CARACTERÍSTICAS DO CRIME DE ESTUPRO

NO DISTRITO FEDERAL

(trabalho apresentado como tema livre no XV Congresso Brasileiro de Medicina Legal, em Salvador - Bahia, setembro de 1998)

 

M. L. S. Kühn, J. E. S. Reis, A. Trindade Filho

Em 1997 foram realizados no IMLLR 841 exames de conjunção carnal, sendo que em 530 casos havia história de possível estupro e em 40 casos história de possível estupro presumido. Destes, foi confirmada a ocorrência de conjunção carnal compatível com a data do fato em 212 casos de estupro e 19 casos de estupro presumido, através de exame clínico e ginecológico e/ou exame citológico em material colhido do canal vaginal para pesquisa de espermatozóides.

IMLLR - Exames de Conjunção Carnal - 1997

Tipo

Total de Exames

Casos Positivos

% de Positivos

Estupro

530

212

40%

Estupro Presumido

40

19

48%

Estudamos então as características dos casos em que a conjunção carnal foi confirmada, quanto aos fatores de risco para o estupro ( horário, local, meios empregados para a violência e o relacionamento entre o autor e a vítima ), os fatores que influenciaram na confirmação do delito ( tempo decorrido entre o fato e a realização do exame, a eficácia do exame citológico como principal diagnóstico laboratorial ) e as conseqüências do delito para a vítima ( casos em que ocorreram gravidez ).

FATORES DE RISCO PARA O ESTUPRO

Horário do Fato - No período diurno ocorreram 22% dos casos e no período noturno 78% do total, havendo uma maior concentração entre as 19 e as 23 horas, com 49,75% dos casos registrados. Estes achados são semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos, onde 2/3 ocorreram entre as 18 horas até as 06 horas, sendo que 43,4% ocorreram entre as 18 e 24 horas, 33% entre as 06 e 18 horas e 23,6% entre 0 e 06 horas (1).

Período

Casos

% de Casos

das 06 às 18 hs

46

22%

das 19 às 05 horas

161

78%

Total

207

100%

das 19 às 23 hs

103

50%

Local do Fato – A via pública foi o local mais utilizado para a prática do estupro. Dentre os casos ocorridos em via pública, em 29,2% ( 33 casos ) a vítima foi abordada na parada de ônibus ou próximo a ela. Nos casos ocorridos em residência, 21 ( 67,7% ) foram na casa da vítima e 10 ( 32,3% ) na casa do autor. Os dados relatados pelo Bureau of Justice Statistics ( EUA ) são diferentes: 60% dos casos ocorreram em residência, da vítima ( 37,4% ) ou de um amigo, conhecido ou vizinho ( 19,2% ).

Local da ocorrência do estupro

casos

% dos casos

via pública

113

49%

residência

31

13%

carro

11

5%

não consta

76

33%

TOTAL

231

100%

 

Relacionamento entre o Autor e a Vítima – Na maioria dos casos o autor era desconhecido, mas em quase 1/3 dos casos tratava-se de um conhecido ou parente da vítima. Este é um dado que apresenta grandes variações, em função do tipo de sociedade em que vivem as vítimas e autores. Nos Estados Unidos, em fevereiro de 1997, os dados mostraram que em ¾ dos casos o agressor não foi um desconhecido, chegando a 90% nas crianças menores de 12 anos e em 2/3 das vítimas entre 18 a 29 anos (1). Em Nairobi, Quênia, 73,4% dos agressores eram desconhecidos das vítimas (2).

Agressor

Casos

% de Casos

Desconhecido

132

57%

Conhecido

61

26%

Não Consta

27

12%

Parente

11

5%

Total

231

100%

 

Meios Empregados para a Violência – A contenção física foi o único meio empregado em 44% das vezes. A surpresa, a ameaça de um mal maior e o emprego da violência física caracterizam esta modalidade de ação. Estatística dos estados do Alabama, Carolina do Sul e Dakota do Norte registraram o uso de armas em 12% dos casos, sendo 5% arma de fogo e 7% arma branca. Em 80% dos casos houve apenas o emprego da força física (3).

Fizeram uso de armas: desconhecido em 76 casos (89%) e conhecidos em 9 casos (11%). Não há relato do uso de armas por parentes. Nas estatísticas americanas, os desconhecidos fizeram uso de armas 5 vezes mais que os familiares.

 

Violência Empregada

Casos

% de Casos

Física

67

44%

Arma de Fogo

41

27%

Arma Branca

36

24%

Outro Tipo

8

5%

Total

152

100%

Vestígios de violência física foram detectados, na nossa casuística, em 36% dos casos. Nos Estados Unidos, as estatísticas mostraram que cerca de 40% das vítimas sofreram uma lesão colateral, sendo que em 5% a lesão foi de maior gravidade.

