Image1.JPG (15354 bytes)

01.02.1999

INFORMAÇÃO
Garbage
Tom Zé
Câmbio Negro
Catalépticos

P&R
Lobão
Cowboys Espirituais
Max Cavalera

COLUNISTAS
CINISMO ALTO-ASTRAL
por Émerson Gasperin
ESPINAFRANDO
por Leonardo Panço
OUTROPOP
por G. Custódio Jr.
PENSAMENTOS FELINOS
por Tom Leão
ROCK & RAP CONFIDENTIAL
por Dave Marsh
atenciosamente,
por rodrigo lariú

CORRESPONDENTES
INTERNACIONAIS

A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO NORTE-AMERICANO
por Cassiano Fagundes
WICKED, MATE
por 90

BR-116
Pequenas Capitanias
Comédias
Outros Carnavais

Por Fora do Eixo

Arroz com Pequi
Loniplur-RJ
Das Margens do Tietê
Distancity
Leite Quente
Londrina Chamando

HISTÓRIA
DO ROCK

Bruce Springsteen
O último show dos Beatles
Genesis
"The Way of Vaselines"

FICÇÃO
Leia no último volume
Canalha!
Miniestórias

RESENHAS
Portishead
Chico Buarque (show)

Deejay Punk-Roc
Ninja Cuts
Jon Spencer Blues Explosion
Dazaranha

Snooze
U.N.K.L.E.
Pearl Jam

New Order (show)
Rock Grande do Sul
Spiritualized
Damned
NME Premier Festival (shows)
Delgados
Punk Rock Stamp
Fellini (show)
Plastilina Mosh
Neutral Milk Hotel
Fury Psychobilly
Gastr Del Sol
Pólux

Afghan Whigs
Ritchie Valens
Marcelo D2/ Resist Control (show)
Limbonautas
Car
tels
Ba
bybird
Elliot Smith

E-MAIL

CARTAS

CRÉDITOS

VASELINES
The Way of Vaselines - A Complete History
Por Abonico R. Smith

Quando esta década expirar e passar a fazer parte de páginas de livros e enciclopédias da musica pop, certamente uma microgravadora americana vai ganhar um bom espaço. Misto de lojica da esquina e selo pilotado por dois donos malucos para gravar muitos compactos e alguns álbuns das bandas locais, a Sub Pop entrou para história por haver descoberto o Nirvana (quase unanimidade quando apontado como o maior nome do rock dos últimos tempos) e ter sido a grande casa do grunge. Além do trio de Kurt Cobain, Jonathan Ponemann e Bruce Pavitt revelaram ao mundo outros renomados bastiões made in Seattle. A lista é grande e engloba popularzões (Soundgarden, Mudhoney e Pearl Jam em sua encarnação anterior como Green River), nomes cultuados no meio alternativo (Tad, Seaweed, Fastbacks, Love Battery, Fluid, Thee Hypnotics) e mais um carrilhão de outras pequenas bandas da cidade e de outras cidades americanas.

No extenso catálogo da Sub Pop, entretanto, existe uma pequena pérola longínqua, vinda de muito além da distante Costa Leste, mais precisamente do outro lado do Oceano Atlântico. A princípio nada parece chamar a atenção. A capa é em preto e branco, seguindo a estética tosca dos fanzines xerocados. O casal da capa aparece em sorrisos e alegria, momentos tenros que chegam a lembrar os reis da pieguice seventie que atendem pelo nome de Carpenters. A contracapa segue a receita da despretensão, listando as dezenove faixas e dando uma breve explicação sobre cada uma delas. O encarte, simples, traz o mesmo casal sentado na grama e em estado de contemplação, uma breve história assinada pelo integrante Eugene Kelly e a ficha técnica.

Nela, uma revelação: a compilação de dois singles e um álbum - posto à venda pela Rough Trade (que anos antes lançara os mais importantes trabalhos dos Smiths), já que o pequeno selo 53rd & 3rd quebrou exatamente na semana do lançamento em terras britânicas - é, na verdade, todo o material gravado pela dupla.

