:


Contras do 9º Festival

        Este ano o festival de teatro de curitiba veio cheio de novidades. Haviam mostras à meia-noite possibilitando vermos mais peças e ônibus exclusivos saindo da Tiradentes em direção ao local da encenação. Ocorreram também proveitosas oficinas de teatro para jovens e adultos assim como exibição de filmes de Brecht no Canal da Música. Sem discussão este ano foi bem melhor do que 99 mas isto não quer dizer que foi ótimo.

        Apesar de diretores renomados entrarem diretamente na mostra oficial com peças, no meu ponto de vista fracas, o que sobressaiu novamente foi o fringe, a mostra alternativa que ocorre em paralelo à oficial. Esta sim podíamos aplaudir de pé pela sua grande inovação e variedade.

        Ponto negativo para os curitibanos que nesta parte, de aplaudir mesmo, estão completamente por fora, ou seja, falta alguém para dizer: meu filho, só aplauda se você gostou, fique aplaudindo se você gostou muito, mas só levante (em alguns casos depois que os atores saem e entram novamente) quando você gostou, mas gostou muito mesmo!!! Isto não é só questão de educação como serve como construção para os atores e diretores.

        Assisti muitas peças, dentre elas: Caesar ,Coro, Bonitinha mas ordinária, The game, Idiotas que falam outra língua, Pequenos trabalhos para velhos palhaços, A terceira margem do rio e Andarilhos do repente. A primeira trata-se da peça mais interessante que já tinha visto. O simbolismo expresso nas roupas dos personagens, o magnífico cenário e principalmente pela peça ser em outro idioma trouxe uma nova visão de montagem. Já que o texto foi dado todo em croata, uma grande parte do público saiu antes mesmo do espetáculo ter fim.... O cenário principal era móvel sendo que os movimentos eram realizados pelos próprios atores, enquanto personagens. Haviam performances até em cima do cenário que, em alguns casos, dividiam o foco com o cenário principal. As roupas usadas foram extremamente diferentes, iam de clubber a sadô. Ocorreram transformações incríveis de personagens por conta dos atores, excepcional! Esta peça terminou por volta das 23:30 e como o palco para "The game" era um hotel perto da reitoria consegui ver estas duas peças no mesmo dia, o que era impossível no ano passado...

        Estávamos esperando a chamada no hall de entrada do hotel. O engraçado foi que aquele texto de sempre: "Homens e mulheres, assim como os celulares, precisam repor suas energias..." que ficaria melhor: "DESLIGUE SEU CELULAR PORRA " foi dado ali mesmo por um system da recepção. Assim percebíamos que a peça acabara de começar. Um ator caracterizado sai de um elevador e chama os "convidados" para desvendar um crime. Estes convidados são divididos em grupos e recebem missões para desvendar um suposto assassino que estaria dentre nós...Só bobagem para a gente acreditar mais um pouco no que dizia a sinopse daquele folheto: uma peça baseada no jogo detetive. Quando o clima de investigação passou para o segundo plano os atores continuavam a seguir a história, porém, passando agora, através de cada cena e nas entre-linhas de suas falas, alguma mensagem. A única quebra foi uma crítica irônica ao capitalismo, onde os atores se vestem de palhaços e tiram sarro do nosso convívio quase despercebido com o capitalismo. De que o Fast Food não passa de um Fast Food (entenderam?) e também com o incrível preço a que são vendidas as batatas fritas (como no Mc'Donalds, mas claro que não citaram esse nome).

        Isto é verdade. Outro dia, na minha árdua jornada de bóia fria para o estágio, deparei-me com um caminhão de batatas na frente do terminal do Campina do Siqueira que vendia batatas a R$0,10 o quilo! Pena que não estavam fritas. Bom até que o cara podia ter fritado....Mas acontece que seguindo esta linha de raciocínio concluí que com apenas R$ 3,00 podemos fritar dez quilos de batatas! Veja: com um real compramos 10kg de batatas, mais um real para uma lata de óleo. Pronto! Ah, e o um real que sobra a gente paga para o sandro descascar (já que o cléverson cobra caro)! Simples...

        Continuando. "Coro" foi uma peça extremamente curiosa. Não simplesmente pela peça, mas pela curiosidade que surgiu desde aquela reportagem na gazeta do povo : "O Camarim foi cancelado e no lugar de Coro irão fazer uma rave das duas peças"...

        Pra começar o que é uma peça rave???? Eu nem me atrevi a procurar respostas para isto. Mas também não estava pensando que haveria uma peça no Guairinha com DJ´s e after-hour.E que decepção, o que houve na verdade com a "rave" citada no artigo foi apenas uma insignificante ligação com parte da história, cenário e personagens. A festa na verdade ocorreu quando os atores, quebrando a quarta parede, derrubam a peça e começam outro diálogo. Nesta parte realmente eles foram bons, ou seja, eu acreditei que, quando eles falaram que não sabiam mais o texto, não sabiam mesmo. Foi igual ao "Sai de Baixo" da globo quando eles começam a improvisar e falar besteiras, o que aliás é a única parte boa do programa.