Presença de Violência Física

Casos

% de Casos

Não

138

60%

Sim

83

36%

Não consta

10

4%

Total

231

100%

 

FATORES QUE INFLUENCIAM NA CONFIRMAÇÃO DO DELITO

Tempo Decorrido entre o Fato e a Realização do Exame – Os vestígios de conjunção carnal recente desaparecem com o tempo, e o exame deve ser realizado o mais rapidamente possível. Trabalho realizado no Hospital Universitário de Dakar mostrou que atraso no exame além das 24 horas compromete o exame citológico (4). Na Noruega, o lapso de tempo ajustado entre o evento e o exame é um dos fatores que contribuem para a condenação do autor (5). Os casos de estupro presumido, por serem independentes do tempo para a sua confirmação e aqueles em que ocorreu gravidez, constituem as exceções a esta regra.

data do exame

casos

% de casos

mesmo dia

99

43%

dia seguinte

75

32%

2 dias após

11

5%

3 dias após

6

3%

de 4 a 10 dias

8

3%

mais de 10 dias

32

14%

Total

231

100%

Eficácia do Exame Citológico como Principal Diagnóstico Laboratorial – A identificação de espermatozóides ou constituintes do fluido seminal é decisiva na avaliação das vítimas de suposto estupro(6). Dos casos confirmados, 61% o foram através do exame citológico em lâmina, de material colhido do canal vaginal para a pesquisa de espermatozóides.

Confirmação da conjunção carnal

Casos

% dos Casos

Exame Citológico

142

61%

Outros dados

89

39%

Total

231

100%

Dos 530 casos com história de provável estupro, foi colhido material para exame citológico em 267 deles, sendo que a positividade do exame foi de 53%:

Exames Citológicos Realizados

Casos

% dos Casos

Exame Positivo

142

53%

Exame Negativo

128

47%

Total

270

100%

Em um trabalho realizado na Carolina do Norte, a identificação de esperma através da citologia foi positiva em 41% das histórias de conjunção carnal (7). Na Noruega, a presença de esperma foi documentada em 16% de todos os exames realizados (8).

 

ASSOCIAÇÃO ENTRE O ESTUPRO E O ROUBO

Estupro e roubo das vítimas esteve associado em 48 casos (21%). Nestes casos houve um maior grau de violência na prática dos delitos, caracterizado por maior incidência de violência física, do emprego de armas, maior número de agressores, e da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal

Características do Estupro

Em Geral

Com Roubo

Violência Física Presente

36%

40%

Estava Armado

56%

83%

Vítima Só

84%

69%

Um Só Agressor

78%

56%

Mais de 1 Estuprador

11%

23%

Atos Libidinosos Associados

13%

29%

 

CONSEQUÊNCIAS

Gravidez – Em 8 casos a queixa foi registrada tardiamente, em função de ter ocorrido a gravidez da vítima. Em um estudo realizado na Universidade da Carolina do Sul, foi encontrada uma taxa de gravidez relacionada ao estupro de 5%, dentre as vítimas em idade reprodutiva ( 12 a 45 anos ). Foi estimado que 32.101 gravidez a cada ano são resultado de estupro (9).

 

Gravidez entre os Casos de Estupro Confirmados

Casos

% dos Casos

Casos Confirmados

231

100%

Gravidez considerando o total de estupros confirmados

8

3%

Gravidez considerando faixa de 12 a 45 anos (221 casos )

8

3,6%

Conclusão

Algumas das circunstâncias relacionadas ao crime de estupro foram similares aos dados estatísticos relatados em artigos estrangeiros, principalmente os norte-americanos. Neste caso estão o horário e o percentual de casos apresentando violência extragenital. Nossos dados diferem quanto ao local do fato, os meios empregados para a violência, e quanto ao relacionamento da vítima com o autor.

É preciso cautela na comparação com estatísticas estrangeiras, devido a utilização de conceituação diferente da nossa. As estatísticas americanas apresentam conceitos diversos entre si. Assim, para o National Crime Victimization Survey, "rape" é definido como intercurso sexual forçado, no qual a vítima pode ser homem ou mulher e o agressor pode ser de sexo diferente ou do mesmo sexo da vítima. Nesta estatística as vítimas tem idade acima de 11 anos e estão incluídas as tentativas e ameaças.

"Assalto Sexual" inclui uma ampla série de vitimizações, envolvendo ataques nos quais era indesejado um contato sexual entre a vítima e o autor, incluindo também ameaças e tentativas.

Para o Uniform Crime Reports, "Forcible rape" é a conjunção carnal com mulher, forçada e contra sua vontade.

Já o National Incident-Based Reporting System define "Forcible Rape" como a conjunção carnal forçada ou contra a vontade e também a conjunção carnal não forçada onde a vítima é incapaz de dar o seu consentimento por ser jovem ou ainda temporária ou permanentemente incapaz, mental ou fisicamente. Neste conceito estão incluidas vítimas de ambos os sexos, tentativas e ameaças.

