MARIA DE FÁTIMA
*Odilon de Carvalho

Fevereiro, dezenove,
Após uma luta insana
E de uma cesariana
Vieste à luz, meu anjinho.
Minha netinha querida,
Um pouco de minha vida.

Todos nós te esperávamos,
Ansiosos, desejávamos
Que viestes, viva, à luz.
E fomos bem atendidos,
Nossos rogos foram ouvidos,
Por Maria e por Jesus.

E neste teu nascimento
Eu tive um pressentimento:
- Eras menina -, e assim
Deveríamos tributar
À Maria te ofertar
Como reconhecimento.

MARIA DE FÁTIMA: estás
Concretizando o meu sonho,
Meu viver inda risonho
De vovô que te quer bem.

Que sejas feliz na vida,
De teus pais seja querida
E da Mamãe do Céu também.

*Meu avô materno, Odilon de Carvalho, era jornalista, escritor e poeta. Muito religioso, quando eu estava para nascer, na Maternidade Cândida Vargas, em João Pessoa e minha mãe sofria muito por não conseguir me ter de parto normal, ele fez uma promessa, aos pés da imagem de Nossa Senhora de Fátima, que lá existe, para que, se tudo corresse bem, me batizarem como Maria de Fátima, em agradecimento.



ESTRELA CADENTE
(Para a "Galega")*
08/09/2006

Mulher de sangue no olho
e com uma flor nos dentes
onça estimuladora
dos sentidos mais latentes

invasora dos espaços
dos tímidos inconfidentes
pantera dominadora
amante das mais ardentes

Erótica torturadora
que, muito provavelmente,
bailava nos bacanais
dos nobres de antigamente

és arco em ponto de guerra
és emoção indecente
entre Eros e Tanato
passeias alegremente

bolinando a consciência
gueixa das dores silentes
miragem animalesca
quebrando todas correntes

tripudiando o poema
que morre suavemente
antevendo o paraíso
com a ética da serpente

mulher de mente plural
que passa tão de repente
sob nuvens de desejos
como uma estrela cadente.

* A "Galega" sou eu...



À MINHA AMIGA FATINHA

Conheci minha amiga por inteira,
Restando apenas só uma parcela
Que cobrarei ao me encontrar com ela,
Por ser uma vontade derradeira.

Vivendo muito bem à sua maneira,
Fatinha é exclusiva e muito bela,
Colhendo calmaria na procela
E sendo cada vez mais verdadeira.

Já faço parte desse seu projeto
Sendo guindado ao posto de arquiteto
De um futuro que vislumbra glória.

A vida tem capítulos e fases.
Precisamos, apenas, ser capazes
De unificá-los numa só história.



FRUTOS E FLORES
Marina Colasanti

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.



ESCONDIDA TAMBAÚ
José Virgolino de Alencar

Ah! essa ânsia de contemplar-te Tambaú;
Os espigões, arranhando o céu, não deixam,
As torres, como florestas, se enfeixam,
Vendam meus olhos, não vejo teu mar azul.

Ah! exuberante Tambaú, do cone sul a rainha.
Tuas águas, para a vista, manhosamente se fecham,
Meus olhos, tristes, lacrimejantes, se queixam.
Para ver-te, não há sequer uma frestinha.

O céu claro, sem nuvens, é límpido, fascinante;
O sol brilha forte, caloroso, intensamente,
Temperando um clima de amor ardente;
Acima do mar aberto tudo é belo, esfusiante,

Mas, tuas águas azuis, ondas mansas, não as vejo,
Um vendaval revolve, redemoinha na mente;
Doi não poder ver o cenário inteiramente.
Tambaú! De apreciar-te, frustra-se meu ansioso desejo.



PARAIBANIZANDO
Carlos Silva

Rio do Peixe abençoado por São João
Rio Piranhas teu protetor é São José
Monte Horebe tua serra é um aviso
Deste povo bonito de Santa Fé

Cachoeira orgulho dos teus índios
Bom Jesus admirando as cajazeiras
Santa Helena com seu manto protetor
Em São Bento zelando as mangabeiras

No sinal da Santa Cruz santificada
Nesta terra germina a cultura
Com o brilho da luz de diamante
Ilumina no ser Boa Ventura

Pelos olhos a bendita Conceição
Alumia o povo d'uma vez só
Pelo vale que estende nesse olhar
Alcançando de Ibiara a Piancó

Paraíba teu reinado é infinito
Feito sonho reservado na capanga
E com nome tão duro feito pedra
Erigiu tua extensa Itaporanga

Em cor cinza eu vi a vegetação
E a espera por uma manhã chuvosa
Vi o riso estampado do teu povo
Pela fé e pela paz tão corajosa

Vi o símbolo que tremula tuas cores
Ao dizer "NÉGO", assumiu tua coragem
Com postura soberana se fez livre
Sem trair dos teus filhos bela imagem

No martelo ou na glosa do poeta
Neste berço que pariu o cantador
No ponteio do repente nordestino
Dedicado a ti com vasto amor

Sob o clarear da lua seresteira
Cá ti deixo Paraíba, sem vontade
Te levando num versar de cantoria
Preservando um sentimento de saudade

Este texto é uma simples homenagem ao povo paraibano, pela acolhida deste estradeiro cantador, CARLOS SILVA.



VIRTUALIDADE É ISSO!
Diná Fernandes

Virtualidade... coisa de momento
Textos bonitos sem realidade
Corações cheios de maldades
Fingindo até sentimento!

Nos momentos de empolgação
Escrever, escrever e escrever
A quem, do outro lado vai receber
Pouco importa o impacto ou ação

Não sei se empolgação, ou judiação
Tirando proveito da alma carente
Nos recados se fazem presentes
E tudo não passa de gozação

Amigos virtuais sim... namoro virtual ora, ora!
É bom ficar atento prá tanta picaretagem
Pois no mundo da atual malandragem
Quem estiver de dentro cuide de dar o fora
Cabedelo/Jul2008



NOITE ESCURA
Diná Fernandes

Vago pelas ruas escuras
Súbito, me ronda o perigo
No desespero das minhas agruras
Me sinto no âmbito do castigo

A noite silenciosa...tenebrosa
Dos cantos...ouve-se vozes
Cantos da violência maldosa
Daqueles que estão como algozes

A dor de quem ora suporta
Dos desumanos que matam
Matam inocentes desavisados
Tortura...a eles pouco importa
Cabedelo/Jul2008



A SAUDADE QUE AINDA SINTO DE TI
Diná Fernandes

Quando sinto os olhos a ressumar
Logo me vem à mente um sonho perdido
Vai-me crescendo o desejo de ainda te amar
Minhas endorfinas tecem meu sexto sentido

Labirintos dos quais neles me perco
As teias que no meu ego se emaranham
Vão me desconcentrando, sinto que arrefeço
Busco a força dos Deuses que me acompanham

Um sopro de vida na cálida noite
Faz ressurgir na escuridão uma luz
Cerro meus olhos, ouço do vento o açoite
É força obscura ou estrela que reluz?

