É um nome quase sempre mencionado quando se fala de lutas marciais orientais, principalmente Kung Fu, desde os primeiros anos de 1970. Quem foi ele e que ele fez, para que ainda hoje nos preocupemos com legados deixados por ele durante sua carreira meteórica profissional, como mestre de Kung Fu e ator de cinema, ao meditarmos sobre os valores reais de que uma luta marcial deve ser hoje em dia? Nos anos 60 do século 20, nos Estados da Costa Oeste dos E.U.A., nas ruas de Chinatown e na cabeça de um estudante universitário norte-americano recém-chegado de Hong Kong, então uma colônia britânica na parte extrema meridional da China, havia algo inquietante. Foi a aparição do Orientalismo junto ao Movimento da Contracultura assolando todas as noções relativas a tudo o que era do Oriente. Hippie, Hare Krishna, Budismo Zen, Freud, Herbert Marcuse, Wilhelm Reich, Carlos Castañeda, Karatê, Meditação Transcendental, Yoga e Kung Fu faziam partes das peças de uma grande quebra-cabeça chamada do Movimento Contracultura com a reinterpretação dos valores culturais, políticos e ideológicos no mundo inteiro. Sob clima cultural deste caldeirão de ingredientes tão díspares, o jovem Bruce Lee sonhava com o Santo Graal de técnicas combativas corporais vulgarmente chamadas de Artes Marciais ou Kung Fu na China.
Bruce Lee (Lee Jun Fan em cantonês) nasceu no Hospital chinês da cidade de San Francisco, CA, E.U.A. no dia 27 de novembro de 1940, como terceiro filho do casal sr. e sra. Lee Hoi Chuen. O sr. Lee Hoi Chuen era um famoso ator da Companhia Cantonesa de Ópera que fazia uma turnê (tournée) pelas várias cidades norte-americanas na ocasião do nascimento de Bruce Lee. A sra. Lee (cujo nome é Grace) foi uma mestiça de pai alemão e mãe chinesa, que acompanhava o marido na viagem aos E.U.A.. Terminando a viagem de apresentações teatrais, aproximadamente três meses após o nascimento de Bruce Lee, a família de Bruce retornou para Hong Kong, onde Bruce Lee passou a maioria da sua infância no meio da grande confusão social, econômica e política causada pelo fim da Segunda Guerra Mundial (Guerra do Pacífico) e a ascensão do governo comunista na China com a qual uma grande leva de gentes chegou a Hong Kong comprimindo ainda mais esta já superpovoada pequena Jóia do Sul da China. Embora Bruce fosse de índole extrovertida e gostasse muito de conversar, correr e brincar com outros da sua idade, cultivava o hábito de leitura por longas horas, que mais tarde lhe possibilitou estudar centenas de obras sobre artes marciais, em especial Kung Fu, e poder sintetizar sua maneira peculiar de lutar. Pela observação cuidadosa das declarações de Bruce Lee, podemos deduzir alguns pontos importantes acerca das suas idéias sobre artes marciais, em especial Kung Fu: ele teve uma grande compreensão sobre importâncias das ditas "Escolas Internas de Kung Fu (Nei Jia Quan)", Xing Yi Quan, Tai Ji Quan, Ba Gua Zhang e Tong Bei Quan; o Taoísmo alquímico, mais do que o budismo, influenciou pensamento de Bruce Lee; a fusão de métodos tradicionais de treinamento de artes marciais do Extremo Oriente e os da ciência esportiva ocidental; a adoração do princípio da famosa frase "Corpo são, mente sã"; o cultivo de técnicas genéricas de combate em detrimento de técnicas específicas locais; a utilização redundante de todos os canais de sentido do organismo humano, efeitos sonoro, visual e gestual, para confundir adversários, etc.
