Gaia - A Terra Viva
Em nosso século, a partir do trabalho de inúmeros
pesquisadores de várias áreas da ciência - especialmente em biologia e em neurologia,
bem como em física e em cibernética, dentre inúmeras outras ciências que estão a
contribuir enormemente para a maturação do conhecimento humano -, vemos surgir (ou
ressurgir) uma nova ( ou será antiga? ) forma de compreender o mundo, forma que vai muito
além da já antiquada (e ainda muito presente) concepção/entendimento/idéia de mundo
como sendo um sistema mecânico morto e determinista, bem análogo às criaçôes
mecânicas humanas - ou seja, bem concorde com o entendimento humano no seu atual estágio
cultural - e que constitui a metáfora essencial do paradigma cartesiano,
estritamente adotado pela ciência moderna nos últimos três séculos.
Hoje , porém, está cada vez mais clara a idéia de que os sistemas complexos que formam
um todo orgânico, vivo, possui características próprias, homeostáticas e dinâmicas
enquanto conjunto, apresentando características próprias que escapam às qualidades e
atributos de cada uma de suas partes constituintes, linearmente conectadas... Ou seja, um
organismo, como um todo é algo mais diferenciado e com atributos próprios bem acima da
soma de suas partes componentes fundamentais. É assim, num exemplo simples, que dois
gases que são muito utilizados na combustão, como o oxigênio e o hidrogênio, quando
unidos possuem uma nova característica bem própria que nos permite usa-los para o
combate ao fogo, ao formarem a água. Além do mais, nos sistemas orgânicos vivos, a
homeostase apresenta-se com carcterísticas dinâmicas tais que superam o comportamento
normal das "máquinas" feitas pelo homem, notadamente quanto ao grau de
entropia, ou do crescimento do equilíbrio térmico, que nas máquinas convencionais é
percebido pelo desgasta sempre crescente do equipamento, o que leva ao fim de sua vida
útil, mas que é mantido, ao contrário, em um nível mais ou menos contante nos seres
vivos.
Da mesma forma, sistemas vivos são estruturas complexas que exibem caracterítiscas muito
próprias que "emergem" do conjunto formado por elementos possíveis de serem
diferenciados. Por exemplo, pessoas e animais são formados por órgãos que são formados
por células que, por sua vez, são formadas por vários elementos moleculares, alguns
deles extremamente complexos, e estes, por fim, formados de átomos perfeitamente comuns
e, em grande medida (senão na sua totalidade) igualmente presentes em todas as espécies
de seres vivos. Ora, embora tenhamos a mesmíssima base atômica, ninguém vai dizer que
existe uma igualdade funcional entre, por exemplo, uma rosa e um gato, ou entre um
carvalho e um homem, muito embora, em essência, a estrutura do código da vida seja
basicamente a mesma entre todos eles (o código genético, por exemplo, é escrito com as
mesmas "letras" e com a mesma "sintaxe" em todos os seres vivos).
Ora, embora tenhamos um modo de manifestação físca bem visível, onde os elementos
estão em constante troca - nosso corpo está senpre se renovando - é o padrão que
advém ou que emerge das estrutras mais elementares, enfim, as caraterísiticas do todo,
mais do que seus elementos constituintes, que nos farão reconhecer um homem de outro
homem, ou um homem de um chimpanzé, uma sinfonia ou um poema das letras impressas numa
folha de papel, etc.
As idéias-chaves que possibilitaram levar-se a sério a dinâmica da organização em si,
do padrão como estando muito além das características das partes físicas
constituintes, foi um dos maiores marcos da ciência do século XX, similar ao que ocorreu
com a idéia de campo de energia, em Física na segunda metade do século XIX.
Dentre os vários pais desta nova visão sistêmica de mundo, citam-se Ilya Prigogine, na
Bélgica, que realizou a ligação fundamental entre sistemas em não-equilíbrio e
não-linearidade, como os que constituem as "estruturas disspiativas"; Heinz von
Foerster, nos EUA, que montou um grupo de pesquisa multidisciplinar, o que possibilitou
inúmeros insights sobre o papel da complexidade na auto-organização dos seres vivos e
não vivos; Herman Haken, na Alemanha, com sua teoria não-linear do laser; Ludwig von
Bertallanfy, na Áustria, com o seu trabalho pioneiro e seminal sobre a Teoria Sistêmica
dos seres vivos e das sociedades, etc.; Humberto Maturana, no Chile, que se debruçou
sobre as características fundamentais dos sistemas vivos. Tudo isso sem falarmos do
grande desenvolvimento e importância cada vez maior da ciência da Ecologia nos últimos 50
anos e dos saltos conceituais nas ciências humanas, especialmente na Sociologia, com
Michel Maffesoli, e em Psicologia, a partir de Jung.