Escrevo versos que me fazem recordar
Acabo esmagada nas doces lembranças
O impossível me impediu de contigo ficar
A falta do teu amor facultou minhas andanças
Cabedelo/Jul2008



SEM VOCÊ
Diná Fernandes

Sentei-me a beira do rio
Sozinha a pensar no meu amor
A tarde que estar por um fio
Recebe a noite com todo pudor

Desgastada da rotina da solidão
A noite é longa, fria e insone
Acendo a lareira, fogo lembra paixão
Pensamentos sórdidos passam como ciclone

Perco-me em meus devaneios
Uma música lembra nossos momentos
Viajo no tempo, pensamentos sem freios...
O presente sem você é um grande tormento

Peço licença ao tempo, falo dos meus sonhos
Perdão, se danos causei ao meu amor
Sonhava contigo fogoso e risonho
Ao acordar, quero esquecer essa dor

Estou presa pelos laços da paixão
Regidos pelo verbo amar
São raízes incrustadas no coração
São fortes como a fúria do mar

Não sei ainda comandar essa coisa de amar
Sei apenas, que já não sou o que era antes
Ter um ao outro, é querer sempre estar
São meandros da alma que rondam a todo instante
Cabedelo/Jul2008



AMAR
Diná Fernandes

Amar é,
Respeitar
Compartilhar
Confiar mesmo com dúvidas
Estar sempre desejando
Sempre querendo mais
É uma renúncia constante
Uma doação por inteiro
Sem neuras ou cobranças
É quando você chega
Que desordena tudo
Meu coração não aguenta
Bate forte,
Mãos que se descontrolam
Tremores frenéticos
Pernas bambeiam
Perco a noção
Vou além da imaginação
Vivo em você o sonho real
Que me aquece
Me enlouquece
Me fustiga
Com essa voz tão quente
De homem menino
Que chega tão de mansinho
Me enche de amor
Todo dia
Qualquer hora
Em qualquer lugar
Nos fazemos felizes
Assim, eu sinto...
É assim que eu amo!
Cabedelo/Jul2008



PARA OS MESTRES, COM DESRESPEITO
Alberto da Cunha Melo

Dizem que meu povo
é alegre e pacífico.
Eu digo que meu povo
é uma grande força insultada.

Dizem que meu povo
aprendeu com as argilas
e os bons senhores de engenho
a conhecer seu lugar.

Eu digo que meu povo
deve ser respeitado
como qualquer ânsia desconhecida
da natureza.

Dizem que meu povo
não sabe escovar-se
nem escolher seu destino.

Eu digo que meu povo
é uma pedra inflamada
rolando e crescendo
do interior para o mar.

Do livro SOMA DOS SUMOS, de 1983, publicado pela Editora José Olympio e Fundarpe.



TENHO PENA E NÃO RESPONDO
Fernando Pessoa

Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros --- cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?



DEPOIS DE UM TEMPO
Veronica Shoffstall

Depois de um tempo você aprende
a sutil diferença entre
segurar uma mão e acorrentar uma alma
e você aprende
que amar não significa apoiar-se
e companhia não quer sempre dizer segurança
e você começa a aprender
que beijos não são contratos
e presentes não são promessas
e você começa a aceitar suas derrotas
com sua cabeça erguida e seus olhos adiante
com a graça de mulher, não a tristeza de uma criança.
E você aprende
a construir todas as estradas hoje
porque o terreno de amanhã é
demasiado incerto para planos
e futuros têm o hábito de cair
no meio do vôo.
Depois de um tempo você aprende
que até mesmo a luz do sol queima
se você a tiver demais
então você planta seu próprio jardim
e enfeita sua própria alma
ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.
E você aprende que você realmente pode resistir
você realmente é forte
você realmente tem valor
e você aprende
e você aprende
com cada adeus, você aprende.



POEMA DA AMANTE
Adalgisa Nery

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.



AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia

Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas

. Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.

Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.

Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.

É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.

Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo!



LIBERDADE
Paul Eluard
Traduzido por Jorge de Sena

Nos meus cadernos de escola
no banco dela e nas árvores
e na areia e na neve
escrevo o teu nome

Em todas as folhas lidas
nas folhas todas em branco
pedra sangue papel cinza
escrevo o teu nome

Nas imagens todas de ouro
e nas armas dos guerreiros
nas coroas dos monarcas
escrevo o teu nome

Nas selvas e nos desertos
nos ninhos e nas giestas
no eco da minha infância
escrevo o teu nome

Nas maravilhas das noites
no pão branco das manhãs
nas estações namoradas
escrevo o teu nome

Nos meus farrapos de azul
no charco sol bolorento
no lago da lua viva
escrevo o teu nome

Nos campos e no horizonte
nas asas dos passarinhos
e no moinho das sombras
escrevo o teu nome

No bafejar das auroras
no oceano dos navios
e na montanha demente
escrevo o teu nome

Na espuma fina das nuvens
no suor do temporal
na chuva espessa apagada
escrevo o teu nome

Nas formas mais cintilantes
nos sinos todos das cores
na verdade do que é físico
escrevo o teu nome

Nos caminhos despertados
nas estradas desdobradas
nas praças que se transbordam
escrevo o teu nome

No candeeiro que se acende
no candeeiro que se apaga
nas minhas casas bem juntas
escrevo o teu nome

No fruto cortado em dois
do meu espelho e do meu quarto
na cama concha vazia
escrevo o teu nome

No meu cão guloso e terno
nas suas orelhas tesas
na sua pata desastrada
escrevo o teu nome

No trampolim desta porta
nos objetos familiares
na onda do lume bento
escrevo o teu nome

Na carne toda rendida
na fronte dos meus amigos
em cada mão que se estende
escrevo o teu nome

Na vidraça das surpresas
nos lábios todos atentos
muito acima do silêncio
escrevo o teu nome

Nos refúgios destruídos
nos meus faróis arruinados
nas paredes do meu tédio
escrevo o teu nome

Na ausência sem desejos
na desnuda solidão
nos degraus mesmos da morte
escrevo o teu nome

Na saúde rediviva
aos riscos desaparecidos
no esperar sem saudade
escrevo o teu nome

Pelo poder duma palavra
recomeço a minha vida
nasci para conhecer-te
nomear-te
liberdade.



TRIBUTO A SIVUCA
Marco di Aurélio
http://www.marcodiaurelio.com

Se ainda falta no céu
animador de terreiro
escancarem as porteiras
acenda todo luzeiro
pois subiu do meu nordeste
o melhor cabra da peste
o maior dos sanfoneiros.

Uma vida Severina
num Sivuca, amoitada
uma saga nordestina
de poesia bem regada
na ponta de cada dedo
se arreganhava o segredo
numa sanfona rasgada.

Passarim calava o bico
juriti sentava os pés
procissão deixava o santo
por conta de outros fiéis
pra ouvir um outro terço
feirante perdia o preço
por qualquer vinte mil réis.

Era assim, Mestre Sivuca
cumpridor de seu destino
forrozeiro de primeira
que nunca bateu o pino
cantou nossa natureza
musicou com mais beleza
o vivente nordestino.

Nosso Senhor lhe conceda
um lote bem na esquina
um juazeiro frondoso
c´uma sombra assim bem fina
uma sanfona branquinha
naquela luz da tardinha
de fundo uma sarafina.

Que deixe de vez em quando
um sustenido escapar
escorregar mundo abaixo
chegar no lado de cá
pra gente sentir saudade
num forró de qualidade
do melhor que ainda há.

Nosso Senhor de bondade
não é pecado pedir
deixe outros dez dedinhos
doidinhos pra se bulir
pra acompanhar o Sivuca
Gonzaga tá de mutuca
querendo também agir.

Agora o céu tá completo
chegou forró e baião
s´isso for sinal dos tempos
não falta mais nada não,
quem disse que a terra presta
que outro som se encabresta
sem Sivuca e Gonzagão?

Marco di Aurélio - Escritor e cordelista, autor de vários folhetos de Literatura de Cordel, feitor de poemas e militante da Academia Paraibana de Poesias. Entre outras publicações, é autor do livro de contos autobiográficos sobre as coisas do sertão "Com-Caso".
E-mail: marcodiaurelio@uol.com.br



EU NUNCA ESQUECI VOCÊ
Marco di Aurélio

Nem mesmo fechando os olhos
nem também na lua cheia
nem flores que vem de molhos
acordo e logo lhe vejo
no teto desse meu mundo
teus olhos verde profundos
miragem vale de espelho
e o tempo fica vermelho
no espaço que imagino
pergunto: é meu destino
sofrer sem te alcançar
verter meu sangue ladino
saindo pra passear
pensando haver de jeito
um outro amor tão perfeito
será que no mundo há?

Me diga eu quero ouvir
de tua boca com alma
se tua vida destina
se tua paixão me salga
se teu amor me abraça
s'ele se entrega de graça
se não é coisa mofina.