Durante sua infância,
ele participou de vários filmes, sendo alguns grandes sucessos
de bilheteria. Bruce não era um bom estudante, gostando
mais de brincar e envolver em brigas do que de estudar. Costumava
participar de confrontos entre gangs juvenis, muito comuns na
época, e foi por temer represálias que fez ele começar
a praticar Kung Fu. Segundo Bruce se lembrou, ele acompanhava
o pai em seus treinos de Tai Ji Quan (T'ai Chi Chuan) algumas
vezes sem, porém, levar a sério, o que anos mais
tarde se lamentaria. Aos 13 anos, pagando 12 dólares (Hong
Kong Dólar) por aula, passou a freqüentar a academia
de Yip Man, onde por quatro anos treinou técnicas da Escola
Wing Chun Kung Fu.
Por ter nascido nos Estados Unidos, Bruce tinha de retornar a seu país natal ao completar 18 anos, para que sua cidadania fosse reconhecida. Assim sendo, no dia 3 de dezembro de 1958, embarcou no Daisy May e voltou para a América. Uma amiga da família arranjou-lhe um trabalho num restaurante em Seattle. O trabalho de meio período permitia-lhe dedicar-se à prática de Kung Fu no pátio dos fundos do restaurante. Foi uma época dura, de muitos sacrifícios e poucas rendas que ele completava seu parco ganho com o ensino de dança chá-chá-chá nas horas vagas. Bruce matriculou-se no Edison Vocational School e foi lá que conheceu aquele que viria a ser seu primeiro aluno - um colega de classe, chamado Jesse Glover. Jesse havia visto uma demonstração de Kung Fu da qual Bruce participou e não sossegou enquanto não o convencia a ensinar-lhe Kung Fu. Até que enfim, Jesse conseguiu o que queria com Bruce, aprender a praticar Kung Fu. Com tempo, alguns colegas de Jesse ficaram curiosos com a atitude dele que quiseram verificar pessoalmente o que havia de interessante na prática de Kung Fu. Uma vez que foram apresentados por Jesse, Bruce concordou com o ensino de Kung Fu a eles também. Assim decidiram alugar um lugar onde possam praticar e encontraram um porão em um velho edifício na esquina da Maynard Street, cujo aluguel era de 100 dólares por mês. O nome da academia era "Lee Jun Fan Kung Fu Institute".
Conseguindo aprovar-se no colégio, Bruce matriculou-se na Washington University. Nessa época, vivendo quase exclusivamente dos proventos obtidos no ensino de Kung Fu, Bruce costumava fazer demonstrações para conseguir novos alunos. Em setembro de 1963 Bruce foi recusado pelo serviço militar devido a ele ser um míope. Foi nessa época que Bruce conheceu aquela que se tornaria sua esposa - Linda Emery.
Em
1964 Ed Parker promoveu um certame de artes marciais em Long Beach
e convidou Bruce a participar. Essa competição tornou-se
muito famosa e dela participaram quase todos os mestres e faixas-pretas
da costa ocidental dos Estados Unidos.
As demonstrações de Bruce impressionaram a platéia
com grande entusiasmo. Bruce mostrou seu soco de uma polegada,
pela primeira vez em público. Esse soco caracteriza-se
por ser desferido a uma distância curta do adversário,
daí seu nome - soco de uma polegada. Lutador estica seu
braço até tocar o corpo do oponente com seus dedos
relaxados, logo em seguida desfere um potente golpe com a mão
fechando repentinamente capaz de derrubar um adversário
com facilidade. Entre o público havia um cabeleireiro de
Hollywood chamado Jay Sebring que, algum
tempo depois,
ao cortar os cabelos do produtor de TV, Billy Dozier, ficou sabendo
que ele procurava por alguém que interpretasse o filho
número um de Charlie Chan numa série nova que estava
sendo preparada para a TV. Recordando-se das demonstrações
de Bruce, Jay sugeriu a Dozier que contatasse com Ed Parker que
tinha filmado o evento junto a cenas de Bruce. Ed Parker levou
o filme e projetou-o diante de Dozier que foi influenciado o suficiente,
pelo que vira, que entrou em contato através de telefonema
com Bruce Lee. Bruce voou a Los Angeles com esposa Linda e após
um teste foi assinado um contrato entre ele e a produtora.
