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04.01.1999

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JESUS & MARY CHAIN
Sacerdotes da Própria Religião

Por Alexandre Matias 

Há treze anos, quando Psycho Candy saiu, o Jesus & Mary Chain era uma incógnita. Suas referências sonoras eram antagônicas na época – de um lado o ruído ensurdecedor, a microfonia e o barulho em sua forma mais brutal; do outro, a melodia, sessentista, nostálgica, docemente sussurrada. E o imaginário que suas letras pintavam era insólito: uma relação estranha e inédita entre rock e religião submetida a um ar ao mesmo tempo blasé e violento, uma mistura estranha entre poeta e caubói.

Hoje, vários discos depois do gênesis de sua bíblia, é fácil entender o Jesus. São escoceses que enxergam o rock como uma nova versão do cristianismo, Velvet Underground e Beach Boys pagando tributo ao mesmo Cristo – Elvis Presley. Sacerdotes de sua própria religião, o Jesus usa a guitarra como missa e todo o barulho que ela pode fazer como uma forma de resgatar os princípios básicos da comunhão com o senhor – a rebeldia, o inconformismo, o anti-status quo. A microfonia é só o latim – a língua em que a religião soa melhor. A Santíssima Trindade é formada por três acordes que, dispostos da maneira correta, como uma oração, permitem a entrada de qualquer canção – qualquer uma, não importa. "A religião é só uma forma de você refletir o que você representa", explica Jim Reid em entrevista por telefone ao 1999, "criando santos e demônios para representar o bem e o mal, que você pode escolher. Escolhi falar do rock porque ele é muito mais próximo de mim que santos e demônios".

E por rocker eles entendem uma figura meio poeta, meio caubói, sensível e durão que, como eles, podem improvisar um rock básico apenas arrancando frases a esmo de um livro de William Burroughs. Uma pessoa que era produto de "uma revolução de amor que se tornaria uma religião de amor", como escreveu Jack Kerouac, o "novo herói americano, representado pela tríade James Dean/ Marlon Brando/ Elvis Presley – a imagem da própria piedade". Por isso, o ar arrogante – pena disfarçada de orgulho.

Ao passo que os escritores desta nova bíblia abdicam sua função original – pois o grupo fechou suas portas no mês passado, devido às intermináveis brigas entre os irmãos Jim e William Reid -, eles escrevem o último e definitivo capítulo deste livro. Munki não conta o juízo final nem prevê tragédias. Prega que, como o barulho de um amplificador ligado após um show, o rock vai continuar do mesmo jeito.

O disco praticamente define o gênero Jesus & Mary Chain ao trazer suas faixas mais diretas e menos enigmáticas. Aqui, todas as influências são entregues de bandeja, mesmo as menos musicais. É o apocalipse do grupo no sentido do nome do capítulo em inglês – na bíblia anglo-saxã, o Apocalipse é conhecido como Revelations, ou Revelações. O que ocorre em Munki é exatamente isso – todos os selos são abertos, todas as cortinas revelam o que há por trás delas, os anjos tocam suas trombetas, como se fosse o disco definitivo do grupo. "Todos os discos são nossos discos definitivos", Jim discorda, "os discos são os mesmos, como devem ser os discos de uma banda de rock. Essa fórmula do nosso disco é a mesma dos anteriores, só que tem uns que são mais tristes, outros mais raivosos".

Pra começo de conversa, as 15 músicas do disco estão espremidas entre dois berros contraditórios e complementares – o Yin/Yang do rock. "I Love Rock’n’Roll" abre o disco agradecendo a vida que eles levam – "Eu amo o rock’n’roll/ Eu amo o que faço/ Eu preciso de rock’n’roll/ Me faz ir pra onde vou" – e recria diversos clichês do rock ("Não precisa de dinheiro se você tem alma/ Não importa se você é jovem ou velho/ Não importa o que os outros vão dizer") em uma declaração de amor à profissão de fé. "I Hate Rock’n’Roll" fecha o disco em um tom mais áspero, rindo ironicamente que "eu amo o rock’n’roll/ amo a BBC/ Amo a MTV". "Eu odeio o rock’n’roll me odeia" é o clima ao final do disco. Entre a revelação e a venda (dilema semelhante ao da religião), eles abrem todo seu leque de motivos pra justificar o rock. Mesmo que terminem odiando-o a ponto de acabar com a banda.