Corrija o meu entender
minha paixão preferida
e não me deixe morrer
pensando em ter mais vida
pois o viver sem amar
é não viver é penar
é vida não possuída.

Abrace o nosso destino
se o seu amor for o meu
esqueça de quem lhe falo
ess'outro amor já morreu
me olhe dentro da alma
me diga com toda calma
que seu amor é só meu.



SABER DE NÓS
Marco di Aurélio

Saber de mim
é saber pouco
pois é de mim
saber-se o outro
quando bem sei
que lendo a lei
sou só um louco.

Saber de ti
sei que existo
sabendo nós
sabemos misto
querendo a dois
sabemos pois
desse imprevisto.

Não sabem eles
nossa loucura
eu que escrevo
essa estrutura
e tu não vês
quando me lês
não temos cura.



HÁ DE SE TER NESTA TERRA
Marco di Aurélio

mais coração
menos guerra
pra se viver a promessa
de um presente vivido
que de tão bom, recebido
se faça dele uma festa
que não se dá, nem se empresta
mas que se faz derramado
como se rio assim fosse
feito de leite e arroz-doce
pr'um penitente escutado.

Que nesta terra assim haja
um manto que bem nos cubra
sem carecer ser de seda
mas que no frio da chuva
nos faça olhar a vereda
com olhos de correnteza
e almas de servidão
ao soro da natureza
que cai com sua leveza
alimentando o sertão.



SEM TER TEMPO
Marco di Aurélio

Passar o tempo
sem prazo e sem ter tempo
vereda com seu vento
mirar o sol se pôr.

E sem calor
olhar o firmamento
e sem contar o tempo
contar estrelas.

E assim ao vê-las
deitado no relento
e sem contar o tempo
o tempo se ajoelha.

Passar o tempo
é só sentir o vento
voar no pensamento
no leito da vereda.

Leito de seda
forrado de areia
os grãos também passeiam
como as estrelas.

E sem ter tempo
meu tempo assim se finda
sem ter letra divina
sem letra pra meu tempo.



DE CARA LAVADA
Martha Medeiros

ficas mais distante, cada dia
cada noite, mais ausente
mais idoso, cada mês
cada instante, mais alheio
cada beijo, mais decente
mais fumante, cada ano
cada encontro, mais estranho
mais sofrido, cada vez
mais dolorido, mais parente
menos meu

quem é você dentro de mim
que não teme a opinião alheia
que se alimenta de dinamite
que explodindo não incendeia
quem é você por trás dos meus atos
que quando concordo suspeita
que quando aceito discorda
que quando adormeço não deita
quem é você escondida em meu corpo
que arranca as folhas da agenda
que vive fazendo minha mala
que não reconhece minha letra
quem é você invisível no espelho
que sempre me despenteia



DE CARA LAVADA - 177
Martha Medeiros

hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos

o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos

coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos



SERRA GRANDE FEITICEIRA
*Miguel Arraes de Alencar

Serra grande de olhos verdes
Por que me chamas para o lado de lá?
Deixa que eu fique aqui bem quieto
Com meu bodoque, meu samburá

Cavalo de pau, gado de osso
Corridas sem fim na terra quente
Céu limpo, urubus bem altos
Purificados pela distância

Serra grande enganosa
Por que me chamas e não me amas?
Milhares pisaram teu dorso quente
Teu manto verde como a esperança

Fugiam da fome, corriam do medo
Comeram mandioca, roeram piquí
Teu chão se abriu para os receber
E tu, enganosa, fingindo bondade, salvaste alguns

Serra grande, feiticeira
Já não resisto ao teu olhar
Se é que me amas, por que não me dizes?
O que tens do lado de lá?

Toma meu bodoque, meu samburá
Será minha sorte, será meu penar?
Serra grande, dona do tempo
Se não me dizes deixa eu passar

Vou pra bem longe, pra outras terras
Pra meu destino, pra meu penar.

*Miguel Arraes de Alencar nasceu em 15 de dezembro de 1916, em Araripe, Ceará. Concluiu o curso secundário em 1932, na cidade do Crato. Em seguida, mudou-se para o Recife para dar continuidade aos estudos e seguir carreira profissional, prestando concurso público e tornando-se, em 1933, funcionário do Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA). Estudou na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em 1937 e continuando a carreira de servidor público.

Foi Delegado Regional do IAA, nomeado por Barbosa Lima Sobrinho. Arraes iniciou sua carreira política em 1948, ocupando o cargo de secretário estadual da Fazenda, durante o governo de Barbosa Lima Sobrinho. Em 1950, elegeu-se deputado estadual. Em 1958, conquista novamente uma vaga na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Em 1959, foi secretário da Fazenda no governo de Cid Sampaio e prefeito da cidade do Recife.

Em 1962, Arraes foi eleito pela primeira vez governador de Pernambuco, porém não concluiu o mandato sendo deposto pelo Golpe Militar. Teve passagens por algumas prisões brasileiras, seguindo para a Argélia em 25 de maio de 1965. Após 14 anos de exílio, voltou ao Brasil beneficiado pela anistia. Foi eleito deputado federal em 1982 e, em 1986, elegeu-se mais uma vez governador de Pernambuco. Em 1990, foi novamente deputado federal. Em 1994, voltou ao governo de Pernambuco pela terceira vez. Em 2003, assumiu mais um mandato como deputado federal. Faleceu no Recife, no dia 13 de agosto de 2005, vítima de uma infecção generalizada.



LIBERTAÇÃO
Wilma Lessa*

Minha liberdade
Posso medir
Menos por ir e vir, a todos os lugares
O infinito possível.

Mas por estar só
Destituída de paixões
Que acorrentam
Ao cotidiano
De apenas um.

Liberdade pura
Da cama enorme
Louça empilhada
Jornais espalhados
Priorizando o que eu quiser,
Pois minhas asas
Estão abertas ao infinito.

*Wilma Lessa foi uma grande defensora dos direitos das mulheres, fundou o Grupo Viva Mulher e fez parte da Comissão que implantou a Delegacia da Mulher em Pernambuco. Wilma lutou, com muitas companheiras do Fórum de Mulheres de Pernambuco para ver as mulheres brasileiras vivendo em condições dignas, com respeito e direitos assegurados.
Fonte: www.sindromedeestocolmo.com



O PASSADO
Cora Coralina

O salão da frente recende a cravo.
Um grupo de gente moça
se reúne ali.
"Clube Literário Goiano".
Rosa Godinho.
Luzia de Oliveira.
Leodegária de Jesus,
a presidência.

Nós, gente menor,
sentadas, convencidas, formais.
Respondendo à chamada.
Ouvindo atentas a leitura da ata.
Pedindo a palavra.
Levantando idéias geniais.

Encerrada a sessão com seriedade,
passávamos à tertúlia.
O velho harmônio, uma flauta, um bandolim.
Músicas antigas. Recitativos.
Declamavam-se monólogos.
Dialogávamos em rimas e risos.

D. Virgínia. Benjamim.
Rodolfo. Ludugero.
Veros anfitriões.
Sangrias. Doces. Licor de rosa.
Distinção. Agrado.

O Passado...

Homens sem pressa,
talvez cansados,
descem com leva
madeirões pesados,
lavrados por escravos
em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos
desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?

Gente que passa indiferente,
olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
Que vale para eles o sobrado?

Quem vê nas velhas sacadas
de ferro forjado
as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo
o clamor, o adeus, o chamado?...
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?

E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do passado.



O CÂNTICO DA TERRA
Cora Coralina

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.



MASCARADOS
Cora Coralina

Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranquilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.



ASSIM EU VEJO A VIDA
Cora Coralina

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.



