ULISSES CAPOZOLI

 

            A idéia de viagem no tempo, mais especificamente de retorno ao passado, pode ser uma possibilidade real e não apenas ficção científica, como apareceu em, Time Machine, principal obra do escritor e jornalista inglês Herbert George Wells (1866- 1944), publicado em 1895. Mas essa chance não está restrita à criação de um veículo capaz de viajar no tempo. Ela dependeespecialmente de uma concepção cosmológica naqual, em determinadas circunstâncias, grandes quantidades de massa e energia seriam capazes de curvar poderosamente o espaço-tempo, a ponto de conduzir um observador ao seu passado (ver arte nesta página). Há três semanas o cosmólogo brasileiro Mario Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) - unidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Rio  lançou um livro sobre o caso: O Círculo do Tempo - Um Olhar Sobre Viagens Não-Convencionais no Tempo. Novello escreveu o livro por sugestão do diretor do Instituto de Ciências da Matéria da Universidade de Lyon, na França, E. Elbaz, a partir de exposições que havia feito em seminários internacionais para físicos. Exóticos - Nesse curto espaço de tempo, Novello - um cientista respeitado no Brasil e no exterior, com publicações nas mais conceituadas revistas internacionais - colecionou experiências que julga mais exóticas que a possibilidade de um corpo material - partícula ou pessoa - retornar ao passado. A primeira delas envolveu um homem jovem, acompanhado de um guarda-costa mudo e vigilante. Ele gostaria de retornar no tempo, encontrar seu pai falecido e descobrir onde ele teria ocultado bens que não quis especificar. A segunda, teve como protagonista uma repórter de uma tradicional revista sensacionalista, interessada em aprofundar investigações na área de vidas passadas. Ao mesmo tempo, Novello atraiu o interesse de psicólogos, psicanalistas e filósofos e reuniu mais de 400 interessados numa palestra que lotou o planetário do Rio. Para ele, essa diversidade de reações revela "a dificuldade que temos em aceitar fatos que não integram a experiência cotidiana e, nesse caso, está incluída a maior parte do conhecimento da física neste século." É o que acontece com a teoria da relatividade de Einstein ou com a aceitação da existência de partículas fantasmagóricas, como os neutrinos. Os neutrinos, partículas aparentemente destituídas de massa, podem atravessar todo o corpo da Terra sem serem detidos, devido à fraca interação com a matéria.  Concordância - Novello lidera uma equipe que nos últimos 15 anos esteve teoricamente envolvida com a pesquisa de "time machine", como essa possibilidade de viagem no passado é conhecida entre os físicos. Além do grupo brasileiro, outras duas equipes, na Rússia, trabalham no assunto. Eles investigaram uma possibilidade levantada em 1949 pelo matemático Kurt Godel para as equações da relatividade geral de Einstein. Em essência, na solução encontrada por Godel para as equações da relatividade geral - que são equações de gravitação - tudo se passa, detalha Novello "como se a matéria, em todos os pontos do Universo, estivesse girando em torno de um eixo de rotação local." Essa hipótese, aparentemente inocente, tem uma conseqüência desconcertante: do ponto de vista físico, diz Novello "ela implica numa geometria capaz de abrigar Curvas de Tempo Fechadas", que os físicos chamam de CTC. As CTCs, do ponto de vista da física - ainda que nenhuma delas tenha sido observada até agora - são as regiões de arraste gravitacional do espaço-tempo: o caminho que conduz ao passado. Kurt Godel (1906-1978), matemático austríaco naturalizado norte-americano notabilizou-se especialmente por conclusões inesperadas sobre o completamento das matemáticas. Para Novello, poucas pessoas fora do círculo restrito dos relativistas conhecem seus trabalhos sobre a estrutura formal do tempo. "Não gosto disso" - No dia 31 de agosto de 1950, durante o Congresso Internacional de Matemática em Cambridge, Massachusets -, onde Einstein estava sendo homenageado - Godel referiu-se às descobertas matemáticas que havia feito no ano anterior, envolvendo "time machine." Einstein, que segundo Novello, era um dos poucos presentes capazes de entender toda a extensão do que estava sendo dito, ao final da exposição respondeu apenas: "Eu não gosto disso."  