CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS DE ESTUPRO

NO DISTRITO FEDERAL

(trabalho apresentado como tema livre no XV Congresso Brasileiro de Medicina Legal, em Salvador - Bahia, setembro de 1998)

 

M. L. S. Kühn, J. E. S. Reis, A. Trindade Filho

 

A violência interpessoal consiste naqueles tipos de comportamento violento que ocorrem entre indivíduos, mas não é organizada nem é planejada pelos grupos sociais ou políticos em que eles participam. Violência interpessoal pode ser classificada como relacionamento vítima – agressor, a natureza da qual é a chave para distinguir a violência doméstica (familiar e íntima), violência entre conhecidos e violência entre desconhecidos. Mesmo quando a violência é rara, aleatória, inesperada e difícil de controlar, tem efeitos profundos e duradouros, criando um sentimento e um clima de ameaça e de medo. ( Organização Mundial de Saúde)

Finkelhor e Asdigan defendem a idéia de que outras características pessoais colocam a juventude em risco, além dos antigos conceitos sobre o risco de vitimização estarem associados a conceitos de estilo de vida ou a teoria da atividade de rotina, tais como o aumento a exposição e redução da vigilância que estão envolvidos quando a juventude se engaja em comportamento de risco ou delinqüência. Eles concluíram que certas características fazem certos jovens mais " congruentes " com as necessidades, motivos, ou reações potenciais dos agressores. Três tipos específicos de tais características são aqueles que aumentam a vulnerabilidade da vítima potencial (por exemplo, fraqueza física ou distress psicológico), gratificabilidade do alvo (por exemplo, sexo feminino para o crime do assalto sexual), ou o antagonismo do alvo (por exemplo, comportamentos ou identidades étnicas ou de grupo que podem despertar hostilidade ou ressentimento)(1) .

Através de dados coletados dos laudos de conjunção carnal e das ocorrências policiais, procuramos verificar se as características das vítimas estavam ou não de acordo com as teorias descritas acima.

Dos 841 exames de conjunção carnal realizados em 1997 no IMLLR, em 570 casos havia história de estupro. Destes, foi confirmada a ocorrência de conjunção carnal através de exames ginecológicos e laboratoriais em 231 casos ( 40,5% ). Pesquisamos também os dados de 152 ocorrências policiais, referentes aos casos em que a conjunção carnal foi confirmada ( em 66% dos casos positivos).

 

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS

Peso – O peso médio encontrado foi de 52,5 Kg.

Altura – A altura média foi de 155,5 cm. A altura máxima registrada foi de 171 cm.

Altura

Casos

acima de 170

3

166 a 170

10

161 a 165

40

156 a 160

59

151 a 155

71

146 a 150

29

abaixo de 146

14

Total

226

 

Idade – A idade média foi de 20 anos, sendo a mínima de 04 anos e a máxima de 48 anos.

A percentagem de menores de 12 anos foi bem menor ao relatado nos Estados Unidos(2) .

Vítimas de Estupro

Idade

Casos

% dos Casos

EUA

menor de 12

9

4%

15%

entre 12 e 17

82

35%

29%

entre 18 e 29

114

49%

36%

maior de 29

26

11%

20%

TOTAL

231

100%

100%

 

CARACTERÍSTICAS SOCIO-ECONÔMICAS, CULTURAIS E MENTAIS

Profissão – Devido à idade das vítimas, cerca de 1/3 delas são estudantes, não tendo ingressado no mercado profissional. A maioria das vítimas exercia atividades que exigem pouca escolarização e são mal remuneradas. Apenas em 04 casos a vítima era de nível superior.

Profissão da Vítima

Casos

% dos Casos

ESTUDANTE

47

31%

DOMÉSTICA

27

18%

DO LAR

17

11%

COMERCIÁRIA

13

8%

NÃO CONSTA

11

7%

OUTRAS ATIV DE NÍVEL MÉDIO

6

4%

SECRETÁRIA

6

4%

SERVIÇOS DE LIMPEZA E COZINHA

6

4%

NÍVEL MÉDIO ADMINISTRATIVO

4

3%

NÍVEL SUPERIOR

4

3%

FEIRANTE/VENDEDORA AUTÔNOMA

3

2%

FUNC PUBLICA

3

2%

NÃO TEM

3

2%

PROFESSORA

2

1%

COMERCIANTE

1

1%

DESEMPREGADA

1

1%

TOTAL

154

100%

 

Local de Residência da Vítima – A maioria das vítimas residia em cidades da periferia.

 

Local de Residência

Casos

% dos Casos

Bairros Periféricos

182

79%

Plano Piloto

27

12%

Entorno do DF

22

10%

Total

231

100%

Alienação ou Debilidade Mental – Em apenas 04 casos foi constatada debilidade mental, o que corresponde a 1,7% do total de casos confirmados.

Estupro Presumido – Foram registrados 19 casos de estupro presumido porque a vítima era menor de 14 anos. Destes, uma tinha 12 anos e as demais 13 anos. Em dois casos ocorreu gravidez.

VirgindadeApesar de não ser elemento do crime de estupro, pressupõe uma falta de experiência da vítima. A vítima era virgem em 26% dos casos.

Antagonismo – Além da violência característica do estupro, em dois casos ficou caracterizado antagonismo do agressor em relação à atividade de "prostituta" ( agressores desconhecidos ); em um caso por dirigir ofensas verbais à vítima com o intuito de agredi-la moralmente e em outro caso "pagando" à mulher com a quantia de R$ 50,00, após consumado o estupro.