JESSIER QUIRINO
www.poesiamatuta.com.br

Arquiteto por profissão, poeta por vocação, matuto por convicção. Paraibano de Campina Grande filho adotivo de Itabaiana onde reside há dezessete anos. Autor dos livros: Paisagem de Interior (poesia), Agruras da Lata D'água (poesia), O Chapéu Mau e o Lobinho Vermelho (infantil), Prosa Morena - acompanhado de CD com declamações de alguns poemas, músicas e causos, Política de Pé de Muro, A Folha de Boldo Notícias de Cachaceiros - em parceria com Joselito Nunes, além de causos, músicas, cordéis e outros escritos. Todos publicados pelas Edições Bagaço - Recife/PE.

COMÍCIO DE BECO ESTREITO
Jessier Quirino

Pra se fazer um comício
Em tempo de eleição
Não carece de arrodei
Nem dinheiro muito não
Basta um F-4000
Ou qualquer mei caminhão
Entalado em beco estreito
E um bandeirado má feito
Cruzando em dez posição.

Um locutor tabacudo
De converseiro comprido
Uns alto-falante rouco
Que espalhe o alarido
Microfone com flanela
Ou vermelha ou amarela
Conforme a cor do partido.

Uma gambiarra véa
Banguela no acender
Quatro faixa de bramante
Escrito qualquer dizer
Dois pistom e um taró
Pode até ficar melhor
Uma torcida pra torcer.

Aí é subir pra riba
Meia dúzia de corruto
Quatro babão cinco puta
Uns oito capanga bruto
E acunhar na promessa
E a pisadinha e essa:
Três promessa por minuto.

Anunciar a chegança
Do corruto ganhador
Pedir o "V" da vitória
Dos dedo dos eleitor
E mandar que os vira-lata
Do bojo da passeata
Traga o home no andor.

Protegendo o monossílabo
De dedada e beliscão
À cavalo na cacunda
Chega o dono da eleição
Faz boca de fechecler
E nesse qué-ré-qué-qué
Vez por outra um foguetão.

Com voz de vento encanado
Com o VIVA dos babão
É só dizer que é mentira
Sua fama de ladrão
Falar do roubo dos home
Prometer o fim da fome
E tá ganha a eleição.

E terminada a campanha
Faturada a votação
Foda-se povo, pistom
Foda-se caminhão
Promessa, meta e programa...
É só mergulhar na brahma
E curtir a posição.

Sendo um cabra despachudo
De politiquice quente
Batedorzão de carteira
Vigaristão competente
É só mandar pros otário
A foto num calendário
Bem família, bem decente:

Ele, um diabo sério, honrado
Ela, uma diaba influente
Bem vestido e bem posado
Até parecendo gente
Carregando a tiracolo
Sem pose, sem protocolo
Um diabozinho inocente.



PARAFUSO DE CABO DE SERROTE
Jessier Quirino

Tem uma placa de Fanta encardida
A bodega da rua enladeirada
Meia dúzia de portas arqueadas
E uma grande ingazeira na esquina
A ladeira pra frente se declina
E a calçada vai reta nivelada
Forma palmos de altura de calçada
Que nos dias de feira o bodegueiro
Faz comércio rasteiro e barateiro
Num assoalho de lona amarelada.

Se espalha uma colcha de mangalho:
É cabestro, é cangalha e é peixeira
Urupema, pilão, desnatadeira
Candeeiro, cabaço e armador
Enxadeco, fueiro, e amolador
Alpercata, chicote e landuá
Arataca, bisaco e alguidar
Pé de cabra, chocalho e dobradiça
Se olhar duma vez dá uma doidiça
Que é capaz do matuto se endoidar.

É bodega pequena cor de gis
Sortimento surtindo grande efeito
Meia dúzia de frascos de confeito
Carrossel de açúcar dos guris
Querosene se encontra nos barris
Onde a gata amamenta a gataiada
Sacaria de boca arregaçada
Gargarejo de milhos e farelos
Dois ou três tamboretes em flagelo
Pro conforto de toda freguesada.

No balcão de madeira descascada
Duas torres de vidro são vitrines
A de cá mais parece um magazine
Com perfume e cartelas de Gillete
Brilhantina safada, canivete
Sabonete, batom... tudo entrempado
Filizolla balança bem ao lado
Seus dois pratos com pesos reluzentes
Dá justeza de peso a toda gente
Convencendo o freguês desconfiado.

A Segunda vitrine é de pão doce
É tareco, siquilho e cocorote
Broa, solda, bolacha de pacote
Bolo fofo e jaú esfarofado
Um porrete serrado e lapidado
Faz o peso prum março de papel
Se embrulha de tudo a granel
E por dentro se encontra uma gaveta
Donde desembainha-se a caderneta
Do freguês pagador e mais fiel.

Prateleiras são tábuas enjanbradas
Com um caibro servindo de escora
Tem também não sei qual Nossa Senhora
Com um jarrinho de louça bem do lado
Um trapézio de flandres areados
Um jirau com manteiga de latão
Encostado ao lado do balcão
Um caneiro embicando uma lapada
Passa as costas da mão pelas beiçadas
Se apruma e sai dando trupicão.

Tem cabides de copos pendurados
E um curral de cachaça e de conhaque
Logo ao lado se vê carne de charque
Tira gosto dos goles caneados
Pelotões de garrafas bem fardados
Nas paredes e dentro dos caixotes
Tem rodilha de fumo dando um bote
E um trinchete enfiado num sabão
Bodegueiro despacha a um artesão
Parafuso de cabo de serrote.



UMA PAIXÃO PRA SANTINHA
Jessier Quirino

Xanduca de Mané Gago
Tinha querença mais eu
Me vestia de abraço
Bucanhava os beiço meu
Era aquele tirinete
Parecia dois colchete
Eu in nela e ela in nêu.

No apolegar das tetas
Nos chamego penerado
Nas misturação das perna
Nos cafuné do molengado
Nos beijo mastigadinho
Nos açoite de carinho
Nós era bem escolado.

Era aquele tudo um pouco
Era aquela amoridade
Mas faltava na verdade
Sensação de friviôco
Um querer, uma pujança
Daquela que dá sustança
Na homencia do cabôco.

No dia que`u vi Santinha
Sobrinha do sacristão
O bangalô do meu peito
Se enfeitou feito um pavão
Foi quando esqueci Xanduca
Sem mágoa sem discussão
Pois vimos que nós só tinha
Uma paixãozinha mixa
Uma jogada de ficha
Uma piola de paixão.

Santinha é a indivídua
Que misturou meu pensar
Que me deixou friviando
Sem nem sequer me olhar
Matutinha aprincesada
Mulher de voz aflautada
Olhosa de se olhar
Fulô de beleza fina
É a tipa da menina
Que se deseja encontrar.

Mas Santinha é quase santa
Nem percebe o meu amor
Não tem na boca um pecado
Tem o beicinho encarnado
Pintado a lápis de cor
Só tem olhos pra bondade
Mas não faz a caridade
De enxergar um pecador.

Ah! se eu fosse um monsenhor
Um padre, um frei, um vigário
Eu achucalhava os sino
De riba do campanário
Eu abria o novenário
Eu enfeitava um andor
Botava ela impezinha
Feito uma santa rainha
Padroeira dos amor.

Arranjava um pedestal
Um altar um relicário
Chamava todas carola
Chamava todo igrejário
E dizia em toda altura
Com voz de missionário:
Oh! minha santa Santinha!
Tire este manto celeste
Saia deste relicário
Olhe pra mim e garanta
Que vai deixar de ser santa
Que`u deixo de ser vigário!



VOU-ME EMBORA PRO PASSADO*
Jessier Quirino

Vou-me embora pro passado
Lá sou amigo do rei
Lá tem coisas "daqui, ó! "
Roy Rogers, Buc Jones
Rock Lane, Dóris Day
Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado
Porque lá, é outro astral
Lá tem carros Vemaguet
Jeep Willes, Maverick
Tem Gordine, tem Buick
Tem Candango e tem Rural.

