Desconstruindo um neurótico


Woody Allen










Woody Allen (cujo nome verdadeiro é Allan Stewart Konigsberg) foi a grande revelação humorística da década de 70. Judeu americano, nascido no Brooklyn (subúrbio de Nova York), começou a escrever aos 17 anos, passando pelos mais importantes shows de humor da TV americana, até ser descoberto em 1965 pelo produtor Charles Feldman para escrever e interpretar "O Que é Que Há Gatinha?" (What's New, Pussycat). Suas incursões no humor incluem matérias para a revista Playboy, participação como ator em "Cassino Royale" (1967), duas peças de teatro (Don't Drink The Water, filmada em 1971 por Howard Morris e intitulada aqui "Quase um Seqüestro Aéreo", e Play It Again, Sam, dirigida por Herbert Ross e estrelada por ele mesmo em 1973 como "Sonhos de um Sedutor"). Mas sua idéia mais curiosa foi com What's Up Tiger Lily (1966), em que ele utilizou um filme japonês classe "C", modificando inteiramente seu sentido através da dublagem humorística.

Em 1978 igualou o feito de Orson Welles ao concorrer, simultaneamente, ao Oscar da Academia de Hollywood como Melhor Diretor, Melhor Roteirista e Melhor Ator, isso tudo com aquele que acabou sendo escolhido o melhor filme do ano: "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Annie Hall, 1977). Sem dúvida 1977 foi um ano de ouro para Allen: "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" abocanhou nada menos do que 4 estatuetas - Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original e Melhor Atriz (Diane Keaton). Entretanto, o diretor preferiu ficar em Nova York para tocar clarinete com seus amigos num pub. Depois explicou o porquê de sua ausência à cerimônia de entrega do Oscar: "Eu sei que soa terrível, mas ganhar o Oscar não significa nada para mim. Quando você vê quem ganha e quem não ganha, pode perceber a falta de sentido do Oscar".

Em se tratando de Hollywood, Woody Allen nunca foi romântico: "Hollywood não tenta me conquistar, nem quero que isso aconteça", diz. "Tenho minha 'lojinha' aqui em Nova York, e meus filmes não são o que Hollywood busca. Aqui, portanto, faço o que quero: meus filmes não são muito caros. Se eu trabalhasse em Hollywood, não teria a mesma liberdade. Lá haveria muita gente querendo dar opinião no seu investimento de cinqüenta milhões, e eu não seria capaz de fazer filmes como 'Interiores' ou 'A Outra'. Se ninguém quiser ver esses filmes, tudo bem - a produtora perde três ou quatro milhões. Mas se eu perder vinte ou trinta milhões por causa do mau desempenho de um filme, na hora em que eu quiser fazer um musical dirão 'não!'. Ou então só me deixam fazer se eu chamar a Barbra Streisand."

O lado musical do artista pode ser conferido no documentário Woody Allen in Concert (1998). No desenho "Formiguinhaz" (Antz, 1998), Allen também empresta a voz e o carisma inconfundíveis.

Uma constante nos filmes de Woddy Allen são suas "musas". Ele sempre fez séries de filmes com uma determinada atriz, como Diane Keaton (nos anos 70) e Mia Farrow (nos anos 80). Sobre isso, ele fala: "Muitas vezes eu tinha uma determinada atriz em mente quando preparava um roteiro. Durante anos escrevi especificamente para Diane, depois para Mia. Escrevi também pensando em Dianne Wiest... Eram mulheres que eu conhecia, o que me permitia escrever coisas que eu sabia que elas poderiam fazer. Agora, quando escrevo o personagem sem ter alguém em mente, entrego o roteiro à minha diretora de elenco e ela me dá um monte de sugestões, com nomes de atores e atrizes que conheço - e também de outros de quem nunca ouvi falar. Daí discutimos as opções, eu vejo vídeos dos atores que não conheço, às vezes texto alguns deles, e chegamos ao melhor possível.

"Desconstruindo Harry" chegou às telas nacionais só no segundo semestre desse ano - atraso de dois anos - depois que o cineasta lançou Celebrity, e começou a rodar o novo, ainda sem título definitivo. Mas o 27.º longa-metragem de Allen conseguiu emplacar mesmo com a megainvasão de Star Wars Episódio 1 - A Ameaça Fantasma, de George Lucas, o que prova que há quem prefira as divertidas neuroses de Allen à parafernália high-tech e entediante de Lucas.

