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04.01.1999

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PIVETI

Por Fabiano Camargo

"O movimento rap no Brasil é uma fraude". A frase é de um personagem que tem autoridade para falar sobre o assunto: o paulistano Piveti, fundador e ex-membro do grupo Pavilhão 9 e um dos pioneiros deste ritmo no país. "O que existe é o público do rap. Os artistas têm uma união forjada", completa o rapper, para logo depois apontar outra idéia enganosa sobre a cena brasileira. "A maioria do público não está na periferia. A maior quantidade de fãs é formada pela molecada que anda de skate, curte bandas e vai aos shows no underground. É classe média mesmo."

As declarações polêmicas vêm em ritmo de desabafo. O desabafo de alguém que ficou calado por muito tempo. Depois de ficar sem gravar por cinco anos, dois deles passados na cadeia, Piveti está voltando à ativa. Ele reencontrou seu parceiro Branco, também vocalista e outro ex-Pavilhão 9, e juntos gravaram o CD Elos Da Vida, lançado este mês pela Paradoxx Music. A dupla, que participou da formação do grupo Pavilhão 9, quebra o silêncio pregando mudanças no rap nacional. Para eles, este estilo musical não pode mais ficar atrelado exclusivamente a dois temas. "Rap virou sinônimo de duas coisas: bandidagem e periferia", diz Piveti, em entrevista por telefone ao 1999. "É importante fazer protesto, mas a coisa não pode ficar só nisso."

Branco completa afirmando que "esqueceram o ritmo e a poesia no rap nacional". Ele diz isso fazendo uma referência à origem do termo "rap". Em inglês, esta sigla é uma corruptela da expressão rhythm and poetry (ritmo e poesia). O disco dos dois também faz na prática o que eles pregam. Tem suas letras engajadas (como em "Onde SP Acaba") mas também abre espaço para outros temas como a diversão ("Boa Idéia"), a dura caminhada da vida ("Continua...") e o próprio poder de comunicação do rap ("Poder da Voz").

Piveti ganhou liberdade no início deste ano. Ele foi preso em 1995 sob a acusação de roubo. Quase dois anos depois, ganhou indulto para deixar o presídio no Dia dos Pais. Atrasou-se um dia e, quando ligou para retornar, recebeu a notícia de que já era tido como "foragido". Viveu escondido até se livrar definitivamente da pena, depois que a Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo interveio no caso e apontou vários erros no processo. Confira, abaixo, o bate-papo com a dupla de rappers.

1999 - Como vocês avaliam o rap brasileiro de hoje?
Piveti -
Na minha opinião, o movimento tem muito que crescer. O ritmo rap está muito difundido, mas a mente dos artistas está andando para trás. Está tudo muito bitolado. Você cata vinte discos e todos falam do mesmo assunto: periferia e bandidagem. Ser bandido está na moda. O rap não é só isso. Na verdade, acho que o movimento rap no Brasil é uma fraude. O público rapper é o que existe, mas não se pode falar de um movimento. Os artistas têm uma união forjada. O que vejo é um querendo passar a perna no outro. Outro engano é dizer que a maioria do público rapper está na periferia. A grande parte do público é formada pela molecada que anda de skate, que curte bandas e vai aos shows no underground. É classe média mesmo. E não vejo nada de errado nisso. Não faço música para 50 mil manos, faço música para 170 milhões de brasileiros. Quero chegar até onde minha mensagem possa ir.

Branco - Compro todos os discos que saem de rap internacional e nacional. O que tenho escutado entre os artistas brasileiros vem me decepcionando. Tem tanta besteira que até se assemelha com o movimento da garrafa, do axé e do pagode. Escuto dez bandas de pagode e todas cantam músicas iguais: põe a mão no joelho, rebola, põe a mão não sei mais aonde... No rap acontece algo parecido: escuto dez bandas e quase todas as letras falam que o cara foi lá e matou, deu tiro, enfrentou a polícia, voltou pra favela, aí vem outro e mata ele... Pô, nós cantávamos este tipo de rap há seis anos, no Pavilhão 9. Isto está ultrapassado. Virou uma tendência pouco criativa. Estamos vindo para mostrar a diferença.

1999 - Piveti, quando você fala da falta de união, se refere também à sua prisão?
Piveti -
Sou pioneiro do rap em São Paulo e, quando minha carreira foi interrompida graças a um processo judicial cheio de erros, ninguém me ajudou. Você acha que o Mano Brown, o Thaíde e outros levantaram voz por mim? Ninguém se manifestou. Devem ter pensado: "cada um com seus problemas, tô fazendo o meu lado". Então eu acho sacanagem os caras dizerem que a periferia precisa de união. Vendem uma coisa enganosa. Não vou falar da periferia e me valer disso para andar de carro importado na periferia, enquanto uma pá de pai de família trabalha para ganhar R$ 120 por mês.

1999 - Boa parte das bandas de rap fala do universo negro adotando uma certa agressividade contra os brancos. O que vocês pensam disso?
Piveti -
Fizemos um disco para preto, branco, japonês... Não tem distinção. Enquanto os artistas de rap mantiverem a idéia de querer dividir as raças, colocar uma linha entre brancos e negros, entre periferia e a classe média, a coisa não anda. Não combatemos racismo com racismo e nem violência com violência.

1999 - Como vocês explicam o crescimento da popularidade do rap nacional?
Piveti -
O boom do rap não foi o Racionais que deu, como muita gente quer colocar. O rap da periferia, até pode ser... Mas quem fez o rap acontecer na mídia foi o Gabriel O Pensador. Ele que abriu as portas. E não vejo nada de errado nisso. As mesmas raízes musicais dele são as minhas: ele faz rap. Ele estudou na PUC e eu tenho só a cultura de rua, mas não é por isso que não vou respeitá-lo.
E também respeito os Racionais.

1999 - Como foi voltar a trabalhar em dupla?
Piveti -
Nossa parceria é interessante porque temos formas diferentes de escrever e gostamos de estilos diversos. É como se pegássemos duas estradas que vão para o mesmo destino. O Branco gosta de um rap mais nova-iorquino e de coisas como Mase, Wu-Tang Clan, Puff Daddy. Eu sou mais Califórnia, Los Angeles, a coisa do rap pesado, com muitos graves e batidas arrastadas.

1999 - A experiência de ser preso influenciou este seu novo disco?
Piveti -
Não influenciou diretamente. A cadeia foi uma dor muito forte na minha vida, uma coisa muito pessoal. Evitei contar nas letras as coisas que eu passei lá dentro porque um disco é para sempre e, para mim, aquele experiência é como se eu estivesse ficado em coma. Mas de tudo que aconteceu, acho que 30% foi ruim e 70% foi bom. Na cadeia aprendi a valorizar o ser humano. Aprendi também que todos somos iguais na hora da dor. Hoje sei que nada nesse mundo compra a liberdade de se expressar, de ir e vir. Não escrevi muito rap lá dentro. Você vive o estresse 24 horas por dia.
A expectativa é de que a qualquer momento vão deixar você ir embora ou vai explodir uma rebelião.

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