Lá dançarei Twist
Hully-Gully, Iê-iê-iê
Lá é uma brasa mora!
Só você vendo pra crê
Assistirei Rim Tim Tim
Ou mesmo Jinne é um Gênio
Vestirei calças de Nycron
Faroeste ou Durabem
Tecidos sanforizados
Tergal, Percal e Banlon
Verei lances de anágua
Combinação, califon
Escutarei Al Di Lá
Dominiqui Niqui Niqui
Me fartarei de Grapette
Na farra dos piqueniques
Vou-me embora pro passado.

No passado tem Jerônimo
Aquele Herói do Sertão
Tem Coronel Ludugero
Com Otrope em discussão
Tem passeio de Lambreta
De Vespa, de Berlineta
Marinete e Lotação.

Quando toca Pata Pata
Cantam a versão musical
"Tá Com a Pulga na Cueca"
E dançam a música sapeca
Ô Papa Hum Mau Mau
Tem a turma prafrentex
Cantando Banho de Lua
Tem bundeira e piniqueira
Dando sopa pela rua
Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado
Que o passado é bom demais!
Lá tem meninas "quebrando"
Ao cruzar com um rapaz
Elas cheiram a Pó de Arroz
Da Cachemere Bouquet
Coty ou Royal Briar
Colocam Rouge e Laquê
English Lavanda Atkinsons
Ou Helena Robinstein
Saem de saia plissada
Ou de vestido Tubinho
Com jeitinho encabulado
Flertando bem de fininho.

E lá no cinema Rex
Se vê broto a namorar
De mão dada com o guri
Com vestido de organdi
Com gola de tafetá.

Os homens lá do passado
Só andam tudo tinindo
De linho Diagonal
Camisas Lunfor, a tal
Sapato Clark de cromo
Ou Passo-Doble esportivo
Ou Fox do bico fino
De camisas Volta ao Mundo
Caneta Shafers no bolso
Ou Parker 51
Só cheirando a Áqua Velva
A sabonete Gessy
Ou Lifebouy, Eucalol
E junto com o espelhinho
Pente Pantera ou Flamengo
E uma trunfinha no quengo
Cintilante como o sol.

Vou-me embora pro passado
Lá tem tudo que há de bom!
Os mais velhos inda usam
Sapatos branco e marrom
E chapéu de aba larga
Ramenzone ou Cury Luxo
Ouvindo Besame Mucho
Solfejando a meio tom.

No passado é outra história!
Outra civilização...
Tem Alvarenga e Ranchinho
Tem Jararaca e Ratinho
Aprontando a gozação
Tem assustado à Vermuth
Ao som de Valdir Calmon
Tem Long-Play da Mocambo
Mas Rosenblit é o bom
Tem Albertinho Limonta
Tem também Mamãe Dolores
Marcelino Pão e Vinho
Tem Bat Masterson, tem Lesse
Túnel do Tempo, tem Zorro
Não se vê tantos horrores.

Lá no passado tem corso
Lança perfume Rodouro
Geladeira Kelvinator
Tem rádio com olho mágico
ABC a voz de ouro
Se ouve Carlos Galhardo
Em Audições Musicais
Piano ao cair da tarde
Cancioneiro de Sucesso
Tem também Repórter Esso
Com notícias atuais.

Tem petisqueiro e bufê
Junto à mesa de jantar
Tem bisquit e bibelô
Tem louça de toda cor
Bule de ágata, alguidar
Se brinca de cabra cega
De drama, de garrafão
Camoniboi, balinheira
De rolimã na ladeira
De rasteira e de pinhão.

Lá, também tem radiola
De madeira e baquelita
Lá se faz caligrafia
Pra modelar a escrita
Se estuda a tabuada
De Teobaldo Miranda
Ou na Cartilha do Povo
Lendo Vovô Viu o Ovo
E a palmatória é quem manda.

Tem na revista O Cruzeiro
A beleza feminina
Tem misse botando banca
Com seu maiô de elanca
O famoso Catalina
Tem cigarros Yolanda
Continental e Astória
Tem o Conga Sete Vidas
Tem brilhantina Glostora
Escovas Tek, Frisante
Relógio Eterna Matic
Com 24 rubis
Pontual a toda hora.

Se ouve página sonora
Na voz de Angela Maria
"- Será que sou feia?
- Não é não senhor!
- Então eu sou linda?
- Você é um amor!... "

Quando não querem a paquera
Mulheres falam: "Passando,
Que é pra não enganchar! "
"Achou ruim dê um jeitim! "
"Pise na flor e amasse! "
E AI e POFE! e quizila
Mas o homem não cochila
Passa o pano com o olhar
Se ela toma Postafen
Que é pra bunda aumentar
Ele empina o polegar
Faz sinal de "tudo X"
E sai dizendo "Ô Maré!
Todo boy, mancando o pé
Insistindo em conquistar.

No passado tem remédio
Pra quando se precisar
Lá tem Doutor de família
Que tem prazer de curar
Lá tem Água Rubinat
Mel Poejo e Asmapan
Bromil e Capivarol
Arnica, Phimatosan
Regulador Xavier
Tem Saúde da Mulher
Tem Aguardente Alemã
Tem também Capiloton
Pentid e Terebentina
Xarope de Limão Brabo
Píluas de Vida do Dr. Ross
Tem também aqui pra nós
Uma tal Robusterina
A saúde feminina.

Vou-me embora pro passado
Pra não viver sufocado
Pra não morrer poluído
Pra não morar enjaulado
Lá não se vê violência
Nem droga nem tanto mau
Não se vê tanto barulho
Nem asfalto nem entulho
No passado é outro astral
Se eu tiver qualquer saudade
Escreverei pro presente
E quando eu estiver cansado
Da jornada, do batente
Terei uma cama Patente
Daquelas do selo azul
Num quarto calmo e seguro
Onde ali descansarei
Lá sou amigo do rei
Lá, tem muito mais futuro
Vou-me embora pro passado.

*Poema inspirado na leitura do livro Memorial de Marco Polo Guimarães, Edições Bagaço; em conversa antiga; e em outros poemas meus.



ZÉ QUALQUER E CHICA BOA
Jessier Quirino

Empurra a cancela Zé
Abre o curral da verdade
Pra mostrar pra mocidade
Como é que vive um Zé
Sem um conforto sequer
Com sua latas furadas
E a cacimba tão distante
Um Zé arame farpante
Feito de gente e de fé.

O Zé que se aprisiona
Aos cacos velhos da enxada
Que nasce herdeiro do nada
E qualquer lado é seu caminho
Medalhas, são seus espinhos
Quedas de bois são batalhas
Seus braços, duas cangalhas
De taipa e barro é seu ninho.

O Zé metido em gibão
Numa besta atrás dum boi
Por entre as juremas pretas
Por onde o bicho se foi
A poder de grito e ois
Peitando graveto torto
Um dos três vai sair morto
Ou ele, a besta ou o boi.

É cabôco elefantado
Que não tem medo de cruz
Que fita o sol faiscando
Dez mil peixeiras de luz
O Zé que assim se conduz
Nas brenhas deste sertão
O Zé Ninguém, Zé Qualquer
Mas o Qualquer desse Zé
Não é qualquer qualquer não.

É um Qualquer niquelado
Acabestrado num Zé
Não é Zé pra qualquer nome
Nem Qualquer pra qualquer Zé
Diante desses apois
Eu vou dizer quem tu sois
Pode escrever se quiser:

Sois argumento de foice
Sois riacho correntoso
Tu sois carquejo espinhoso
Sois calo de coronel
Sois cor de barro a granel
Sois couro bom que não mofa
Sois um doutor sem farofa
Sem soqueira de anel.

Sois umbuzeiro de estrada
Sois ninho de carcará
Sois folha seca, sois galho
Sois fulô de se cheirar
Sois fruto doce e azedo
Sois raiz que logo cedo
Quer terra pra se enfiar.

No inverno sois caçote
Espelho de céu no chão
Chorrochochó de biqueira
Espuma de cachoeira
Sois lodo, sois timbungão
Sois nuvem quebrando a barra
Violino de cigarra
Afinando a chiação.