Por um mês Bruce aperfeiçoou seu desempenho cinematográfico na Twenties Century Fox Acting School e paralelamente fundou uma academia em Los Angeles com Dan Inosanto. Os tempos estavam ruins e a academia que Bruce e James Lee mantinham em Oakland na Bay Area estava passando por dificuldades financeiras. Para piorar as coisas, em fevereiro de 1965 morreu o pai de Bruce e, uma semana depois nasceu um filho - Brandon. A idéia de refilmarem a série de Charlie Chan perdeu o centro da gravidade, porém, quando Bruce já estava perdendo esperanças, apareceu uma oportunidade para contracenar na série - The Green Hornet - no papel de Kato, uma mistura de motorista, garçom e guarda-costas ao lado do ator James Garner. A despeito de seu papel na série ser secundário, sua interpretação e sua habilidade motora em cenas de luta logo o distinguiram e o tornaram o centro das atenções despertadas pela série. Apesar de Bruce não ser um partidário de lutadores que usam chutes e saltos altos em lutas reais, servia-se dessas técnicas em abundância nas séries de televisão e mesmo em filmes, pois o público espectador não estava interessado numa luta efetiva e prática, mas sim em assistir a um filme no qual as técnicas demonstradas fossem teatrais e imaginativas e principalmente repletas de chutes e pulos altos. Com o passar do tempo e com fama crescente, Bruce passou a dar aulas particulares de Kung Fu cobrando acima de 100 dólares por hora. Seus novos alunos eram famosos e entre eles se destacavam Steve McQueen, Lee Marvin, James Coburn, James Garner e Kareem Abdul Jabbar. Os maiores karatekas da época foram alunos de Bruce, como Joe Lewis, Mike Stone e Chuck Norris. Chuck Norris era dono da maior rede de academias de Tae Kwon Do (estilo Dang Soo Do, o nome antigo de Tae Kwon Do) da América do Norte, tendo sido campeão de Karatê por sete anos consecutivos, claro... nas modalidades de combate. Chuck e Joe Lewis em várias ocasiões de entrevistas de TV declararam, sem hesitação, que o único grande mestre que conheceram fora Bruce Lee.
A
fama e o sucesso faziam que o método de Bruce fosse copiado
inescrupulosamente por professores de outros estilos de Kung Fu,
incluindo os de Wing Chun, e isso o deixava furioso. Então,
resolveu, embora continuasse a ensinar Kung Fu, a dar um nome
diferente para seu método, sim um método e não
um novo estilo, a fim de distingui-lo dos demais. Assim nascia,
agora famoso, o Jeet Kune Do. De acordo com seu aluno, Jesse Glover,
Bruce escolheu este nome ainda quando estava em Seattle no estado
de Washington. Nessa época, Bruce ensinava Wing Chun ao
professor Fook Young no Clube da Juventude Chinesa, Chinese Youth
Club, e em troca este professor lhe mostrava movimentos de alguns
estilos de Kung Fu. Bruce aprendeu esse nome do próprio
Fook Young, que a um grosso modo, designa técnicas de interceptar
ou bloqueio. Quanto a estrutura e princípios desse novo
método de Bruce, sabemos, deveras, muito pouco hoje em
dia talvez devido a ocupadíssima agenda de Bruce a partir
daquela época não ter lhe permitido o amadurecimento
da idéia e sua conseqüente divulgação
junto a um público maior. Porém, até onde
saibamos através de dados informacionais deixados por Bruce,
o lendário boxeador de peso pesado Muhammad Ali, Cassius
Marcellus Clay, foi o maior ídolo de Bruce, ao menos no
campo de artes de lutas de mãos vazias e um grande mestre
de Xing Yi Quan, Wang Xiang Zai que criou um novo método
de lutas chamado Yi Quan e baseado em princípios de Xing
Yi Quan como Bruce fizera com seu Jeet Kune Do, foi uma fonte
inesgotável de inspiração de Bruce Lee em
matérias de técnicas contundentes de combates reais
e eficientes. Esses fatos nos dão algumas pistas a respeito
dos ideais das técnicas de lutas de Bruce Lee. Bruce estava
muito perto do altar onde o cálice sagrado, o Santo Graal
de técnicas de lutas corporais, estava à sua espera,
o sonho não realizado pela sua morte prematura e repentina
em 1973.