Foi neste contexto, mais ou menos visível, mais ou menos presente (e em constante atrito
com a concepção linear e estritamente mecanicista do paradigma cartesiano então - e
ainda - vigente, muito útil à ideologia do capitalismo) que o químico norte-americano
James Lovelock fez uma descoberta magnifíca, talavez a mais bela do século na área das
ciências biológicas, que lhe permitiu formular um modelo surpreendente de
auto-organização não-linear, global e ecologicamente sublime, onde todo o planeta Terra
surge como sistema vivo, auto-organizador.
As orígens da modernaTeoria de Gaia (nome da antiga deusa grega pré-helênica que
simbolizava a Terra viva) se econtram nos primeiros dias do programa espacial da NASA
(Capra, 1997, p. 90). Os vôos espaciais que começaram na década de 60 permitiram aos
homens modernos perceberem o nosso planeta, visto do espaço exterior, como um todo
integrado, um Holos extremamente belo.... Daí as primeiras palavras dos astronautas serem
de deslumbramento e emoção, muito longe do linear e frio linguajar técnico-científico
presente nas operações de pesquisa e de lançamento dos veículos espaciais. Todos nós
lembramos das poéticas palavras de Yuri Gagarin: "A Terra é azul"... Pois bem,
esta percepção da Terra em toda a sua poética beleza, foi uma profunda experência
espiritual, como muitos dos primeiros astronáutas não se cansaram de dizer, mudando
profundamente as suas concepções e seu modo de relacionamento com a Terra. De certa
forma, este deslumbre foi o passo inical do resgate da ideia muito antiga da Terra como um
organismo vivo, presente em todos as culturas e em todos os tempos (Capra, obra cit., p.
90; Campbell, 1990; Eliade, 1997).
Posteriormente, a NASA convidaria James Lovelock para ajudá-la a projetar instrumentos
para a análise da atmosfera e, consequentemente, para a detecção de vida em Marte, para
onde seria enviada uma sonda Viking.
A pergunta capital para Lovelcok, dentro deste contexto, era: "Como podemos estar
certos de que o tipo de vida marciano, qualquer que seja ele, se revelará aos testes de
vida baseados no tipo de vida terrestre, que é o nosso referencial?". Este
questionamento o levou a pensar sobre a natureza da vida e como ela poderia ser
reconehcida nas suas várias possibilidades.
A conclusão mais óbvia que Lovelock poderia chegar era a de que todos os seres vivos
têm de extrair matéria e energia de seu meio e descartar produtos residuais em troca.
Assim, pensando no meio terrestre, Lovelock supôs que a vida em qualquer planeta
utilizaria a atmosfera ou, no caso de os haver, os oceanos como o meio fluido para a
movimentação de matérias-primas e produtos residuais. Portanto, poder-se-ia ser capaz
de, em linhas gerais, detectar-se a possibilidade da exitência de vida analisando-se a
composição química da atmosfera de um planeta. Assim, se houvesse realmente vida em
Marte (por menor que fosse sua chance) a atmosfera marciana teria de revelar algumas
combinações de gases características e propícias à vida que poderiam ser detectadas,
em princípio, a partir da Terra. Ou, em outras palavras, qualquer planeta, para
possibilitar a vida, necessita de um veículo fluido - líquido ou gasoso - para o
transporte ou movimentação de componentes orgânicos e inorgânicos necessários à
troca de materiais e resíduos resultantes da vida, pelo menos no nível e na dimensão do
que se reconhece por vida dentro de nosso atual grau de conhecimento. Este meio fluido
deve, portanto, aparesentar uma somatória de características básicas.
Estas hipóteses foram confirmadas quando Lovelock e Dian Hitchcock começaram a realizar
uma série de análises da atmosfera marciana, utilizando-se de observações feitas na
Terra, comparando os resultados com estudos semelhantes feitos na nossa atmosfera. Eles
decobriram algumas semelhanças e uma série de diferenças capitais entre as duas
atmosferas: Há muito pouco oxigênio em Marte, uma boa parcela é constituida de Dióxio
de Carbono e praticamente não há metano na atmosfera do planeta vermelho, ao contrário
do que ocorre aqui. Lovelock postulou que a razão para tal retrato da atmosfera de Marte
é que, em um planeta sem vida, todas as reações químicas possíveis já ocorreram há
muito tempo, seguindo a segunda lei da termodinâmica - a da entropia que já foi exposta
acima - e que estabelece que todos os sistemas físico-químicos fechados tendem ao
equilíbrio termo-químico, ou de parada total de reações. Ou seja, ao contrário do que
ocorre na Terra, há um total equilíbrio químico na atmosfera marciana, não ocorrendo
reações químicas consideráveis hoje em dia.