Para o cosmólogo brasileiro, a reação do físico não foi nada surpreendente: "Einstein era conservador neste sentido". De fato, e isto não só em relação a "time machine". Num primeiro momento, a idéia de um universo em expansâo ou contração perturbou Einstein. Outro desconforto que ele sentiu foi em relação à ausência da causalidade na mecânica quântica, que estimulou discussões com Werner Heisenberg, outro dos físicos notáveis deste século. No final da década passada, o assunto "time machine" voltou à discussão. Por trás dela estava novamente um debate cosmológico. Entre os defensores da cosmologia do "Big Bang" ( "Grande Explosão") -, a idéia de que o Universo surgiu de uma singularidade -, havia uma aceitação tácita de um tempo global, válido para todo o Universo. Nesse modelo, segundo Novello, estava excluída a possibilidade de "time machine", o retorno ao passado. E isso porque a topologia aceita indicava que um observador só poderia caminhar para o futuro. A idéia de Godel, da matéria girando em torno de um eixo para produzir as CTCs, era vista como "curiosidade matemática". A virada de mesa aconteceu com um artigo do físico norte-americano Kip Thorne, atualmente no California Institute of Tecnology. Ele publicou o trabalho na Physical Review Letters, órgão oficial da American Physical Society. O trabalho de Thorne, segundo Mário Novello, envolvia uma outra estrutura cósmica, que os astrofísicos conhecem como Ponte Einstein-Rosen. Essa estrutura é uma conexão teoricamente possível no espaço-tempo entre dois pontos de um mesmo universo ou entre dois possíveis universos ligados por uma singularidade, um ponto de extrema densidade, como um buraco negro. Essas conexões no espaço-tempo, popularizadas sob o nome de "buracos de minhoca", podem, em princípio, permitir viagens no tempo.  Uma série de descobertas sugerem que, de fato, o Universo como um todo não se comporta como as interpretacões de Godel. Essa, no entanto, é uma situação freqüente na investigação científica, onde as previsôes teóricas devem ser confirmadas pela observação. Abertura - O artigo de Kip Thorne, envolvendo "time machine" nas pontes de Einstein-Rosen, no entanto, abriu espaço para a consideração dos trabalhos teóricos de Novello e seu grupo, no Rio. O postulado de Novello e sua equipe é que se o Universo inteiro realmente não se comporta como a interpretação dada por Godel. Mas, regiões do Universo, que ele agora prefere chamar de "Células de Godel", podem se comportar assim, abrigando as CTCs e permitindo retornos ao passado. O curioso, acrescenta ele, é que os dois grupos na Rússia também chegaram à mesma conclusão, à mesma época, embora desconhecessem a existências, uns dos outros. Simultaneidade - Descobertas idênticas e simultâneas feitas de forma independente certamente não podem ser chamadas de coincidência. Pelo menos em relação ao que diz o filósofo da ciência Thomas Kuhn, falecido recentemente. Os períodos de ciência normal, escreve Kuhn em sua Estrutura das Revoluções Científicas, são permeados por intervalos de crise, quando as teorias em vigor não conseguem mais explicar uma determinada realidade. Eles, provocam, assim, uma implosão paradigmática, com a emergência de novos valores. Na avaliação de Novello, uma das conseqüências da confirmação de "time machine" é a refutação da idéia de que o mundo pode ser entendido de maneira lienar e assim se possa, definitivamente, atingir o centro da "verdade das coisas como defende o pensamento positivista que impregna fortemente a investigação científica". Um dos sinais evidentes desta nova perspecptiva, na avaliação de Novello, é a realização - de domingo passado a tarde de hoje, em Jerusalém  de um congresso internacional sobre cosmologia não singular, onde o assunto "time machine" é um dos temas de destaque dosbates. Ele foi convidado e aceitou coordenar essa discussão.  Uma primeira tentativa para produção de um modelo teórico capaz de permitir que um corpo material caminhe sobre uma CTC na geometria proposta por Godel foi proposta no início da década passada. A idéia, segundo Novelli, é simples. Trata-se de considerar que "para seguirmos uma trajetória para o passado nessa geometria seria necessário que uma força atuasse sobre ele produzindo uma aceleração." Em princípio, argumenta, um foguete poderia fazer isso. O problema é que ele deveria atingir alta velocidade, próximo a 0,7% da velocidade da luz (2.100 quilômetros por segundo) e, para isso, atingir tal velocidade consumiria uma quantidade brutal de energia. Uma alternativa é o uso de aceleração eletromagnética. Nesse caso, um astronauta - guiado do interior de uma cápsula blindada - seria colocado em órbita em torno de um "raio crítico", região limite entre a possibilidade e impossibilidade de uma viagem no tempo.  O que não se pode pensar, no entanto, adverte o físico "é que alguém possa voltar à Terra, no século 12, por exemplo. Para isso, seria necessário que a Terra fosse levada a essa região da Célula de Godel, o que é absurdo." Assim, complementa ele, na realidade "não sabemos o que é que volta ao passado." Um dos impedimentos lógicos que sempre apontaram a contradição de uma viagem ao passado é conhecida como "paradoxo do avô". Neste caso, um observador que retornasse no tempo poderia, em princípio, matar seu avô e assim impedir que sua mãe nascesse e ele próprio fosse gerado para retornar ao futuro.  viagem no tempo via CTCs, no entanto, elimina essa questão. Num retorno ao passado, argumenta Novello, "obrigatoriamente há perda de informação e isso é válido tanto para uma partícula quanto para um objeto mais complexo, como uma pessoa". Assim, ao menos em princípio, alguém que retornasse ao passado não teria nenhuma consciência disso.

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