Sois bafo de cuscuzeira
Sois caldo de milho quente
Sois a canjica do milho
Sois milho pessoalmente
Tu sois forte no batente
Tu sois como milho assado
Se não for bem mastigado
Sai inteirinho da gente.

Tu desarruma as tristezas
Caçando uma risadinha
Sois doido, doido tu sois
Tu sois um baião-de-dois
Tu sois pirão de farinha
Sois bruto que se ameiga
No amor tu sois manteiga
Numa creamecrackerzinha.

Sois um Zé Qualquer do mato
Provador de amargor
Tu sois urro, sois maciço
Devoto do padre Ciço
Sois matuto rezador
O Zé Qualquer em pessoa
Marido de Chica Boa
O teu verdadeiro amor.

É Francisca Caliméria
Feliciana Qualquer
Chica Boa é apelido
Pode chamar quem quiser
Mas digo as outras pessoas
Não digam que Chica "É " boa
O cabra que assim caçoa
Vê direitim quem é Zé.



UMA CRIATURA
Machado de Assis

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga à maneira do abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo,
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.



ORGIA DE INOCÊNCIA
Ivan Santtana

Boboletas
Meretrizes
Fazem programa
No jardim.

Tão promíscuos,
Os beija-flores
Beijam rosas,
Beijam dálias,
Beijam jasmins.

Todo dia é assim:
Uma orgia de inocência
No meu jardim.



SONHEI COMIGO
Eugênia Tabosa

Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De loge vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava.
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar.



SE
Waltel Branco e Alice Ruiz

Se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer,
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso,
de noite uma farra
a gente ia viver com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo,
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí, vá ficando por aí,
eu vou ficando por aqui,
evitando, desviando,
sempre pensando,
se por acaso a gente se cruzasse.



VOU TIRAR VOCÊ DO DICIONÁRIO
Itamar Assumpção e Alice Ruiz

Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocar-lá em miúdos
Mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
"Tudo que você disser
deve fazer bem
Nada que você comer
deve fazer mal"
"Eu quero as mulheres
que dizem sim
E quem não tem vergonha
de ser assim? "



MAIS OU MENOS
Chico Xavier

A gente pode
morar numa casa mais ou menos,
numa rua mais ou menos,
numa cidade mais ou menos,
e até ter um governo mais ou menos.

A gente pode
dormir numa cama mais ou menos,
comer um feijão mais ou menos,
ter um transporte mais ou menos,
e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.

A gente pode
olhar em volta e sentir que tudo está
mais ou menos.

Tudo bem.

O que a gente não pode
mesmo, nunca, de jeito nenhum,
é amar mais ou menos,
é sonhar mais ou menos,
é ser amigo mais ou menos,
é namorar mais ou menos,
é ter fé mais ou menos,
e acreditar mais ou menos.

Senão a gente corre o risco de se tornar
uma pessoa mais ou menos.



AS ROSAS NÃO FALAM
Cartola

Bate outra vez
Com esperança o meu coração
Pois já vai terminando o verão, enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim

Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhar com meus sonhos
Por fim



CARTAS DE AMOR
Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são
ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.

Também escrevi, no meu tempo, cartas de amor
como as outras,
ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
ridículas .

Quem me dera o tempo, em que eu escrevia
sem dar por isso, cartas de amor,
ridículas

Afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
ridículas...

Poemas Escolhidos - 20/10/1935



DÁ A SURPRESA DE SER
Fernando Pessoa, do "Livro do Corpo"

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro,
faz bem só pensar em ver
seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(se ela estivesse deitada)
dois montinhos que amanhecem
sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
assenta em palmo espalhado
sobre a saliência do flanco
do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?



O MARRUÊRO
Catulo da Paixão Cearense

O canto alegre dos galo
no sertão amiudava!...
Nos taquará das lagoa
as saracura cantava!...

Cantando passava um bando
das verde maracanã!
Fermosa, cumo a cabôca,
Vinha rompendo a minhã!

O vento manso da serra,
vinha acordando os caminho!
Vinha das mata chêrosa
um chêro de passarinho!...

Lá, no fundo d'uma gróta,
adonde um córgo gimia,
gragaiava as siriêma
cum o fresco nacê do dia.

Uma araponga, atrepada
n'um braço de mato, im frô,
gritava, como se fosse
os grito da minha dô!!

E a sabiá, lá nos gaio
da larangêra, serena,
cantava, cumo si fosse
uma viola de pena!

Um passarinho inxirido,
mardosamente iscundido
nas fôia de um tamburí,
satisfeito, mangofando,
de mim se ria, gritando
lá de longe: "bem te vi"!

Chegando na incruziada,
despois do dia rompê,
sipurtei o meu segredo
n'um véio tronco de ipê.

Dênde essa hora, inté hoje,
eu conto as hora, a pená!...
Eu vórto a sê marruêro!
Vou vivê com os marruá!

Eu tinha o corpo fechado
prá tudo o que é marvadez!
Só de surucucutinga
eu fui mordido três vez!...

Dos marruá mais bravio,
que nos grotão derribei,
munta pontada, sá dona,
munta chifrada eu levei.

Prá riba de mim, Deus pode
mandá o que ele quizé!

O mundo é grande, sá dona!...
Grande é o amô!... Grande é a fé!

Grande é o pudê de Maria,
isposa de São josé!...
O Diabo, também, sá dona,
foi grande!... Cumo inda é!!!

Mas porém, nada é mais grande,
mais grande que Deus inté,
que uma cornada dos chifre
dos óio d'uma muié...



AINDA EU TENHO...
Pepe

Quando eu era jovem e me embriagava
Com ilusões das quais hoje rio
Sonhei ser dono de grandes terras
E hoje tenho um pedaço de terra meu!...

Logo a vida que ensina tanto,
Acalmou todo meu desvario
Mas se no caminho perdi as terras
Ainda tenho um pedaço de terra meu!

Um pedaço de terra ingrato,
Ao pé de um muro sombrio,
É a terra que cobre a sepultura
Onde enterrei um filho meu...

Em ele jazem meus sonhos
De amor, glória ou poderio,
E ante os céus e os homens
Aquele pedaço de terra é meu!!!



FALO DE TI
Florbela Espanca

Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!



AMOR QUE MORRE
Florbela Espanca

O nosso amor morreu...Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre...e loga aponta
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos pra partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor imposível que há-de vir!



OS VERSOS QUE TE FIZ
Florbela Espanca

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!



A MULHER QUE PASSA
Vinicius de Moraes

Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.



O MAIS-QUE-PERFEITO
Vinicius de Moraes

Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum, embora... )
Ah, quem me dera ir-me!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te!

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado...
Ah, quem me dera ver-te!

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...



SONETO A QUATRO MÃOS
Vinicius de Moraes

Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.



AMÔ DE REDE
Myriam Peres

Amô de rede é bão.
É bão mesmo pra daná.
A gente fica agarrado,
Fica tudo atracado,
E a rede pra lá, pra cá...
E o Zeca só a pitá...

É uma fuxicada arretada,
Que num sei mesmo explicá.
São fungada nos cangote,
São alisado pra cá.
São uns roçado pra lá.
E o Zeca só a pitá...

Êta pitada lascada,
Tão boa de se pitá!
A gente nesta esfregada,
Virando os ôio danada.
A rede pra lá, pra cá...
E o Zeca só a pitá...

Num dá mais pros cafuné,
Pros suspirinhos inté,
Só dá é pros afiná.
Fica tudo sem dá pé.
"Vige Maria da Fé "!
Salve-se quem pudé...

Fica tudo embolado.
Fica uma confusão.
Na rede é muito dificil,
Mas é pra lá de bão...
Não quero outra vida, não.
A rede pra lá, pra cá...
E o Zeca só a pitá...

Quando chega mais adiante,
Dessa baderna inferná,
Tá todo mundo cansado,
E eu, cum os ôio arregalado,
De tanto me arrepiá.
A rede pra lá, pra cá...
E o Zeca só a pitá...