Um grande sonho de Bruce era realizar um filme sobre a essência
da arte marcial. Ele até chegou a negociar com a Warner
Bros. um roteiro escrito por ele mesmo e a distribuidora concordou
em produzi-lo, desde que fosse filmado na Índia. O motivo
da locação na Índia se devia ao fato que
a Warner Bros. tinha uma soma em rupias bloqueada pela justiça
local para fins de remessa a exterior e a realização
do filme na Índia era uma solução do uso
do dinheiro imobilizado. Porém, o filme não chegou
a ser realizado durante a vida de Bruce por diversos motivos,
entre eles a falta de mãos-de-obra especializadas na Índia
para interpretação das cenas de lutas.
Quando Bruce retornou a Hong Kong em 1970, já estava muito conhecido devido a sua participação das séries da TV americana. Ao mesmo tempo a Warner Bros. chamou-o para uma série de entrevistas cujo objetivo era contratá-lo para uma série que mais tarde seria um grande sucesso no mundo inteiro - KUNG FU. O fato de Bruce ser um chinês num mundo dos brancos contribuiu para impedi-lo de tornar-se um astro principal de qualquer tipo de espetáculos no mundo de entretenimento americano. Naturalmente, como se imaginava, Bruce não trabalhou no seriado KUNG FU, no lugar dele David Carradine atuou excelentemente não obstante seu talento limitado em questão de lutas marciais. Este seriado projetou uma sombra de influência duradoura para o mundo de cinema por décadas a seguir. O charme do seriado não estava nas lutas que eventualmente se veriam nas telas, mas sim nos diálogos filosóficos entre o mestre e o pupilo, tão profundos a ponto de serem algo transcendental à moda a Zen. O mundo parava diante de milhões de aparelhos de TV para se apreciar e se maravilhar pelo fluir típico do Oriente imaculado. Frustrado, Bruce voltou para Hong Kong e aceitou uma oferta da Golden Harvest, empresa recém-fundada por um ex-executivo da Shaw Bros., este sendo o maior estúdio do Sudeste Asiático na época, para fazer dois filmes para público local. O primeiro foi "The Big Boss", seguido logo após pelo "The Fist of Fury (The Chinese Connection)", ambos foram grandes sucessos das bilheterias.
Há um ditado que diz "Se alguém for talentoso demais, até um Deus sente ciúme" e era verdade. O emissário de Hades bateu à porta de casa de Bruce no auge da sua vida e da sua fama. De que morreu Bruce Lee? De edema cerebral provocado pela hipersensibilidade aos meprobamatos ou aspirina, estes ingredientes do tablete Equagesic. Este foi opinião do médico que realizou a autópsia dos restos mortais de Bruce Lee. Apenas uma sugestão, não toda a verdade que ainda hoje paira no desconhecido. No dia 20 de julho de 1973, Raymond Chow, o dono do estúdio Golden Harvest, deixou Bruce no apartamento de Betty Ting Pei para acertarem os pormenores finais acerca da participação dela do filme "O Jogo da Morte (The Game of Death)". Bruce sentiu dor de cabeça e Betty deu-lhe Equagesic, um tipo de aspirina. Às 7:00hs, Bruce sentiu-se indisposto e deitou-se. Às 21:30hs, chegou Raymond Chow para irem juntos a um jantar com George Lazenby e tentou acordá-lo sacudindo-o e dando-lhe tapas no rosto, sem consegui-lo. Chamaram médico imediatamente e o removeram para o Hospital Queen Elizabeth, onde morreu. Foi alguns dias antes da grande estréia do seu maior trabalho, o filme "A Operação Dragão (Enter the Dragon)".