O tema idade é recorrente no disco – como velhos caubóis, o Jesus lembra que pode ser inofensivo hoje, mas fez o seu estrago. E tem razão – ao casar melodia e peso da forma que casaram os irmãos Reid não só viabilizaram uma forma de comercializar o underground inglês (My Bloody Valentine, Lush, Curve, Swervedriver) como resgataram a canção perfeita do cemitério do establishment pop (Teenage Fanclub, Weezer, Nirvana, Pixies, Oasis – vários nomes dos anos 90 devem as calças ao pioneirismo do Jesus). Então, se hoje eles soam tão violentos quanto os nomes pop que emulavam no início, de Phil Spector à Motown, podem tirar onda de seu passado. "Eu sou um filhodaputa agora, mas já fui cool", cantam em "Birthday". "Eu era um Jesus adolescente maluco/ Que se embebedou de punk e encontrou o próprio pé", continuam em "Stardust Remedy". O barulho é domado por inteiro pela melodia, cada vez mais pop e mais afiada, e as referências ao formato pop são extremas.

Mas eles brincam com a própria cultura pop enquanto elemento de memorabilia. Uma canção (cantada docemente por Linda Reid, irmã dos dois) é simplesmente batizada de "Mo Tucker", a simbólica ex-baterista do Velvet Underground. O Velvet é citado nominalmente em "Stardust Remedy", como o hino ao barulho "Sister Ray "("Tudo que eu preciso é ‘Sister Ray’"). Brincam de teoria de conspiração pra mostrar de que lado estão ("Elvis vive e Bob Dylan morrer/ E a mulher de OJ está voltando dos mortos") em "Fizzy" e não têm vergonha de comparar o rock com qualquer outro produto, como sanduíches ("Commercial" decreta que "McDonald’s é uma merda/ Burger King é legal"). "I Can’t Find the Time for Times" usa os Beatles para definir uma relação ("Eu gosto do Beatle John/ Ela gosta do Beatle Paul/ Não odiamos os outros/ Amamos todos") e conseguem amarrar, novamente, rebeldia e comércio no mesmo verso ("Eles usam drogas pesadas/ Até no Top of the Pops", cantam sobre o Globo de Ouro britânico).

"Never Understood" usa o próprio Jesus & Mary Chain como referência (seu primeiro single chamava-se "Never Understand") e, novamente, a idade vem à tona: "Eu acho que estou saindo de moda/ Eu acho que sempre soube disso/ Eu acho que vou com um sorriso/ Eu acho que vou pra casa". O clima continua descamba para a tensão na blueseira "Perfume", com Hope Sandoval (vocalista do Mazzy Star) miando no início da canção, e fica escuro de vez em "Black", em que explicam sua cor de opção ("Meu clima é preto/ Meus olhos são pretos/ Minha vida é preta/ Meu amor é preto").

 

Munki é uma viagem ao fundo da religião rocker chamada Jesus & Mary Chain e, ao lado de Psycho Candy, seu melhor disco. Ultrapassa outros bons momentos como a coletânea de lados B Barbed Wire Kisses, o conceitual Stone & Dethroned, o terapêutico Honey’s Dead e o semi-acústico The Sound of Speed usando exatamente a mesma fórmula. Mas leva às últimas conseqüências sua fórmula secreta: ao mostrar todas possibilidades de se cobrir uma canção sixties com uma mão pesada de microfonia, o Jesus não só nos conta seu segredo como nos abre seu coração.

O disco é um lamento de dois velhos guerreiros à beira de um balcão, acompanhados apenas de um amigo, o guitarrista Ben Lurie (cuja importância é descrita em "Fizzy" – "Meu amigo Ben pensa que cerveja é comida"). Mas, como todo Jesus, é doce e agressivo – mais do que das outras vezes. A banda pediu as contas no ano passado (Jim e Ben falam de criar uma banda chamada TV Eye, enquanto William lançará um disco solo), embora Jim não acredite no fim: "(O fim) é definitivo, por enquanto", explica rindo, "porque eu não quero ficar com ele, nem ele comigo, pelo menos por enquanto. Pode ser que, no futuro, as pessoas pensem em nossos discos solo como discos do Jesus gravados separados, como uma fase, como os filmes de Elvis. Mas eu não quero pensar nisso agora".

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