FJORD TROPICAL : SACO DE MAMANGUÁ
PARATY - RJ - BRAZIL
POR : ROBERTO ÁVILA BERNARDES
Nas últimas décadas a ocupação humana, bem como as atividades industriais e exploratórias no litoral brasileiro têm contribuído para a degradação do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis. A superexplotacão produzida pela atividade pesqueira através de técnicas altamente destrutivas, como as redes de arrasto de fundo, tem causado reduções nos estoques costeiros em taxas alarmantes. A ação dessas redes de pesca interfere no equilíbrio das populações, pois capturam individuos muito jovens e também destroem os recursos alimentares dos mesmos, provocando baixa disponibilidade de alimento para os peixes e outros organismos que compõem a cadeia alimentar.
Como resultado disso, ocorre uma queda na produtividade natural e eliminação de espécies ecológica e economicamente importantes, com consequências sociais agravantes. .
Em 1989, o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo iniciou um grande projeto sobre o Ecossistema do Saco de Mamanguá localizado próximo à cidade de Paraty - Rio de Janeiro, que comporta-se como um sistema estuarino-lagunar com baixa circulação de água e sedimentação lamosa, apresenta um mangue ao fundo, praias ao longo de sua extensão e pequenos rios. A Mata Atlantica, que circunda a região, possui características naturais bastante conservadas.
Durante esse projeto foi estudada a diversidade bioiógica, a disponibilidade de elementos nutrientes e a hidrodinamica desse ambiente. Foram observados sinais de degradação e alteração devido à ação humana sentidos principalmente pela baixa disponibilidade dos recursos pesqueiros. Ouviu-se diversas reclamações da comunidade caiçara quanto ao desaparecimento do pescado.
Por dois anos de pesquisa observamos que 100 espécies de peixe, 3 espécies de camarão, 2 espécies de siri e diversas espécies de outros organismos vivem permanente ou temporariamente em Mamanguá, que constitui um importante ecossistema para a sobrevivência e conservação dessas espécies, servindo como área de berçário, proteção de juvenis e adultos, além de área de alimentação.
Entretanto, uma pesca intensiva tem sido praticada nesse ambiente, colocando em risco a permanência e desenvolvimento das espécies e afetando, diretamente a produção pesqueira e a qualidade de vida da comunidade caiçara. Por se tratar de um ambiente restrito em sua forma e de uma pesca predatória a pesca do casuão, esse fato torna-se mais agravante. Os próprios pescadores são unânimes em dizer que o estoque pesqueiro reduziu bastante nos últimos anos. Com isso, a atividade pesqueira vem se tornando precária, trazendo como conseqüência a retração na renda familiar e o deslocamento das pessoas para a cidade, em busca de outras fontes de renda.
Se essa pesca continuar, em pouco tempo a fauna de Mamanguá estará tão comprometida, que será difícil reverter o processo. A partir dessa constatação, sentimos a necessidade de desenvolver algum trabalho para recuperação da fauna marinha e proteçao dessa área.
Em agosto de 1991 iniciei estudos à procura de técnicas, quando através de bibliografias, descobri entre outras, os recifes artificiais. E junto à " Amam " Associação dos Moradores e Amigos de Mamanguá, representada pela socióloga Elizabeth Robert de Moraes Bjorkstrom, foi iniciado um trabalho de discussão sobre essa técnica com a comunidade caiçara, envolvendo a Secretaria do Meio Ambiente de Paraty e Prefeitura Municipal.
Em 1992, o primeiro protótipo foi colocado na água e em nove meses observou-se que os pneus foram totalmente cobertos por algas, anêmonas e outros organismos, o que comprovou a eficácia da técnica. No ano seguinte, numa quinzena de educação ambiental sobre o ecossistema de Mamanguá realizada em Paraty, foram expostos os projetos do
" IOUSP " e o de Recifes Artificiais com palestras aos pescadores e população.
Em julho deste ano, em um debate na ECOTV de Paraty, com a presença de pescadores, Secretário do Meio Ambiente, um Representante da Capitania dos Portos e Representantes da Prefeitura de Angra dos Reis, foram discutidos aspectos da pesca e do projeto de recifes artificiais. A mesma exposição está agora no Instituto Oceanográfico da USP, que deu total apoio ao projeto.
Tendo em vista a dificuldade dos orgãos competentes em fiscalizar e preservar a região costeira, a solução seria implantar recifes artificiais em pontos estratégicos do litoral para recuperar a fauna degradada.
Suas principais funções são:
- Aumentar a produtividade natural pela disponibilidade de novos habitats para organismos
sésseis ou fixos, e pelo estabelecimento de uma cadeia alimentar associada;
- Proteger organismos juvenis e áreas de bercário da ação das redes de pesca;
- Fornecer e/ou recuperar o recurso pesqueiro das comunidades caiçaras e limitar a pesca em áreas onde a pesca comercial compete com a artesanal.