Já na Terra, a situação é totalmente oposta. A atmosfera terrestre contém gases com
uma tendência muito forte de reagirem uns com os outros, como o oxigênio e o metano, mas
que, mesmo assim, existem em altas proporções, num amálgama de gases afastados do
equilíbrio químico. Ou seja, a pesar da contínua reação entre os gases, seus
compoentes continuam presentes em proporções constantes em nossa atmosfera.Tal estado de
coisas deve ser causado pela presença de vida na Terra, já que as plantas (terrestres e
aquáticas) produzem constantemente oxigênio, e os outros organismos formam os outros
gases, de modo a sempre se repor os gases que sofrem reações químicas. Em outras
palvras, Lovelock provou que a atmosfera da Terra é um sistema aberto, afastado do
equilóbrio químico, caracterizado por um fluxo constante de matéria e energia,
influenciando e sendo influenciada pela vida, em perfeito biofeedback!
Eis as palvras de Lovelock do exato momento de sua descoberta:
"Para mim, a revelação pessoal de Gaia veio subitamente - como um flash ou lampejo
de iluminação. Eu estava numa pequena sala do pavimento superior do edifício do Jet
Propulsion Labortatory, em Pasadena, na Califórnia. Era outono de 1965, e estava
conversando com Dian Hitchcock sobre um artigo que estávamos preparando... Foi nesse
momento que, num lampejo, vislumbrei Gaia. Um pensamento assustador veio a mim. A
atmosfera da Terra era uma mistura extraordinária e instável de gases, e, não obstante,
eu sabia que sua composição se mantinha constante ao longo de períodos de tempo muito
longos. Será que a Terra não somente criou a atmosfera, mas também a regula -
mantendo-a com uma composição constante, num nível que é favorável aos organismos
vivos?"
A auto-organização típica dos sistemas vivos, que são sistemas abertos e tão longe do
equilíbrio químico postulado pela segunda lei da termodinâmica tão cara aos físicos
clássicos como uma lei universal (que, de fato, parece ser para os sistemas
fício-químicos fechados), é a base da teoria de Lovelock. É conhecido dos cientistas
que o calor do sol aumentou em cerca de 25 por cento desde que a vida surgiu na Terra mas,
mesmo assim, a temperatura na nossa superfície tem permanecido praticamente constante,
num clima favorável à vida e ao seu desenvovimento, durante 4 bilhões de anos. A
próxima pergunta é: e se a Terra, tal como ocorre com os organismos vivos, fosse capaz
de se auto-regular, fosse capaz de manter sua temperatura assim como o grau de salinidade
dos seus oceanos, etc? Vejamos o que Lovelock nos diz:
"Considere a teoria de Gaia como uma alternativa viável à 'sabedoria' convencional
que vê a Terra como um planeta morto, feito de rochas, oceanos e atmosferas inanimadas, e
meramente, casualmente, habitado pela vida. Considere-a como um verdadeiro sistema,
abrangendo toda a vida e todo o seu meio ambiente, estritamente acoplados de modo a formar
uma entidade auto-reguladora".
Nas palavras de Lynn Margulis:
"Em outras palvras, a hipótese de Gaia afirma que a superfície da Terra, que sempre
temos considerado o meio ambiente da vida, é na verdade parte da vida. A manta de ar - a
troposfera - deveria ser considerada um sistema circulatório, produzido e sustentando
pela vida.... Quando os cientistas nos dizem que a vida se adapta a um meio ambiente
essencialmente passivo de química, física e rochas, eles perpetuam uma visão mecanicista seriamente
distorcida, própia de uma visão de mundo falha. A vida, efetivamente, fabrica, modela e
muda o meio ambiente ao qual se adapta. Em seguida este 'meio ambiente' realimenta a vida
que está mudando e atuando e crescendo sobre ele. Há interações cíclicas, portanto,
não-linerares e não estritmamente determinísticas".
Bibliografia Sugerida
Lovelock, James. As Eras de Gaia, Editora Campus, São Paulo,
1994. Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Editora Cultrix, São Paulo, 1986. Capra,
Fritjof. A Teia da Vida, Editora Cultrix, São Paulo, 1997. Jung, Carl Gustav. O Homem e
Seus Símbolos, Editora Nova Fronteira, 1991. Campbell. Joseph. O Poder do Mito, Editora
Palas Athena, São Paulo, 1990. Eliade, Mircea. História das Idéias e Crenças
Religiosas, Editora Rés, Porto, Portugal, 1997.
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