Nessa embolada gostosa.
Nesses suspiro ideá.
Sem podê se alevantá.
Caimos nos dois no sono,
Pra tentá nos descansá.
A rede pra lá, pra cá...
E o Zeca parou de pitá...



ESPERA
J. G. de Araújo Jorge

Se tivesses mandado uma palavra - "Espera"!
Sem mais nada, nem mesmo explicado até quando,
Eu teria ficado até hoje esperando...
- Era a eterna ilusão de que fosses sincera -

Que importaria a vida, o sol, a primavera,
Se eras a vida, o sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandando uma palavra - "Espera"!
Eu teria ficado até hoje esperando...

Não mandaste. Tu nada disseste, e eu segui,
Sem saber que fazer da vida que era tua,
Procurando com o mundo esquecer-me de ti

E afinal o destino, irônico e mordaz
Ontem, fez-me cruzar com teu olhar na rua,
Ouvi dizer-te, "Espera" e ser tarde demais!



Ai! SE SÊSSE!...
Zé da Luz

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse,
Se juntin nós dois vivesse!
Se juntin nós dois morasse
Se juntin nós dois drumisse;
Se juntin nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse,
prá que eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o bucho do céu furasse?...
Tarvez que nós dois ficasse
tarvez que nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!



O QUI É BRASÍ CABÔCO?
Zé da Luz

É um Brasí deferente
Do Brasí das capitá.
É um Brasí brasilêro,
Sem mistura de istrangêro,
Um Brasí nacioná!

É o Brasí qui não veste
Liforme de gazimira,
Camisa de peito duro,
Cum bituadura de ouro...
Brasí Cabôco só veste,
Camisa grossa de lista,
Carça de brim da "Polista"
Gibão e chapéu de couro!

Brasí Cabôco não come
Assentado nos banquete,
Misturado cum os hôme
De casaca e anelão...
Brasí Cabôco só come
O bode sêco, o feijão,
E as vêz uma paneláda,
Um pirão de carne verde,
Nos dias das inleição,
Quando vai servi de iscáda
Prôs hôme de pusição!

Brasí Cabôco não sabe
Falá ingrês nem francês,
Munto meno o purtuguês
Qui os outro fala imprestádo...
Brasí Cabôco não iscreve;
Munto má assina o nome
Prá votá, prumode os hôme
Sê Gunverno e Diputádo!

Mas porém, Brasí Cabôco,
É um Brasí brasilêro,
Sem mistura de istrangêro
Um Brasí Nacioná!

É o Brasí sertanêjo
Dos côco, das imboláda,
Dos samba, dos rialêjo,
Zabumba e caracaxá!

É o Brasí das vaquejada,
Do abôio dos vaquêro,
Do arranco das boiáda
Nos fechado ou tabulêro!

É o Brasí das cabôca
Qui tem os óio feiticêro,
Qui tem a bôca incarnada,
Como fruta de cardêro
Quando ela náce alêjáda!

É o Brasí das promessa
Nas noite de São João!
Dos Carro-de-bôi cantando
Pela bôca dos cocão!

É o brasí das cabôca
Qui cum sabença gunverna,
Vinte e cinco pá-de-birro
Cum a munfada entre as perna!

Brasí das briga de Galo!
Do jôgo do "Sôco-tôco"!
É o Brasi dos cabôco
Amansadô de cavalo!

É o Brasí dos cantadô,
Dêsses cabôco afamado,
Qui nos verso impruvisado,
Sirrindo cantáro o amô;
Cantando choráro as mágua;
-Brasí de Pelino Guéde,
De Ináço da Catinguêra,
De Ugulino do Texêra,
E Rumano da Mãe-d'água!

É o Brasí das cabôca,
Qui de noite se dibruça,
Machucando os peito virge
No batente das jinéla...
Vendo, os cabôco pachóla,
Qui geme, chora e saluça
Nas corda de uma vióla
Ruendo paixão, prú éla!

É êsse o Brasí Cabôco,
Um Brasí bem brasilêro,
Sem mistura de istrangêro
Um Brasí nacioná!

Brasí, qui foi, eu tou certo,
Argum dia discuberto,
Prú Pêdo Arves Cabrá !!!



A TERRA CAIU NO CHÃO
Zé da Luz

Visitando o meu sertão
que tanta grandeza encerra,
trouxe um punhado de terra
com a maior satisfação.

Fiz isso na intenção,
Como fez Pedro Segundo,
de quando eu deixasse o mundo
levá-lo no meu caixão.

Chegando ao Rio, pensei
guardá-lo só para mim
e num saquinho de brim
essa relíquia encerrei!

Com carinho e com cuidado
numa ripa do telhado,
o saquinho pendurei...

Uma doença apanhei
e vendo bem próxima a morte
lembrando as terras do norte
do saquinho me lembrei.

Que cruel desilusão!
As traças, sem coração
meterem os dentes no saco,
fizeram um grande buraco
e a terra caiu no chão.



A CACIMBA
Zé da Luz

Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho,
im riba da ribanceira,
qui fica, assim, pru dibáxo
de um pé de tamarinêra.

Pois, um magóte de môça
quage toda manhanzinha,
foima, assim, aquela tuia,
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de cuia.

Eu não sei pru quê razão,
as águas dessa nacente,
as águas que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê...

As águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça...
Tem um gostim do suó
do suvaco déssas môça...

Quando eu vejo éssa cacimba,
qui inspio a minha cara
e a cara torno a inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá...

... Desejo, prá quê negá?
Desejo ser um caçote,
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver aquele magóte
de môça tumando banho!



AS FLÔ DE PUXINANÃ
(Paródia de As "Flô de Gerematáia" de Napoleão Menezes)
Zé da Luz

Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.

A mais véia, a mais ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.

A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué critão
os oiá déssa minina.

Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.

A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.

Dois cuscús, qui, prú capricho,
quando ela passou pru eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro vindo dos bicho.

Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui ei vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.

Inscuiendo a minha cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos dois cuscús!



CONFISSÃO DE CABÔCO
Zé da Luz

Seu duotô, sou criminoso.
Sou criminoso de morte.
Tou aqui pra mim intregá.
Voimicê fique sabendo:
- Quando a muié traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só presta para se matá.

Nunca pensei, seu doutô
Qui a mão nêga do distino,
Merguiasse as minhas mão
No sangue dos assarcino!

Vô li pidí um favô
Ante de vossamercê
Mim butá daqui pra fora:
- É a licença do doutô
Pr'eu li contá minha histora.

Sinhô dotô delegado,
Digo a vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui im vida
Se chamô ROSA MARIA.

Faz dez mês qui se gostemo,
Faz oito qui fumo noivo
Faz sete qui nós casêmo.

Nós casêmo e nós vivia
Cuma pobre, é verdade,
Mas a gente se sentia
Rico de filicidade!

Pras banda qui nós morava,
No lugá Chã da Cutia,
Morava tombém um cabra
Chamado Chico Faria.

Esse cabra, antigamente,
Tinha gostado de Rosa,
Chegaro, inté a sê noivo,
Mas num fizero a "introza"
Do casamento, prumode
Mané Uréia de bode,
Qui era padrim de Maria
Tê dismanchado essa prosa.

Entoce, o Chico Faria,
Adispois qui nós casêmo,
In cunversa, as vez dizia,
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria.

Dessa coisa eu sabia,
Mas nunca dei importança.

Tinha toda cunfiança
Na muié qui eu tanto amava,
Ou mais mió, adorava...
Cum toda a minha sustança!

Dispois disso, o meu custume
Era vivê trabaiando
Sem da muié tê ciume.

A muié pru sua vez
Nunca me deu cabimento
Deu pensá qui ela fizesse
Um dia um farcejamento.

Mas, seu doutô, tome tento
No resto da minha histora,
Qui o ruim chegô agora:

Se não me farta a mimora,
Já faz assim uns três mêis,
Qui o cabra, Chico Faria,
Todo prosa, todo ancho,
Quage sempre, mais das vêz,
Avistava o meu rancho.