Alguns países como Estados Unidos, Indonésia, Japão e outros, preocupados com a conservação e aumento dos recursos naturais, já têm implantados há algumas décadas os recifes artificiais como mecanismos para aliviar problemas de disponibilidade de recursos, como fonte de alimento, emprego, renda e recreação.
No entanto, a mais importante qualificaçao para eles é sua viabilidade econômica e sua contribuiçao para o bem estar social das pessoas envolvidas com o manejo e uso deles.
Sinais de sucesso despontam para organismos que vivem no fundo do mar, como lagostas, polvos, camarões e peixes. Futuramente, espera-se que constituam um laboratório submarino natural para o desenvolvimento de estudos de ecologia, para o ensilio acadêmico e para o lazer.
Muitos recifes sao construídos com materiais descartados, como carcaças de carro ou navios. Entretanto, alguns podem poluir o ambiente marinho pela reação química com a água do mar e inibir o crescimento e alterar habitats, devido à s sua toxicidade. Experiências têm mostrado que pneus velhos são os mais adequados, devido ao baixo custo, estabilidade física e química sob a água, ou seja, não poluem, alta durabilidade.
O número de cavidades e superfícies proporcionadas, e pela facilidade de manuseio.
Estruturas de concreto apresentam excelentes características físicas, grande durabilidade e estabilidade química, mas sua utilização é limitada em virtude do elevado custo. Esse tipo de material é mais empregado no Japão. Também foi realizada uma experiência nas llhas Cánárias principalmente Gran Canária que sofreu maior destruição devido ao turismo.
Desenvolvida pelo Museu Americano de História Natural de Nova Iorque, em que foram instaladas 10 redes intercaladas com 150 biocos de concreto. Em três meses já apareceram peixes. O conhecimento sobre o comportamento e aspectos do ciclo de vida dos organismos marinhos é extremamente importante para a determinação dos tipos de estruturas a serem instaladas, da forma e do tamanho do recife. Os resultados são observados a médio e curto prazos na medida em que serão impedidos os arrastos da pesca comercial em locais específicos e estarão disponíveis novos habitats para o recrutamento e colonização pela fauna e flora marinha.
CARACTERISTICAS E LOCALIZAÇÃO
Algumas características físicas são importantes e devem ser consideradas na escolha da melhor estrutura, como altura, extensão horizontal, "design", orientação, arranjo espacial, número de camaras e aberturas, espaço instersticial e textura do material. Os recifes são formados por módulos e cada módulo construído com subunidades formadas por 4 pneus. Cada subunidade tem em média uma altura de 70 centímetros, e o número de subunidades de cada módulo é determinado de acordo com a profundidade local e variações de marés. Os módulos são fundeados com poitas dc pedra ou concreto. Um planejamento feito junto à comunidade caiçara favorecerá a pesca artesanal, porque os pontos de colocação serão determinados estrategicamente.
A idéia é fazer com que a comunidade caiçara se envolva com o projeto de forma integral e participativa para ter continuidade. E, ao mesmo tempo, criar conscientização sobre a viabilidade de um desenvolvimento sustentável na região. Os recifes substituem técnicas rudimentares antigas de atração e agregação de peixes, já que promovem a recupera,cão da cadeia alimentar. Tais técnicas consistem na colocação de troncos de madeira e galhos de árvores no fundo do mar. funcionando apenas como armadilha, podendo assim causar a sobrepesca e eliminação das espécies.
Atualmente, o projeto necessita da aprovação pelo DHN — Departamento de Hidrografia e Navegação da Marinha para a instalação, além de financiamento para a implantação e monitoramento, já que é uma iniciativa sem vínculos institucionais diretos, contando apenas com o apoio do IOUSP, da Prefeitura de Paraty c de pescadores artesanais.
O conhecimento sobre os aspectos do
ciclo de vida dos organismos marinhos
é importante para determinar os tipos
estruturas a serem instaladas, da
forma e do tamanho do recífe.
O Projeto "Recifes Artificiais", apesar de ser uma inovação para uma comunidade de modo de vida tradicional como a comunidade cai,cara, é reconhecido por eles como sendo uma técnica eficientc para a recolonização da fauna marinha, segundo a socióloga Elizabeth. Ela confirrna isso com dois depoimentos, como do Sr. Afonso Espíndola, nascido e criado na margem oeste do Saco de Mamanguá, que sempre quando é consultado sobre o assunto, afirma: "Em meus quase 70 anos de pesca estou seguro que passados alguns meses debaixo d'água o recife vai atrair muitos peixes e todo mundo vai querer pescar ali sabendo quc tem peixc entocado". Assim como ele, outro pescádor que nasceu na margem leste do Saco, Benedito Grande, diz que "é só esperar o tempo de incrustacão nos pncus para encher de peixe junto dos recifes". E completa: "Quem não vai gostar são os barcos de arrasto, mas para os pescadores miúdos é o melhor que pode acontecer".
Oceanógrafo Coordenador
ONG : Associação dos Moradores e Amigos de Mamanguá - AMAM (011) 3064-1861