RACIONAIS MC'S - Rhapsody - Osasco (SP) - 24/04

Osasco tremeu. E não foi necessário vazamento de gás em nenhum shopping center das redondezas para todos sentirem o concreto rachando sob os pés. Naquela noite, a bomba-relógio mais conhecida como Racionais MC's estava sendo detonada na cidade vizinha de São Paulo. Eram quase 6 da manhã de sábado quando se ouviu a batida indefectível de "Jorge da Capadócia". A voz grave e carregada de ódio de Mano Brown surgiria depois, com as primeiras frases de "Diário de Um Detento". A platéia cantou em coro a letra-denúncia sobre um sobrevivente do massacre na Casa de Detenção, no Carandiru, em 1992. E não desviou os olhares curiosos de Brown, que circulava pelo palco numa cadeira de rodas empurrada por um parceiro (informação oficial: o rapper havia contundido o joelho jogando bola).
Seguiu-se "Fim-de-Semana no Parque", única música do álbum Raio X Brasil (de 1993) tocada. "Rapaz comum", de Sobrevivendo no Inferno (mais recente trabalho dos Racionais), veio na sequência, para mostrar o quanto mais fortes se tornam ao vivo as palavras cruas que narram o cotidiano na periferia. "Capítulo 4 Versículo 3" foi a melhor oportunidade para ver Mano Brown e seus aliados Ice Blue e Edy Rock dispararem suas metralhadoras giratórias, juntos. Sobrou até uma homenagem a Edinho, goleiro do Santos e filho do Rei Pelé: "...Da família real, negro como eu sou/ O príncipe guerreiro que defende o gol".
Pausa para descontração. "Qual mentira", a música de letra truncada e quilométrica que revela o lado maroto e bem-humorado dos Racionais, também recebeu acompanhamento do público, que se divertia a cada passagem da aventura dos malucos que querem se divertir numa sexta-feira, mas são perseguidos pela polícia, se envolvem com traficantes atrapalhados e garotas perversas. Foi a única vez em que KL Jay saiu das pick ups e mandou um verso.
Mano Brown voltou ao palco para proferir seu já tradicional discurso. O silêncio foi comparável ao da Missa do Galo na noite de Natal. "Nem eu sei o que quero, eu só jogo a verdade na cara das pessoas e elas que entendam como quiserem", soltou. E anunciou a saideira "Fórmula Mágica da Paz", que é a tradução de sua frase anterior.
Para quem esperou um tempo enorme para conhecer a lenda-viva do rap brasileiro e ficou com um gostinho de quero-mais na boca, a alternativa foi sair imediatamente do salão. E esperar na frente do ônibus do grupo, debaixo dos primeiros raios de luz de um sábado nublado, para poder contemplar por mais alguns minutos a face cansada de um guerrilheiro em sua cadeira de rodas, porém satisfeito por mais uma vez ter cumprido sua missão.

Renato Yada
Revista ShowBizz Ed 154, maio/1998.

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