 

COMPORTAMENTO DA VÍTIMA

Ingestão de Bebida Alcoólica - Em 8 casos a vítima havia ingerido bebida alcoólica (5% dos casos em que tivemos acesso a ocorrência policial). Este foi um dado relatado espontaneamente pelas vítimas. Em trabalho realizado na University of Tenessee, o uso de álcool ou drogas antecedendo o estupro chegou a 47% dos casos em vítimas adolescentes. Na Noruega esta proporção foi de 40% dos casos (3) .

OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS

Companhia da Vítima – Na grande maioria das vezes a vítima estava só, quando foi abordada pelo agressor.

 

Companhia da Vítima

Casos

% dos Casos

Estava Só

127

84%

Com uma Pessoa

24

16%

Com 2 Pessoas

1

1%

TOTAL

152

100%

 

Número de Pessoas no Grupo dos Agressores – Da mesma forma, na maioria das vezes o autor se encontrava só, abordando a vítima em companhia de outro(s) em 22% dos casos.

 

Número de Agressores

Casos

% dos Casos

Estava Só

118

78%

Duas Pessoas

22

14%

Três Pessoas

7

5%

Quatro Pessoas

3

2%

Cinco Pessoas

2

1%

TOTAL

152

100%

 

Número de Estupradores – Em 89% dos casos o crime foi perpetrado por um estuprador, embora em alguns casos este agressor agisse em companhia de outro(s). Este número é bastante próximo ao registrado nos Estados Unidos, em que 90% dos agressores agiram sozinhos(2) .

Número de Estupradores

Casos

% dos Casos

1

135

89%

2

12

8%

3

4

3%

4

1

1%

TOTAL

152

100%

Relacionamento da Vítima com o Agressor – O agressor conhecido (26% do total de casos confirmados) prevalece entre as vítimas crianças e adolescentes (67%). O agressor desconhecido predominou entre as vítimas acima de 18 anos (75%). Quando o agressor era conhecido, houve violência extragenital em 16 casos e quando era desconhecido esta violência foi registrada em 56 casos.

 

Agressor:

Conhecido

Desconhecido

Idade da Vítima

% de Casos

% de Casos

abaixo de 12 anos

3%

2%

entre 12 e 17 anos

64%

22%

entre 18 e 29 anos

28%

61%

acima de 29 anos

5%

14%

Total

100%

100%

 

Quando o agressor foi conhecido, a violência extragenital esteve presente em 26% dos casos. Nos casos de agressor desconhecido esta percentagem foi de 42%.

Conhecido

Desconhecido

Violência Extragenital

% dos Casos

% dos Casos

Não

72%

52%

Sim

26%

42%

Não consta

2%

5%

Total

100%

100%

 

 

CONCLUSÃO

Nos casos de estupro confirmado, ocorridos em 1997, encontramos alguns dados que confirmam as teorias de Finkelhor e Asdigan, tais como:

  1. Vulnerabilidade – No aspecto físico, a média das mulheres estupradas apresentavam baixa estatura e baixo peso. Quanto ao aspecto psicológico, não pode ser avaliado pela descrição dos laudos ou das ocorrências policiais. Quatro das vítimas eram deficientes mentais e dezenove eram menores de 14 anos.
  2. Gratificabilidade – A maioria das mulheres eram jovens, fisicamente saudáveis.
  3. Antagonismo – Em dois casos o agressor ( desconhecido) insultou as vítimas, tratando-as como prostitutas. A sociedade brasileira, ao contrário da norte-americana, não tem como característica o antagonismo étnico, comportamental, ou relacionado a entidades grupais, sendo que manifestações deste tipo são episódios isolados.

Verificamos, entretanto, que outros fatores independentes das condições pessoais das vítimas apresentaram grande relevância. Estes fatores, geralmente de natureza sócio-econômica, foram o fato da vítima quase sempre estar andando à pé, desacompanhada, em locais de pouco movimento e em horário noturno.

Além disso, é preciso considerar a sub-notificação dos casos de estupro. A Organização Mundial de Saúde afirma:

"O assalto sexual na maior parte das vezes não é registrado em países industrializados e ou em desenvolvimento. As razões são múltiplas e em grande parte relacionadas à posição, ao papel social e à situação das mulheres. Denunciar é freqüentemente inútil em situações onde existe um padrão de agressão contra as mulheres pelos próprios agentes da lei ou outras autoridades. Em muitas sociedades a culpa para o assalto sexual é injustificadamente atribuída às mulheres, e os agressores, se trazidos à justiça, escapam com punição limitada. Em alguns ambientes as mulheres violentadas transformam-se em proscritas e condenadas ao ostracismo, ou mais grave, muitas vezes por suas próprias famílias."

Assim sendo, concluímos que apenas parcialmente se confirmaram as teorias dos autores acima citados, pois, o estupro está mais relacionado a fatores culturais, sociais e econômicos do que a aspectos pessoais, tanto da vítima como do agressor (4) .

BIBLIOGRAFIA

1. Violence Vict 1996;11(1):3-19

Risk factors for youth victimization: beyond a lifestyles/routine activities theory approach.

Finkelhor D, Asdigian NL

2. Greenfeld Lawrence A. Sex Offenses and Offenders: An Analysis of Data on Rape and Sexual Assault, U.S. Department of Justice, Office of Justice Programs, Bureau of Justice Statistics,February 1997

3. Tidsskr Nor Laegeforen 1995 Jan 10;115(1): 30-33

Medical and legal aspects of rape. Referrals to a team for care of rape victims at the regional hospital in Trondheim during the period 1989-1992.

Schei B, Muus KM, Moen MH

Institutt for samfunnsmedisinske fag Det medisinske fakultet Medisinsk Teknisk Senter, Trondheim.

4. Sanday Peggy R. Estupro como Forma de Silenciar o Feminino, em Estupro, coordenado por Sylvana Tomaselli e Roy Porter, Rio Fundo Editora, Rio de Janeiro, 1992.