Formado na cidade escocesa de Glasgow por Eugenius e Frances McKee, cuja voz cândida pode até trazer certos paralelos com a da mineira Fernanda Takai (frontwoman do Pato Fu) o Vaselines é o verdadeiro tesouro do famoso selo de Seattle, que se encarregou de levar ao mercado americano, em 1992, a compilação The Way Of The Vaselines - A Complete History, até hoje não disponível em edição nacional. Às vezes auxiliada por dois músicos de apoio (o baixista James Seenan e o baixista Charles, irmão de Eugenius), a dupla foi formada tendo apenas uma coisa em mente: diversão. Entre costumeiras escapadas ao pub durante os ensaios, o Vaselines encarou de frente o desafio de entrar em estúdio sem qualquer experiência anterior ou tutela de produtores veteranos. Do-it-yourself na marra e o grau máximo de cara-de-pau que pode haver no ego desleixado de dois não-músicos. Tudo explica o punhado de arranjos amadoristicamente lo-fi.

Ouvir as dezenove faixas de uma tacada só é experimentar um verdadeiro samba do crioulo doido. Muita herança de scottish folk e punk rock cru, divididas fraternalmente em músicas distintas. Além da bela combinação de microfonias, violões e distorções, pequenos temperos aparecem aqui e ali - riffs e batidas decalcadas do rockabilly, um ou outro blues, psicodelismo, country (com direito até a rabeca), funk e até referências indianas (tablas e cítara).

Esta mistureba, que poderia parecer intragável a princípio, ganha um charme a mais com uma bela costura. O mundo cantado por Eugenius e Frances em letras curtas e repetitivas é todo particular. Naïve, sobretudo. "Son Of A Gun" (com regravação do Nirvana em sua coletânea de compactos Incesticide) abre o disco trazendo um container de pura ternura. Guitarrinhas levemente desafinadas, singelo pianinho no refrão e a doce Frances mandando no refrão "O sol brilha no meu quarto quando você toca/ E a chuva sempre começa quando você vai embora" fazem qualquer alma se render à dupla logo de cara. "Molly's Lips", também gravada pelo Nirvana e disponível no mesmo Incesticide, usa um discreto groove billy e buzinas de bicicleta nem tão disfarçadas assim como fundo de uma despretesniosa declaração de carinho por Molly Wier, espécie de Hebe Camargo escocesa que apresenta na tevê de lá um programa durante a hora do chá.

A festa continua na regravação de "You Think You're A Man", coleção de quatro versos compostos pelo travesti Divine, a principal estrela de alguns antológicos filmes trash dirigidos por John Waters. Sobre a batida disco da contínua bateria eletrônica e linhas de baixo sintetizadas, Eugenius e France se revezam ad infinitum cantando "Você pensa que é um homem mas é só um garoto/ Você pensa que é um homem mas é só um brinquedo/Você pensa que é um homem mas não pode perceber/ Que não é homem o suficiente para me satisfazer". E por aí vai quase todo o resto do álbum, falando sobre assuntos juvenis como quarto, tédio, beleza e escritores idolatrados. Até para falar de ácido, a metáfora persegue a ingenuidade, como no título "The Day I Was A Horse".

O único detalhe sério nos Vaselines é a obsessão pela temática religiosa, o que se explica pela forte tradição presbiteriana instalada na Escócia. "Sex Sux (Amen)" traça uma visão bem particular de A Última Tentação de Cristo ("Eu nasci do pecado original" e "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" são versos berrados pela dupla). Em "Teenage Superstars", Cristo se confunde com momentos de tédio dentro do quarto. Já no quase hino religioso (com direito a tocantes riffs levados ao violino) "Jesus Wants Me For A Sunbeam" (também regravado pelo Nirvana, desta vez no seu especial de tevê Unplugged In New York), Eugenius posa de iconoclasta para mostrar o quanto ele não deseja se ecnontrar com a morte tão cedo ("Não espere que eu minta/ Não espere que eu chore/ Não espere que eu morra por Ele" manda o vocalista).

Se afundou junto com seu selo (e na tentativa de profissionalização de Eugenius, que meses depois montou uma guitar band com seu próprio nome, gravou dois bons discos e sumiu do mapa assim como a parceira Frances já havia feito), o Vaselines deixou para a posteridade um único e excelente álbum. Descobri-lo ainda continua sendo uma bênção divina dos deuses dos bons sons.

Os textos só poderão ser reproduzidos com a autorização dos autores
© 1999

Fale conosco