Quanto ao exame citológico, continua sendo uma das alternativas mais simples e confiáveis para a confirmação da conjunção carnal, mas sabemos que em muitos casos de estupro este exame poderá ser negativo, por uma série de circunstâncias intercorrentes. Outros testes como a reação da fosfatase ácida ou a detecção de antígeno específico da vesícula seminal podem ser úteis nos casos de azoospermia (10). Roa e colaboradores utilizando o método da "fluorescence in situ hybridization" (FISH), técnica de análise citogenética molecular, para a detecção de células masculinas não espermáticas, comprovou conjunção carnal até 3 semanas após o fato (11) . Também estão sendo utilizadas técnicas para a identificação de lubrificantes componentes de preservativos e antiespermáticos, para comprovar a conjunção carnal (12).

Por fim, o concurso com outro crime, o roubo, foi encontrada em percentagem significativa (21%).

 

BIBLIOGRAFIA

1. Greenfeld Lawrence A. Sex Offenses and Offenders: An Analysis of Data on Rape and Sexual Assault, U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Bureau of Justice Statistics, February 1997

2. East Afr Med J 1995 Mar;72(3):200-202

Retrospective study of alleged sexual assault at the Aga Khan Hospital, Nairobi. Chaudhry S, Sangani B, Ojwang SB, Khan KS, Aga Khan Hospital, Nairobi

3. National Incident-Based Reporting System (NIBRS), participando os estados de Alabama, Dakota do Norte e Carolina do Sul, ano-calendário de 1991, citada pelo Bureau of Justice Statistics.

4. Contracept Fertil Sex 1995 Apr;23(4):267-270

[Medical management of alleged sexual assault victims in Dakar, Senegal. 25 cases]. Diouf A, Gaye A, Sangare M, Ba Gueye M, Diadhiou F

Clinique Gynecologique et Obstetricale/CHU, Dakar.

5. Tidsskr Nor Laegeforen 1995 Jan 10;115(1):30-33

[Medical and legal aspects of rape. Referrals to a team for care of rape victims at the regional hospital in Trondheim during the period 1989-1992]. Schei B, Muus KM, Moen MH

Institutt for samfunnsmedisinske fag Det medisinske fakultet Medisinsk Teknisk Senter, Trondheim.

6. J Forensic Sci 1994 Nov;39(6):1347-1355

Identification of sperm and non-sperm male cells in cervicovaginal smears using fluorescence in situ hybridization: applications in alleged sexual assault cases. Collins KA, Rao PN, Hayworth R, Schnell S, Tap MP, Lantz PE, Geisinger KR, Pettenati MJ

Department of Pathology, Bowman Gray School of Medicine, Wake Forest University

7. Am J Clin Pathol 1995 Jul;104(1):32-35

Identification of male epithelial cells in routine postcoital cervicovaginal smears using fluorescence in situ hybridization. Application in sexual assault and molestation. Roa PN, Collins KA, Geisinger KR, Parsons LH, Schnell S, Hayworth-Hodge R, Tap MP, Lantz PE, Pettenati MJ

Department of Pediatrics, Bowman Gray School of Medicine of Wake Forest University, Winston-Salem, North Carolina 27157, USA.

8. Tidsskr Nor Laegeforen 1995 Jan 10;115(1):30-33

[Medical and legal aspects of rape. Referrals to a team for care of rape victims at the regional hospital in Trondheim during the period 1989-1992]. Schei B, Muus KM, Moen MH

Institutt for samfunnsmedisinske fag Det medisinske fakultet Medisinsk Teknisk Senter, Trondheim.

9. Am J Obstet Gynecol 1996 Aug;175(2):320-324

Rape-related pregnancy: estimates and descriptive characteristics from a national sample of women. Holmes MM, Resnick HS, Kilpatrick DG, Best CL

Department of Obstetrics and Gynecology, Medical University of South Carolina, Charleston 29425-2233, USA.

10. Int J Legal Med 1996;108(4):186-190

Evaluation of MHS-5 in detecting seminal fluid in vaginal swabs. Keil W, Bachus J, Troger HD

11. Am J Clin Pathol 1995 Jul;104(1):32-35

Identification of male epithelial cells in routine postcoital cervicovaginal smears using fluorescence in situ hybridization. Application in sexual assault and molestation.

Roa PN, Collins KA, Geisinger KR, Parsons LH, Schnell S, Hayworth-Hodge R, Tap MP, Lantz PE, Pettenati MJ

12. J Forensic Sci Soc 1994 Oct;34(4):245-256

Identification of polydimethylsiloxane lubricant traces from latex condoms in cases of sexual assault.

Blackledge RD, Vincenti M