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BURT BACHARACH
Deixe a música (nos) tocar

Por Alexandre Matias

Hoje, felizmente, é possível gostar de Beatles por causa de "In My Life" e "Here There and Everywhere" sem precisar entender "Revolution 9" ou rir em "I Am the Walrus". Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo, a perfeição dos grupo de Liverpool foi posta em xeque por seu desprendimento com o rock.

Você sabe, eles eram os mocinhos de uma história cujos vilões eram tão irresistíveis quanto os Rolling Stones, os Doors, o Velvet Underground ou os Stooges. Eles não eram rockers o suficiente, não eram viscerais o bastante para serem incluídos como verdadeiros heróis. Mas o lado experimental, o casamento de vanguarda com música pop, sua forma de lidar com a popularidade e sua mitologia paralela foram responsáveis por manter os Beatles no topo da lista dos artistas nos anos 60.

Mas o tempo é o senhor da razão e ele mostrou que os Fab Four não resistiam ao tempo por suas peculiaridades e sim por serem senhores da canção. Quando a música pop começa a perder as estribeiras, eles surgem como mestres do pop perfeito. Autores cuja sensibilidade artística é tão impressionante quanto sua habilidade de encaixá-las em poucos minutos de uma música que parece natural e eterna, desde o momento que nasceu. E isso os Beatles tinham mais do que qualquer outra banda em sua época - e depois deles. A quantidade de músicas perfeitas é capaz de encher pelo menos seis discos de uma banda que tem, oficialmente, treze.

Ao mesmo tempo em que os Beatles de Rubber Soul eram laureados, outros companheiros de década passaram a serem vistos com melhores olhos. O primeiro a ganhar respeito foi o excêntrico Phil Spector, que, por trás de jóias cintilantes como "Be My Baby", tecia uma malha de pop orquestrado tão densa quanto pessoal. Depois, Brian Wilson, a mente musical dos Beach Boys, foi resgatado do quarto da música careta para o salão de festas dos gênios. Pet Sounds, seu primeiro disco autoral, foi saudado como o álbum perfeito e o disco Smile como uma das maiores obras perdidas da história do pop. O trio Holland-Dozier-Holland, o time imbatível de compositores e arranjadores da Motown, também saiu-se como herói do pop em estado puro, graças aos hits nas vozes das Supremes, dos Temptations e dos Four Tops. Até Roberto Carlos teve seu perfil repensado a partir deste novo ponto de vista e - de repente - a coroa lhe serve.

O que nos leva inevitavelmente a Burt Bacharach. Baixinho e dentuço, o jovem Burt decidiu que ganharia o mundo com classe e assim o fez. De repente, era um gentleman e colunável disputado, graças ao incrível som que desenvolveu para suas deliciosas canções habitarem. Com muito estilo e precisão, Bacharach compunha, ao lado dos Beatles, dos Beach Boys, de Phil Spector e da Motown, a trilha sonora perfeita do início dos anos 60.

A diferença é que, ao contrário de seus pares de década, Burt não falava aos adolescentes. Mas, por viver na mesma época do rock, não falava para os adultos. Tratava ambos grupos como uma coisa só: pessoas que estão sujeitas aos maus tratos do amor. Suas baladas acertam o coração do mais durão, porque nos deixamos hipnotizar pelo som lento, suave e elegante que formavam seus arranjos.

O culto à Burt Bacharach na música pop não é recente. Apesar de sempre ter sido tachado de careta por diversas gerações, vários intérpretes e compositores pop não conseguiram ceder à tentação de regravar um Bacharach. O primeiro registro está justamente no primeiro disco dos Beatles - Please Please Me conta com uma rendição séria e mais direta do hit "Baby It’s You", das Shyrelles - escrito e produzido por Burt. Outra grande regravação de Bacharach está no épico funk de Isaac Hayes. "Walk on By" já era imortal na versão de Dionne Warwick, mas o velho Ike pirou no conceito e elevou a canção ao nirvana do funk progressivo em Hot Buttered Soul. Elvis Costello sempre declarou sua devoção a Burt e no ano passado gravou um disco inteiro ao lado do mestre.