        A partir daí eles começam a tentar convencer o público de que realmente não sabiam o que falar e ficam falando merda por cerca de meia hora, ou mais. Observação: desde o começo da peça até esta hora acho que conseguiram fumar uns vinte cigarros, principalmente o ator que ficava no sofá fumando e rodando uma trinta e oito. Depois desta chateação retomam o começo da peça e terminam. Lagal né!? Não? Pois é. Muitos aplausos e a maioria do público de pé...

        Aí ficou a dúvida se gostaram mesmo ou levantaram pelo péssimo costume de fazer isto em toda peça. A cortina não se fecha e os atores fazem o agradecimento com mãos dadas e conduzem o aplauso para Gerald Thomas, o diretor. Este surge do corredor, na platéia e sobe glorioso ao palco, claro que fumando... O elenco então dá as costas e vai para o camarin, repetindo, para o camarin. Acabou e como não vi nenhuma das duas peças inteiras, pois "Camarin" cancelaram e esta não foi a peça apresentada no folder, senti ter comprado gato por lebre, ou não.

        "Pequenos trabalhos para velhos palhaços" começou no corredor do auditório, lá no canal da música. Achei sensacional a idéia de sortear os personagens antes da peça começar. É isso mesmo. O público está esperando e os palhaços entram fazendo bagunça. De repente eles param para sortear, com um dado contendo em cada face a identidade dos atores, um personagem para cada ator. Depois disso eles chamam o público para o teatro.

        Nas cadeiras do teatro haviam bexigas, que serviram para uma interação com o público no meio da peça. A peça trata basicamente de uma disputa entre os palhaços para conseguir um emprego. Cada palhaço começa a mostrar o que sabe fazer para o outro. Quando a peça parace ter chegado ao fim eles fazem outro sorteio. A partir daí a peça ganha outra cara. Ficou até meio confusa pois era possível confundir os personagens de vez em quando. Na hora deste sorteio, no meio da peça, o dado caiu duas vezes no mesmo lado, o palhaço deu uma risadinha e jogou novamente, caiu outra vez do mesmo lado, jogou navamente e adivinha.. Bom acho que o total foram cinco vezes e pelo que parece aquele dado estava viciado. Para ter noção digo que esta foi a parte mais engraçada da peça. Outra novidade da peça foi que os atores não voltam para agradecer. A luz se apaga e quando acende novamente não há mais ninguém no palco. Saem pela lateral do corredor que dá acesso às cadeiras tocando trompete e caixa de guerra. P.s.: só percebi isto depois que já tinham acendido a luz. Eu fiquei lá um tempão esperando para aplaudir e nada. Bom, talvez por ser domingo, 00:50, os atores estavam cansados e não viam a hora de abraçar a cama....hehehe.

        "A terceira margem do rio", como todos sabemos e já lemos, é título do famoso conto de Guimarães Rosa. Através de um monólogo o ator transcorre um mundo que imaginamos como se estivéssemos lendo o própio conto. Este que foi o lado incrível da peça e que mostrou como o teatro é grande em sua magia. Às vezes lemos um livro, ou mesmo um conto, e criamos um mundo ideal dentro de nossa mente. Se essa utopia fosse transposto para o mundo material perderia toda sua magia, a magia da arte. Um exemplo disso são os filmes inspirados em livros, que decepcionam se vistos depois da leitura. E o ator Guido Correa transpôs os personagens do conto sem caracterizá-los por completo, apenas os identificava. E esse símbolo também foi muito bem usado. Na hora de retratar a "mãe" que aparece no conto, ele apenas veste um manto, de costas para a platéia e com uma corcunda faz-se parecer mãe qualquer que pode ser idealizada particularmente por cada um dos espectadores. E aquilo foi extraordinário. Esta peça eu aplaudi de pé.

