Mario
Marques
‘Sobrevivendo no inferno" é
um roteiro bem-acabado de um filme sanguinário que retrata a miséria,
a violência, o extermínio de menores e a bandidagem da forma
mais realista possível. O quinto disco do grupo paulista Racionais
MCs - um é coletânea - a banda de rap mais polêmica
do Brasil, é uma crônica musical de uma barbárie ativa
na periferia de São Paulo.
Contudo, para Mano Brown - dizem que
ele vai cantar sentado numa cadeira de rodas devido a um tiro que levou
- Ice Blue, Edi Rock e DJ KL Jay, líderes da banda, formada por
mais 13 pessoas, o sucesso tem que ficar a quilômetros de distância
de suas casas. Avessos à mídia, eles se apresentam hoje à
noite no Imperator como atração principal do Rio Hip Hop,
que ontem teve Sistema Negro, Doctor’s Mc’s e GoG.
Radicais em sua filosofia de lidar
com a indústria fonográfica - desistiram de entregar seu
trabalho a grandes gravadoras - eles criaram a Cosa Nostra, selo usado
para o lançamento do novo CD.
Com apenas três meses nas lojas,
o disco "Sobrevivendo no inferno" alcançou a vendagem
de 200 mil cópias, um feito invejável. O Racionais MCs apareceu
inicialmente nas rádios paulistas com a música "Fim
de semana no parque".
Seus outros três discos, "Holocausto
urbano" (90), "Escolha seu caminho" (92) e "Raio X
Brasil" (93) são raridades nas lojas e considerados cult até
pelos rappers.
- Gosto muito deles, são importantes
para o rap nacional - diz Gabriel O Pensador, hoje distante dos refrãos
falados do gênero e mais perto da indústria pop.
Eles são politicamente corretos,
são contra as drogas, mas não chegam a condenar explicitamente
o crime por saberem que o meio em que vivem não é exatamente
favorável a uma rotina alheia à marginalidade.
Embora não ostentem, os quatro
engordaram significativamente suas contas bancárias. Todos eles
têm telefone celular e carro.
- Dos modelos mais simples. É
o que a gente precisa para trabalhar - esclarece KL Jay. - Não gastamos
nosso dinheiro com coisas fúteis, não compramos roupas caras.
Queremos ter condições de deixar imóveis para nossos
filhos. Quando formos tratados como artistas de verdade, aí sim,
teremos muito dinheiro.
Sobre a aversão à mídia,
KL Jay explica:
- Seria uma contradição
ir a um programa de TV e dividir um espaço com gente que consome
drogas. Somos contra os jabás, contra a desonestidade desse mercado.
As músicas longas do grupo -
algumas chegam a ter dez minutos de duração - conquistaram
em cheio o público carioca a partir da Zona Norte, maior reduto
de funkeiros da cidade. Não é à toa que o Racionais
só toca aqui justamente no Imperator, no Méier. Na última
apresentação no mesmo lugar, o quarteto reuniu cerca de três
mil pessoas. Quem comanda a festa do rap hoje é o produtor Celso
Athayde, rei das pistas do subúrbio.
- Duas comunidades estão esperando
eles com ansiedade, a Mangueira e o Morro do Juramento - diz Athayde.
O rap do Racionais MCs tem contribuído
para ampliar a consciência negra no exercício da cidadania.
Em 1992, por exemplo, foi criado o projeto "RAPensando a educação",
da Secretaria de Educação de São Paulo. A iniciativa
aproximou as comunidades dos rappers através de palestras e shows
feitos na periferia de São Paulo nos últimos anos. Este projeto
foi implantado especialmente em Capão Redondo, região de
maior criminalidade em São Paulo e onde moram Ice Blue e Mano Brown.
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