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04.01.1999

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RELESPÚBLICA
Renascendo das cinzas

Por Abonico R. Smith

Manhã nebulosa do dia 9 de maio de 1994. O céu cinzento de outono anuncia o inverno que está para chegar. A pior notícia, entretanto, não é o frio vindouro. O telefone toca e alguém da banda anuncia aos prantos que o vocalista Daniel Fagundes acaba de falecer e o velório seria em uma das capelas do Cemitério Parque Iguaçu. Daniel, de apenas 16 anos, não resistiu aos ferimentos internos provocados por um acidente automobilístico que afetou também o seu companheiro de grupo Emanuel Moon (o baterista quebrou os ossos da bacia) e o trio guitar conterrâneo Good Witches (dois estão em estado de coma e o outro corre o risco de ter o braço amputado). A tragédia que abala profundamente o rock curitibano coloca em risco o futuro de uma grande e promissora banda do underground nacional.

Maio do ano posterior. Sob comando de um empresário falastrão, a banda, parcialmente refeita do baque da morte de seu vocalista, embarca em uma trip de tocar em Londres, no histórico palco do Brixton Academy, ao lado de Chico Science & Nação Zumbi. A história se espalha por todo o país, gerando muita curiosidade e inveja entre os habitantes dos porões tupiniquins. Entretanto, são muitos planos e promessas que não sairão da imaginação e ainda provocarão um sério arranhão na imagem e credibilidade da Relespública.

Fevereiro deste ano. Convidada para ser uma das atrações do Prêmio Fun, a Reles consegue deixar todos os seus antigos admiradores de queixo caído. O trio está irreconhecível no palco. Totalmente sem gás por parte dos músicos (muito por causa dos incontáveis shows anteriores dados para uma meia dúzia de gatos-pingados na platéia), a performance fica algo entre o bisonho e o constrangedor. No palco, o grupo parece tão perdido feito cachorro que cai de caminhão de mudança. Fica a impressão: seria o fim precoce da Relespública, banda que encantava justamente pela equação baixíssima média de idade + inigualável fúria roqueira + incrível capacidade de construir hits com grandes melodias = personalidade impensável para um bando de moleques que dispensou todos os heróis de sua geração para as espinhas para ouvir Who, Small Faces e Jam?

Todas as evidências apontam para um único caminho e ninguém em sã consciência aposta que uma reviravolta venha em breve e coloque de novo a Relespública no trilho certo. Com a mesma rapidez que tirou a vida de Daniel, porém, o destino trata de pregar outra peça para Fábio Elias (guitarra e vocais), Ricardo Bastos (baixo e vocais) e Emanuel Moon (bateria). Dois novos integrantes são agrupados - por causa de uma forte laringite que vem abatendo o gogó de Fábio há tempos, Kako Louis abandona temporariamente as baquetas dos Magnéticoss para substituir o guitarrista nos vocais principais; e Roger Gor, ex-membro de várias pequenos grupos underground da cidade, assume os teclados, elemento até então inédito na sonoridade da Reles. E, como em um passe de mágica, a banda não só recuperou a mesma pegada matadora de antes, como também finalmente consegue lançar o tão sonhado primeiro álbum, já ensaiado há mais de um par de anos.

BEST OF - Disco de título irônico e altamento provocativo em tempos de gravadoras, rádios e tevês tomadas por tanto axé, pagode e sertanejo, E O Rock'n'Roll Brasil!? (Cooperativa de Bandas Independentes de Curitiba) chega para colocar os pingos nos is e recolocar a Reles no lugar de onde nunca deveria ter ameaçado sair, o panteão das pequenas grandes bandas nacionais. Gravado com o máximo de recursos possíveis para um empreendimento indie brasileiro (técnicos de estúdio altamente capacitados; sonoridade tão a limpa a ponto de deixar o ouvinte distingüir todos os instrumentos e overdubs utilizados; cortes precisos, que quase não dão tempo de respirar entre uma música e outra), o álbum procura resumir toda a trajetória de quase uma década. Por isso, nada mais natural que esteja recheado de hits locais e peças indispensáveis nos set lists dos shows dados até hoje.