Recentemente, graças a estes fatores que falei no começo do texto e pelo bem-vindo renascimento da cultura lounge, este culto vêm crescendo. E entre homenagens de Noel Gallagher e das piadas em Austin Powers, o principal fruto desta redescoberta de Bacharach é a ótima caixa da Rhino, The Look of Love. Em três CDs e com um livro para iniciantes e iniciados no autor, a coleção resgata o melhor legado de seu protagonista - as jóias de composição cantadas pelos mais diferentes intérpretes, sempre com o tratamento luxuoso que transporta qualquer cantor para o céu.

Asas musicais talvez sejam as características que unem estes compositores. Cada um as usava de sua forma. Phil Spector alçava vôos dramáticos e espetaculares, culminando em sua maior obra - "River Deep Moutain High", tirando o melhor de Tina Turner. Brian Wilson tinha a simplicidade e doçura de um passarinho, fazendo-o o voar só com a beleza, como o irmão Carl transformado em anjo em "God Only Knows". Os Beatles tinham várias modalidades de vôo - o de reconhecimento de John Lennon ("Strawberry Fields Forever", "A Day in the Life", "Lucy in the Sky with Diamonds"), o acrobático lírico de Paul McCartney ("Hey Jude", "The Fool on the Hill") e o bucólico de George Harrison ("Something", "While My Guitar Gently Weeps"). Na Motown, os vôos eram interrompidos por corações partidos em canções que derrubavam qualquer mortal.

O de Bacharach era pura exibição. Beleza. Perfeição em movimento. A forma que as notas são descritas, as divisões difícil, os climas dramáticos, os instrumentos intimistas, a assinatura musical que dava estilo a qualquer canção. Tudo contribuía para uma belíssima apresentação no céu da música pop. Ao lado do letrista Hal David, Burt construiu um conjunto de músicas que não apenas definiram uma época como são um verdadeiro legado à cultura popular.

Ao lado de sua intérprete favorita, Dionne Warwick, Burt compôs canções imortais que tocam qualquer um que tenha um coração: "Anyone Who Had a Heart", "Walk on By", "Are You There (With Another Girl)", "Promises, Promises", "I Say a Little Prayer", "The Windows of the World", "Here I Am". Mas não se limitou a apenas um intérprete e gravou com Dusty Springfield ("Wishin’ and Hopin’" e a sedosa "The Look of Love"), Jackie DeShannon ("So Long Johnny", "Come and Get Me", "What the World Needs Now is Love"), Tom Jones ("What’s New Pussycat"), Herb Alpert ("Casino Royale", "This Guy’s in Love With You"), B.J Thomas ("Raindrops Keep Falling on My Head", "Everybody’s Out of Town"), Manfred Mann ("My Little Red Book"), Carpenters ("(They Long to Be) Close to You"), The 5th Dimension ("One Less Bell to Answer", "Living Together, Growing Together"), Cilla Black ("Alfie") além de hits que gravou sozinho (como "Don’t Go Breaking My Heart", "Planes and Boats and Trains", "Pacific Coast Highway").

Desfilando pela alta roda da indústria do entretenimento, ele escreveu para filmes, peças e musicais, ganhando Grammys, Oscars e Tonys. Pianista clássico, Burt acredita na necessidade de se ter uma formação musical para se trabalhar com música ("É preciso conhecer as regras para quebrá-las", diz), embora acredite que a notação escrita ainda falha em relação a alguns sentimentos. Para isso, escreve suas partituras com palavras, criando frases musicais para serem tocadas como se fossem palavras ou sons. "Às vezes uma vogal muda a música inteira", diz o compositor.

Rachou com seu parceiro Hal David no começo dos anos 70, quando passou a cultivar seu próprio som mais que nunca. Casou-se com uma letrista e com Carole Bayer Sanger iniciou uma nova parceria que lhe rendeu outro punhado de hits (culminando com "Arthur’s Theme (The Best that You Can Do)", com Christopher Cross, e "That’s What’s Friends Are For", com Dionne Warwick, Gladys Knight, Stevie Wonder e Elton John). Mas esta segunda fase de sua carreira é como as carreiras solo dos Beatles - o trabalho é bom, mas não chega perto do original.

O melhor de Burt vem da década que o consagrou, quando, com seu som estiloso, puro e belo cativou o coração de milhares de pessoas ao redor do planeta, criando uma utopia de sentimentos onde a música tem um poder quase milagroso de cura. Como um companheiro de balcão, Burt conhece nossos problemas antes que possamos falar. Resta a nós apenas deixar a música (nos) tocar.

Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores
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