        "Bonitinha mas ordinária" lotou o Guairinha. Os ingressos tinham se esgotados na primeira semana. Achei interessante ir assistir pois foi escrita por Nelson Rodrigues. Eu acho muito boa a obra de Nelson Rodrigues pois ele, lembrando Toulousse-Lautrec, expressa mais a vaidade e a leviandade humana do que sua nobreza. Pois os seres humanos são tanto nobres fingidores e perversos como criaturas da fé e da razão que apenas utilizam máscaras diárias que inibem sua própria personalidade. Então seguindo esta linha adivinhe onde começa a peça? Sim, numa mesa de bar. Os dois começam a futricar sobre diversos assuntos, um frustrado com as mulheres e o outro dando conselhos (já me vi nesta várias vezes), até que o "aconselhador" sobe na mesa e diz mais ou menos isto: "Rapaz apesar de tudo que disse ouça bem esta: o mineiro só é solidário no cancêr". O outro fique em estado de choque e retruca mais ou menos isto "Cara era disso que estava precisando! O mineiro só é solidário no cancêr, é isto...incrível.." De começo a cerca da frase pensei que estava com demasiada cera no ouvido. Quando ele repetiu pela segunda vez eu pensei: realmente meu ouvido está começando a me enganar. Porque simplesmente não havia entendido aquela frase. Só tive certeza de que entendi direito depois que a mulher ao meu lado perguntou pro outro do seu lado, que perguntou pro outro, o que ele havia dito. Derrepente me dei conta de que aquela frase que ficou cutucando minha cabeça foi o pensamento chave da peça que a caracterizou. No decorrer da peça ela aparecia de várias formas. Ex.: -Filho e o emprego como está?-Saí, me despedi -Mas por que?-Ora mãe porque o mineiro só é solidário no câncer....e assim vai.

        A história da peça, como diz no folder, mostra a tragetória do jovem 'Edgar' dividido entre duas mulheres que apresentam personagens não-lineares, se revelam durante a peça. Eles são influenciados pela sociedade e dentro desta são retirados personagens esteriótipos ( magnatas, playboys e pessoas deste meio) para deboche.Muito boa a peça. E não se esqueçam: "o mineiro só é solidário no cancêr"!

        A peça do Rubens Fonseca ("Idiotas que falam outra língua") foi na casa vermelha.....Isso lembra alguma coisa? Bom é mais ou menos isso que acontece na primeira cena, putaria. A mulher entra com seus lindos mamilos ( acho que estava apontando para mim)à mostra e com um casaco por cima. Nem lembro do que eles falaram depois que ela entrou mas a conversa acabou em cena de sexo explícito à um metro e meio do público (a platéia era pequena e bem perto do palco, acho que tinha). É mais ou menos isso que acontece em Bufo & Spalanzzani (livro de R.F.), já começa com uma cena picante... A história gira em torno de um homem divido entre duas mulheres (acho que já escrevi isto) num dia em que tudo dá errado para ele. A linguagem típica de humor negro lembrou Rubem Fonseca. O cenário da peça foi totalmente novo para mim. Era como se o palco estivesse na perspectiva convergente do fundo, acima do chão. Ou seja o palco era inclinado e tudo meio torto acompanhando o chão. Haviam uma porta no fundo estilo Alice-no-país-das-maravilhas... Mas a peça ia bem, não fosse o sotaque baiano dos atores oxi! No FTC de 1999 aconteceu quase mesma coisa. A peça "Sonho de uma noite verão" teve uma super-produção ótima trilha sonora, luz, mas os atores eram baianos e isso contagiou, de uma certa forma, os coitados personagens....

        Por fim "Andarilhos do repente" estava marcado para as 16h do último dia do festival, no P.Barigui.Eu combinei com o Cabelo lá às quatro. O problema foi que a gente não definiu este lá. 16h, o parque lotado, haviam muitas atividades naquele dia e como pensava que a peça já tinha começado saí correndo para saber onde seria a tal. Ninguém sabia onde era. A única informação que concegui foi que estava tendo um teatro num ônibus. ???. -Pra que lado? - Pro outro... Esta foi a pior de todo o festival de curitiba, não haviam informações tampouco informes do local no folder. Uma verdadeira falta de organização.

        E lá fui eu denovo com um sol dos inferno batendo no rosto. Cheguei e na frente de um ônibus havia uma mulher dublando uma ópera e umas cinco criancinhas achando chato... E eu pensei, puts! será que é isto? Acho que não. E saí procurando os andarilhos... quando faltam uns dez minutos para as cinco horas eu estava passeando e vi um povo agrupado, olhando para o nada e se protejando do sol com umas bandeirolas vermelhas. Quando cheguei perto de uma mulher para tentar ler o que dizia uma nuvem escondeu o sol e todo mundo guardou sua bandeirinha. E agora? Quando estava saindo dali um moço me entregou uma daquelas bandeiras. Cheguei perto e li: An...Andar....Andarilhos do repente. Ufa! Achei. Derrepente tudo ficou claro e achei vários amigos por lá, menos o Cabelo. E que sorte, nem tinha começado. O enredo da peça nem vale a pena contar por que os atores foram ótimos e isto que fez a peça. Que na verdade parecia um grande canovaccio (sem os personagens tipos). Definitivamente foi a melhor peça de teatro de rua que já vi.

        E o Cabelo? R: ficou procurando a peça até às seis...hehe....Sem mais comentários.

 

        Robert Cantarutti

 

P.s.: O texto acima é o texto original completo. Quando enviei à Gazeta do Povo retirei os nomes e citações aos amigos.