Luiz Gama


Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador (BA) a 21 de junho de 1830 e morreu em São Paulo a 24 de agosto de 1882. Aos dez anos foi vendido pelo pai como escravo e seguiu para o Rio de Janeiro de onde foi conduzido a São Paulo. Em 1848 deixou o cativeiro e assentou praça na força pública. O abolicionista negro teve sua ascensão social vinculada ao fato de deixar a condição de escravo e também à sua entrada, em 1848, para a Força Pública da Província ou Corpo de Força de Linha, instituição que foi criada pelo decreto de 22-01-1820. Esta era composta do Corpo de Pedestres e da Companhia de Caçadores, aos quais estavam engajados os praças da guarda policial, e tendo por fim guarnecer as fortalezas e os destacamentos das Províncias na tentativa de evitar qualquer tipo de rebelião, comum na época, contra as Cortes Portuguesas. Sofreu modificações em sua organização interna em 1831, 1835 e 1846, porém seu objetivo principal continuou sendo manter a lei e a ordem, seja com relação a revoltas e badernas, seja na destruição de quilombos e captura de escravos1. Criado em 1831, o Corpo de Municipais Permanentes da cidade de São Paulo tinha as mesmas atribuições gerais acima descritas e era uma milícia bem disciplinada, embora em 1846 fosse mal paga, demorassem as promoções e estivessem em más condições os equipamentos e as instalações2. Por insistência de Lúcio de Mendonça, advogado e amigo, Luiz Gama escreveu uma carta autobiográfica que utilizei como base para este trabalho. Foi como soldado que ele conquistou sua liberdade. Entretanto, não ficou satisfeito com apenas esta vitória, seguiu em busca do desenvolvimento intelectual, único espaço de ascensão social permitido pela sociedade escravista. Para isso, atuava concomitante como copista para o escritório do escrivão major Benedito Antônio Coelho Neto e como ordenança no gabinete do Conselheiro Furtado de Mendonça. No ano de 1854 teve baixa da Força Pública por insubordinação e em 1856 foi nomeado amanuense da Secretaria de Polícia. Três anos depois publicou seu único livro de poesias. Em 1868, ano em que ocorreu a queda do gabinete chefiado pelo liberal Zacarias de Góes e Vasconcelos, foi demitido, de acordo com Lúcio de Mendonça, a bem do serviço público.  O governo de D. Pedro II patrocinava a política de favorecimentos pessoais e a sucessão freqüente de gabinetes com a rotação de partidos. A despeito da presença constante do imperador na vida política do país, essas trocas não comunicavam à população um sentimento de continuidade, pois a cada gabinete mudava-se deste os membros da Corte até os funcionários dos distritos3. Como Gama tinha vínculos, no inicio de sua carreira, com os membros do partido Liberal, com o qual se identificou até o surgimento do partido republicano, sofreu as conseqüências daquela política personalista colocando a nu em sua narrativa as características non sense das práticas consideradas "normais" nas relações sociais do império. O mundo que pode ser revelado e pressentido a partir da autobiografia de Gama nos coloca frente à frente com o escândalo dos problemas morais e ideológicos da monarquia escravista em crise4. Ao longo de sua vida ele colaborou em diversos periódicos e atuou como rábula junto ao fórum de São Paulo. Alijado do serviço público, dedicou-se à imprensa, trabalhando em diversos jornais satíricos de São Paulo, e à atividade de rábula, na qual sobressaiu-se por defender causas em favor de pessoas escravizadas. Sua atuação na defesa de escravos foi muito ampla. No âmbito jurídico tanto buscava provar que os negros haviam entrado no país após a proibição do tráfico - 1850 - como defendia aqueles que possuindo um pecúlio esbarravam na intransigência dos seus senhores, que não queriam aceitar a liberdade, e, também patrocinava alforrias condicionais. Na imprensa denunciava a escravidão como fator de degradação do ser humano e da sociedade. Esta, tendo-a por alicerce, centrava sua economia, política, e cultura na desigualdade entre os homens e na sua justificação a partir dos conceitos de inferioridade e superioridade aplicados às relações sociais, o que feria a perspectiva humanista que Gama tinha das relações sociais. Após longo período doente, Luiz Gama faleceu a 24 de agosto de 1882 na cidade de São Paulo. A descrição de seu enterro feita por Raul Pompéia patenteou a dimensão da importância das atividades desenvolvidas por ele na cidade. A presença de brancos e negros, pobres e ricos, moços e velhos, transformou em ato público o que deveria ter sido apenas um sepultamento. Naquele mesmo momento, Gama tornou-se símbolo do movimento abolicionista paulista e de seu radicalismo.

NOTAS:
1 DEMONER, Sônia Maria. História da Polícia Militar do Espírito Santo 1835 - 1985. Vitória: Departamento de Imprensa Oficial, 1985, p. 38 e seg.
2 MORSE, Richard. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difel, 1970, p. 108.
3 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1976, V. 1, p. 357.
4 SCHWARZ, Roberto. "Autobiografia de Luiz Gama." NOVOS ESTUDOS CEBRAP. São Paulo, (25): outubro de 1989, p. 137.
5 POMPÉIA, Raul. Última Página na Vida de um Grande Homem. A GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: 03 de setembro de 1882.

Profª. Ms. Hileia Araujo de Castro
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