GARRINCHA

 

Para o ingênuo e travesso Mané Garrincha, o futebol era apenas uma brincadeira aprendida nas peladas de bola de meia nos campinhos de Pau Grande, em Petrópolis. Por isso, ele estava à vontade no primeiro treino, em General Severiano: tanto faz dar dribles nesse ou naquele "João", como brincar com os amigos Pincel e Suingue, companheiros nas caçadas do passarinho chamado garrincha. Manoel Francisco dos Santos tinha pernas tortas, a esquerda com 6 cm mais que a outra. Era o Torto, o ponta-direita de dribles desconcertantes, arrancadas irresistíveis, A Alegria do Povo. Povo que o amou por duas décadas desde que baixou, em 1953, em General Severiano, depois de tentar a sorte em outros clubes cariocas - Fluminense, Vasco e São Cristóvão não acreditaram que "aquilo" pudesse jogar. O técnico Gentil Cardoso atendeu ao pedido de ex-médio alvinegro Arati, que o vira jogar no Esporte Clube Pau Grande. O resultado do primeiro treino todos sabem: bola entre as pernas de Nílton Santos e a imediata sugestão de contrata- lo. Pelo Botafogo, disputou 608 partidas e marcou 245 gols. Conquistou três Campeonatos Cariocas (1957, 1961 e 1962) e dois Torneios Rio-São Paulo (1962 e 1964). Pela Seleção Brasileira, conquistou duas Copas do Mundo ( 1958 e 1962), e detém até hoje uma marca impressionante: perdeu apenas uma das 61 partidas que fez com a camisa da Seleção. Mas não só de glória viveu Mané Garrincha. Quando trocou sua mulher Nair e as sete filhas pela cantora Elza Soares, depois da Copa de 1962, ele foi vítima do preconceito do povo e dos próprios amigos. Fora isso, é obrigado a jogar machucado, à base de injeções para aliviar as dores nos joelhos, atingidos pelas chuteiras dos adversários desleais. Não adianta recorrer às rezadeiras: o joelho, já no início de 1963, precisa de operação. Vergonha: o Botafogo se nega a pagar as despesas. É um irresponsável, falta aos treinos, justificam-se os cartolas. Em fins de 1965, o Corinthians, desesperado com o título paulista que não chega desde 1954, leva Garrincha para o Parque São Jorge. Entre fevereiro e outubro de 1966, apenas dez jogos. Começa a queda. Garrincha tenta a sorte no Barranquilla, da Colômbia, mas seu contrato é cancelado em uma semana. O Nacional, de Montevidéu, e o Boca Juniors, de Buenos Aires, desistem de contrata-lo ao constatar nas radiografias a artrose irreversível, em 1968. Garrincha nem mesmo era sombra do lampejo do gênio mostrado com o gol de falta contra a Bulgária, na Copa do Mundo de 1966. Em dezembro de 1968, o Flamengo ainda aposta em Mané. Na estréia contra o Vasco, um fiasco e o clube desiste de tentar salvar Mané. Teimoso, ele acaba na Itália, jogando num time de açougueiros no balneário de Tor Vajanica. De volta, ainda tenta uma última chance no Botafogo de Zagalo. Nada dá. Em 19 de dezembro de 1973, no Jogo da Gratidão, o Maracanã lotado, Garrincha recebe as últimas homenagens de uma torcida que soube admirá-lo como o maior ponta-direita do mundo, um gênio. Em janeiro de 1983, festa no céu.

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