"O novo paradigma (uma constelação de concepções, de valores, de percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade e que estabelece uma visão particular da realidade) pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo 'ecológica' for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)."

Fritjof Capra

Existe um movimento de despertar para o fato de que as ações industriais, técnicas e altamente mecanicistas de nossa sociedade materialista está causando um sério abalo na qualidade de vida dos homens e demais seres vivos que constituem a biosfera. E movimentos como os do Green Peace, os dos vários partidos verdes e a ampla aceitação e debates de assuntos ecológicos, como na Rio-Eco 92, parecem ser "sintomas" de uma gradual mas cada vez mais irreversível consciência de que todos nós fazemos parte de uma teia frágil, linda e muito mais profunda do que nos fazem crer nossas estruturas científicas e comerciais... fazemos parte da teia da vida que consitui um enorme organismo vivo e hoje seriamente ameaçado pela ganância e sede de poder de órgãos econômicos, industriais, políticos, científicos e religiosos, todos voltados para o conquistar e o manter o poder, quer seja material, quer seja ideológico. Mas há uma movimentação interna visível contra tudo isso, afinal somos células e nervos de Gaia, a Terra viva, e esta nova percepção Holísitica, sistêmica ou interrelacional entre todas as coisas que nos cercam, é chamada de Ecologia Profunda.

O filósofo Arne Naess caracterizou da seguinte forma a Ecologia Profunda: "A essência da ecologia profunda consiste em fomular questões mais profundas", e, segundo Fritjof Capra, é essa também a essência de uma mudança de paradigma: "Precisamos estar preparados para questionar cada aspecto isolado do velho paradigma. Eventualmente, não precisaremos nos desfazer de tudo, mas antes de sabermos isso, devemos estar dispostos a questionar tudo. Portanto, a Ecologia Profunda faz perguntas profundas a respeito dos próprios fundamentos da nossa visão de mundo e do nosso modo de vida modernos, científicos, industriais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somos parte" (Capra, 1997, página 26).

Ética


Tudo o que diz respeito à percepção humana da realidade e, conseqüentemente, os valores humanos que estão enlaçados com esta percepção é de fundamental importância para a Ecologia Profunda. Já não podemos acreditar que nossas teorias e pesquisas científicas são isentas de valores, pois a própria escolha de como e o que devemos estudar e levar em consideração já é uma ação que se alinha com uma determinada forma ou maneira de fazer ciência, subjetivamente aceita como a mais "verdadeira". Portanto, as chamadas abordagens dominantes (por exempo, a Psicanálise, em Psicologia), tendem a impor uma forma de visão de homem que é estreitamente ligada a um apradigma já claramente nocivo à humanidade.

Segundo Capra, como oposição perceptual necessária a tudo isso, a ecologia profunda centraliza-se em valores holísticos e, mais propriamente, ecocêntricas (centralizados na Terra como um sistema vivo, Gaia). Nesta acepção, todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências, formando uma rede de vida dinâmica e auto-consistente. Aliás, com estas características, a própria rede parece ser um organismo. Neste sentido, o homem não é melhor ou pior que qualquer outra espécie, mas um componente fundamental desta rede, criado por ela, mantido por ela, influenciado por ela e tendo o poder de influenciá-la (tanto positiva quanto negativamente) tanto quanto é influenciado por ela. Aliás, somos meros nódulos da rede da vida, juntamente com todas as outras espécies vivas, tendo a única diferença de sermos complexamente racionais, o que nos faz quase sempre nos identificarmos apenas com esta qualidade, esquecendo-nos de que o organismo, como um todo, possui uma racionalidade ainda mais sábia que a racionalidade intelectual. Assim, quando pisamos em algo pontudo, não ficamos a "analisar" se somos agredidos por um espinho, um prego ou uma agulha, nem nas orígens deste incômodo, como o objeto foi parar ali ou quais as suas conseqüências, mas, "organísmicamente", sabiamente, retiramos imediatamente o pé, graças a uma sabedoria instintiva mais profunda e que é comum a todos os seres vivos, isso sem falar no sentimento humano.... Como disse Pascal, O coração tem razões que a razão desconhece"...

Esta ética de pertinência e de co-responsabilidade vivencial é extremanete necessária nos dias de hoje, uma vez que a maior parte do que fazemos, quer seja tecnicamente ou não, especialmente entre os sacerdotes do saber, os cientistas, não parece promover a vida e nem preservá-la, mas sim de a coisificar, banalizar e destruir cada vez mais a vida sob a égida de um paradigma mecanicista, sob o pretexteo de crescimento econômico travestido de pseudo-valores antropocêntricos (como se o homem fosse um ser à parte da natureza complexa que o sustenta). Os cientistas mecanicistas, que crêem num universo máquina, projetam sistemas de armamentos com a capacidade de destruir inúmeras vezes toda a vida do planeta, desenvolvem novos produtos químicos que contaminam o meio ambiente global sem nenhum respeito ético pela vida, ou desenvolvem mutações em microorganismos vivos que podem ser soltos por ai sem muito pensarem nas conseqüências de seu mister, isso sem falar de psicólogos que torturam animais e acabam por acreditar que o homem pode ser manipulado da mesma forma, além do mecanicismo econômico, que descarta qualquer possibilidade de se incluir valores e/ou qualidade de vida em seus gráficos de oferta e procura.

Como nos diz o físico Fritjof Capra e outros estudiosos da filosofia da Ciência, alienadamente "Não reconhecemos que os valores Não são periféricos à ciência e nem à tecnologia, mas consituem a sua própria força motriz". Culturalmente, acreditamos que os valores podem ser seprados dos fatos (objetividade), e assim pensamos que os fatos científicos são independentes daquilos que fazemos e, portanto, são isentos de valores. "Na verdade os fatos científicos emergem de toda uma constelação de percepções, valores e ações humanas - em uma palavra, emergem de um paradigma - dos quais não podem ser separados. (...). Portanto os cientístas são responsáveis por suas pesquisas não apenas intelectualmente, mas moralmente. Dentro do contexto da Ecologia Profunda, a visão segundo a qual esses valores são inerentes a toda a natureza viva está alicerçada na experiência profunda, ecológica ou espiritual, de que a natureza e o eu são um só. Essa expansão do eu até a identificação com a natureza é a instrução básica da ecologia profunda(...)" (Capra, 1997, p. 29).

 

Bibliografia Sugerida

 Capra, Fritjof. A Teia da Vida, Editora Cultrix, São Paulo, 1997.

Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Editora Cultrix, São Paulo, 1986