), apenas 283 patentes foram solicitadas por empresas,
pessoas ou instituições do Brasil. Os números ainda são provisórios, mas o
quadro não muda. Para ter uma idéia do desempenho brasileiro, o número de
patentes solicitadas por aqui é de pouco menos de um oitavo das 2.492 patentes
solicitadas pela holandesa Philips, a empresa que mais patenteou no mundo. Há
34 empresas que, individualmente, solicitaram mais patentes do que todo o
Brasil. Mais: as patentes brasileiras representam 0,2% do total de patentes
registradas no ano passado e, mostra relatório da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), quase 40% delas são solicitadas por
empresas ou instituições estrangeiras -associadas ou não com brasileiras-
atuando no território nacional. No caso do Japão e da Coréia, por exemplo, essa
proporção varia de 3% a 4%.
As estatísticas sugerem o diagnóstico que tanto governo
quanto setor privado brasileiro, com ligeiras diferenças, fazem para o Brasil:
falta fazer a ciência chegar dentro das empresas.
O ministro Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia) enumera os
motivos que, na avaliação dele, tornam o esforço científico tão distante do
setor produtivo:
1) o Brasil forma pesquisadores há apenas 40 anos e,
portanto, é natural que um sistema jovem como o brasileiro forme pesquisadores
para a academia;
2) a industrialização tardia brasileira criou um
empresariado conservador, sem a visão de que é necessário fazer pesquisa; falta
ao empresariado nacional a cultura da inovação;
3) no
governo, as políticas de industrialização e de desenvolvimento científicos não
se comunicavam e, portanto, não existiam mecanismos para incentivar as
atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). "Mas a boa notícia é
que as empresas despertaram. Os centros universitários também. Há 20 anos, a
universidade estava fechada. Em alguns ambientes havia muito preconceito quando
o pesquisador ia montar uma empresa. A mentalidade era que ele deixava uma
atividade nobre para ganhar dinheiro", diz Rezende.