Mais do que um best of de estréia, porém, E O Rock'n'Roll Brasil!? é um puta disco. De rock. Básico, popular (com uma quantidade de refrões e melodias ganchudas por metro quadrado jamais vista em grupos brasileiras nos últimos tempos) e de alta qualidade, três elementos que parecem inconjugáveis hoje em dia. "Demoramos para gravá-lo por queríamos fazer um disco que mostrasse que estamos musicalmente afiados e ainda satisfizesse toda a banda", atesta Ricardo. "Também queremos agradar ao nosso público, sem fazer nada de qualquer jeito", completa o guitarrista. "Queira ou não queira, este é o momento certo. A gente era novo demais antes e não abrimos os olhos para questões básicas, como ter um produtor certo", continua Fábio.

A fase é de tanta independência que os próprios músicos abriram um escritório para tocarem eles mesmos os negócios do grupo. "Percebemos que tudo tem o seu devido tempo", acrescenta Emanuel, não por acaso o dono da casa onde fica o escritório. A chegada da maturidade está bem clara para a Reles. "Aprendemos como não se deve fazer as coisas. Hoje vemos que para manter a continuidade de uma banda é necessário um gasto constante. Temos que bancar gravações, fotos, gasolina para tocar ou dar entrevistas e tudo o mais. Se ficar um mês sem aparecer no jornal, acabou a banda, ninguém vai se lembrar da gente. Então vão cinco paus em um dia, dez no outro e a produção acaba levando tudo a mil por mês, por exemplo", acrescenta o baterista.

ATITUDE - Fazer parte do Independente Futebol Clube, no entanto, tem suas vantagens - e a Reles reconhece. "Provavelmente nunca teríamos a mesma liberdade dentro de uma gravadora. Fizemos o disco inteiro em duas etapas (Nota: primeiro foram gravadas todas as bases com o trio básico de instrumentos e meses depois as sessões foram finalizadas com a inclusão de teclados, vocais e backings), longe de qualquer cobrança", comenta Fábio, sem perder a chance de disparar uma máxima logo em seguida. "Por falar em gravadoras, acho que elas deveriam parar de insistir nas bundas da música brasileira e começar a mostrar de novo as bandas."

Tomando o rock'n'roll como estilo (alguém se convence de que Titãs, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho ainda fazem rock?) a Reles esbanja bom humor na hora de falar sobre atitude. "O que anda faltando nos compositores é ousadia. Os poetas de hoje bebem todos suquinho diet e cerveja sem álcool. Eles não vivem a vida, têm medo das conseqüências", analisa Fábio. Este comentário, por sinal, deixa toda a pista do que encontrar nos 36 minutos do CD: muita bagagem de música negra (blues, rhythm'n'blues, soul e até ska), guitarras altas e cortantes e versos que não têm a mínima vergonha de externar sentimentos. "Estamos longe da fórmula do rock'n'roll brasileiro, daquela coisa quadrada e cheia de besteira", diz o guitarrista.

Realmente, pode dilacerar o coração ouvir faixas como "Sol Em Estocolmo" ("O pôr-do-sol entre as árvores/ Montes e vales por sobre a luz/ Meia-volta é o prazo para renascer/ (...) Realmente estou indeciso, como o sol/ Sem ao menos saber de que lado ficar"), "Adeus" ("Adeus, amor! Adeus, meu bem!/ A Deus louvor! A Deus amém!/ É pro inferno que eu vou descer/ Abraçar aqueles que me querem bem") ou "Ele Realmente Era Mod" ("Nunca mais tão jovem quanto ontem/ (...) Nunca mais tão mod quanto ontem/ Você morreu antes de envelhecer"). O efeito, entretanto, é bem mais gratificante do que alguns puros êxtases radiofônicos. E até na hora do nonsense, a Reles sabe fazer humor sem soar engraçadinha - como na seqüência "Ma-mammaoola/ Ma-mammaoola oola sing sing song/ A sing sing sing sing sing sing song/ A ding ding ding ding ding ding dong/ A king king king king king king kong/ A ling ling ling ling ling ling long!!!", parte da letra do hit "Mammaoola".

Depois de abrir a porteira, a Reles mostra que não quer mais perder muito tempo para deixar passar os bois e já demonstra o interesse em gravar logo o segundo álbum. Farta capacidade criativa do compositor Fábio Elias (ser capaz de criar quatro músicas novas a cada vez que pega o violão) e pique não faltam. Agora que sentiu o gostinho de ter um disco solto na praça e já sendo executado em algumas rádios, a Relespública começa a rascunhar seu plano estratégico de conquista de todos os corações verde-e-amarelos.

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