Não é por acaso que o sobrenome do personagem Harry é Block ("bloqueio", em inglês). O escritor encarnado por Allen é parente do cineasta encarnado por Marcello Mastroianni no clássico da crise criativa Oito e Meio, do não menos autobiográfico Frederico Fellini, e que também enfrenta bloqueio criativo, exorciza fantasmas pessoais por meio de sua obra, e se vê às voltas com todas as mulheres da vida dele. [O filme Fellini Oito e Meio foi realizado pelo inovador diretor italiano, em 1963. A história trata dos problemas que tem um diretor de cinema, Guido Anselmi (Marcelo Mastroianni) ao iniciar seu projeto].

Woody Allen

Vale lembrar que o próprio Allen já fizera o seu Oito e Meio, o subestimado "Memórias" (Stardust Memories,1980), espécie de autocrítica, sobre cineasta tragado por espiral de lembranças e devaneios artísticos e afetivos.

Fellini não é referência básica na filmografia de Allen, mas dois de seus melhores filmes derivaram do mestre italiano. "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985) descende de "O Abismo de um Sonho", primeiro longa solo de Fellini (com o cinema substituindo a fotonovela). E "A Era do Rádio" (1987) é equivalente de "Amarcord". A obsessão de Allen por metalinguagem parece ter nascido da admiração pelo mais popular diretor do cinema italiano.

Ingmar Bergman, esse sim, é a grande paixão do cinéfilo Allen. A influência do cineasta sueco marca presença em vários momentos de sua obra - tanto nos dramas ("Interiores", "Setembro", "A Outra Mulher") quanto nas comédias ("Sonhos Eróticos Numa Noite de Verão").

Em "Desconstruindo Harry", o alvo é o clássico da velhice metafísica "Morangos Silvestres", uma das obras-primas bergmanianas. Como o médico interpretado por Victor Sjostrom, Harry Block vai receber homenagem em universidade (só que aqui a faculdade o expulsou, numa tirada digna de Groucho Marx, outra grande influência explícita de Woody Allen).

Mas, dessa vez, o diretor americano busca inspiração em outro mestre europeu, o francês Alain Resnais. Harry desponta também como versão do escritor vivido por John Gielgud em "Providence". A narrativa, combinando (e confundindo) passado e presente, realidade e imaginação, parece seguir a máxima de Resnais: "O cinema é a arte de jogar com o tempo".

Sobre a rotina de trabalho, Allen diz: "Tenho um método bem prosaico. Trabalho numa máquina de escrever, a mesma desde que eu tinha dezesseis anos - não tenho computador. Paguei uns quarenta dólares pela máquina, e o cara que me vendeu disse que ela ainda estaria firme bem depois de eu ter morrido. Me pareceu um bom argumento. Mas o que eu faço é, quando me ocorrem as idéias, o que acontece vez por outra, anoto-as num papel, ou numa caixa de fósforos, e guardo-as numa gaveta. Quando termino um filme, abro a gaveta e dou uma olhada lá dentro. Às vezes há idéias boas, às vezes elas não resistiram à passagem do tempo. Se esse for o caso, entro no meu escritório, sento e dou duro. Se for preciso, fico no escritório dias, semanas, batalhando, suando, me forçando a ter idéias. No início de carreira eu escrevia para a televisão. Na segunda-feira precisava escrever um show que ia ao ar ao vivo no sábado. E não tinha escolha: era sentar e escrever, até sair uma idéia. Mas é bem mais fácil quando aquelas idéias guardadas na gaveta resistem ao tempo."

Sua vida pessoal, que ele gostava de manter preservada, virou escândalo em 1992, quando veio à luz seu romance com a enteada de 21 anos, a coreana Soon-Yi Previn, filha adotiva da atriz Mia Farrow, sua companheira e atriz principal ao longo de dez anos. Allen casou-se com Soon-Yi, mas felizmente o "escândalo" não afetou sua produtividade nem seu brilho como diretor.

Veja o filme "Desconstruindo Harry" (Desconstructing Harry, 1997) e alugue as fitas. Tudo que você gostaria de saber sobre o prolífico e impagável ator, diretor, roteirista e músico Woody Allen está lá: em "Desconstruindo Harry" e nos vários títulos do diretor disponíveis em videolocadoras.

Woody Allen fala sobre "Desconstruindo Harry" e diz que todos os seus filmes exploram suas fobias e ansiedades: "Ao longo da minha carreira, abri meu coração e me expus demais. Agora, estou fazendo um filme carregado de ansiedade, no qual exploro fobias e patologias até então impensadas! Interpreto uma pessoa desagradável [Harry], maldosa, rasa. Espero que não acusem também este filme de ser autobiográfico (risos). É um personagem tão terrível que pensei em batizar o filme de O Pior Homem do Mundo."




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