Puralí, discunfiado
Como quem qué e não qué,
Eu fui vendo qui o marvado
Tentava a minha muié.

Ou tentação ou engano,
Eu fui vendo a coisa feia!
Pru derradêro eu já tava
C'a mosca detrás da uréia.

Os tempo foi se passando
E o meu arriceiamento
Cada vez ia omentano.

Seu dotô, vá iscutano:

Onte, já de tardezinha
O meu cumpade, Quinca Arruda,
Mi chamô pra nós dança
Num samba - lá na Varginha,
Na casa do mestre Duda.

Mestre Duda é um cabôco,
Um tocado de premêra.
É o imboladô de côco
Mió daquela rebêra.

Entonce Rosa Maria,
Sempre gostou de samba,
Mas, porém, de tardezinha
Me disse discunfiada,
Qui pru samba ela não ia,
Qui tava munto infadada,
Percisava se deita...

Eu fiquei discunfiado
Cum a preposta da muié!

Dispois qui tomei café,
Cuage puro sem mistura,
Cum a faca na cintura
Fui pru samba, fui sambá.

Cheguei no samba, dotô.
Repare agora, o sinhô,
Quem era qui tava lá?

O cabra Chico Faria.
Qui quano foi me avistando,
Foi logo mi preguntando:
- Cadê siá dona Maria,
Num veio não, pra dançá?

- Não sinhô. Ficô im casa.
Pru cabôco arrispondí.

Senti, entonce uma brasa
Queimano meu coração,
Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha maginação.

Perdí o gosto da festa
E dançá num pude não.

O cabra, pru sua vez
Num dançava, seu doutô.
De vez im quando me oiva
Cum um oiá de traidô.

Meia noite, mais ou meno,
Se dispidino do povo
Disse: - Adeus, qui eu já vô.

Quando ele se arritirô,
Eu tombem me arritirei
Atraiz dele, sim sinhô.
Ele na frente, eu atrais.
Se o cabra andava ligêro,
Eu andava munto mais!

Noite iscura qui nem breu!

Nem eu avistava o cabra,
Nem o cabra via eu!

Sempre andando, sempre andando.
Ele na frente, eu atrais.

Já nem se iscutava mais
A voz do fole tocando
Na casa do mestre Duda!

A noite tava mais preta
Qui a cunciênça de Judá!

Sempre andando, sempre andando.
Eu fui vendo, seu doutô,
Qui o marvado ia tumando
Direção da minha casa!

Minha casa!... Sim sinhô!

Já pertinho, no terrero
Eu mim iscundí pru detraiz
De um pé de trapiazêro.

Abaixadim, iscundido,
Prendi a suspiração,
Abri os óio, os ouvido,
Pra mió vê e ouvi
Qua era a sua intenção.

Seu doutô, repare bem:

O cabra oiando pra traiz,
Do mermo jeito, qui faiz
Um ladrão pra vê arguém,
Num tendo visto ninguém,
Na minha porta bateu!

De lá de dentro uma voiz
Bem baixim arrispondeu...

Ele entonce, cá de fora:

- Quem ta bateno sou eu!

De repente abriu-se a porta!

Aí seu doutô, nessa hora
A isperança tava morta,
Tava morto o meu amô...

No iscuro uma voiz falô:

- Taqui, seu Chico, essa carta,
Qui a tempo tinha iscrivido
Pra mandá pra voismicê.
Pru favô num leia agora,
Vá simbora, vá simbora,
Qui quando chegá im casa
Tem munto tempo pra lê.

Quando minhas oiça ouviu,
As palavra qui Maria
Dizia pru disgraçado,
Eu fiquei amalucado,
Fiquei quage cuma loco,
Ou mio, cumo um cabôco
Quando ta chêi de isprito!

Dum sarto, cumo um cabrito,
Eu tava nos pés do cabra
E sem querer dei um grito:

- Miserave! E arrastei
Minha faca da cintura.

Naquela hora dotô,
Eu vi o Chico Faria,
Na bêra da sipurtura!

Mas o cabra têve sorte.

Sempre nessas circunstança
Os home foge da morte.

Correu o cabra, dotô
Tão vexado, qui dêxou
A carta caí no chão!

Dei de garra do papé,
O portadô da traição!

Machuquei nas minha mão,
A honra, douto, a honra
Daquela farsa muié!

Dispois oiando pra carta
Tive pena, pode crer,
De num tê prindido a lê.
Nas letra alí iscrivida
O qui dizia Maria
Pru marvado traidô.

Tive pena, sim sinhô.
Mas, qui haverá de fazê
Se eu nunca prindí a lê?

Maria mi atraiçuô!

Essa muié qui um dia,
Juêiada nos pé do artá
Jurou im nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida,
Haverá de mim honrá
E mim amá cum todo amo.

Cum perdão do seu doutô.
Quando eu vi a miserave
Na iscurideza da noite
Dos meu oio se iscondê
Sem dêxá nem sombra inté
Entrei pra dentro de casa
Pra mi vingá da muié.

Douto, qui hora minguada!
Maria tava ajuêiada,
Chorando, cum as mão posta
Cumo quem faz oração.
Oiando pra eu pedia,
Pelo cali, pela osta,
Pru Jesus crucificado,
Pelo amo qui eu li amava
Qui num fizesse isso não.

Eu tava, doutô, eu tava
Cego de raiva e paixão.

Sem dizê uma palavra,
Agarrei nas suas mão,
Levantei ela pra riba
E interrei inté o cabo,
O ferro da parnaíba
Pru riba do coração!

Sarvei a honra, doutô,
Sarvei a honra, apois não!

Dispois qui vi a Maria
Caí sem vida no chão,
Vim fala cum vosmicê,
Vim cunfessá o meu crime
E mim intregá as prisão.

Se o sinhô num acredita
Se eu sô criminoso ou não,
Tá aqui a faca assarcina
E o sangue nas minhas mão.

Cumo prova da traição,
Tá aqui a carta, doutô.

Li peço um grande favô:

Ante de vossa-sinhuria
Mi mandá lá para prisão
Me lêia aqui essa carta
Pr'eu sabê cumo Maria
Perparava essa trição!

A CARTA

"Seu Chico:

Chã da Cutia.

Digo a vossa senhoria
Que só lhe escrevo essa carta
Pru senhor ficar sabendo
Que eu não sou a mulher
Que o senhor tá entendendo.

Se o senhor continuar
Com os seus disbiques atrevidos
O jeito que tem é contar
Tudo, tudo a meu marido.

O senhor fique sabendo
Que com seu discaramento,
Não faz nunca eu quebrar
O sagrado juramento
Que eu jurei nos pés do altar,
No dia do casamento.

Se o senhor é inxirido,
Encontrou u'a mulher forte,
O nome do meu marido
Eu honro até minha morte!

Sou de vossa senhoria,

Sua criada.

MARIA. "

- Doutô! Doutô mi arresponda
O qui é qui eu tô ouvindo?
Vosmicê leu a carta,
Ou num leu, ta mi inludindo?

- Doutô! Meu Deus! Seu doutô,
Maria tava inucente?
Me arresponda pru favo!

Inocente! Sim, senhor!

Matei Maria inucente!

Pru que, seu doutô, pru que?

Matei Maria somente
Pruque num aprendi a lê!

Infiliz de quem num leu
Uma carta de ABC.

Magine agora o doutô,
Quanto é grande o meu sofrê!

Sou duas veiz criminoso,
Qui castigo, seu doutô!

Qui mizera! Qui horrô!
Qui crime num sabê lê!



PROSTITUTA VIDA
Carlos Gama

Na ausência de vida,
que se enxerga,
por detrás dos
olhos baços.

No desalinho dos ombros,
nos seios lassos,
no caminhar cansado,
economizando passos.

Na alma pesando,
bem mais que os anos,
nos sonhos faltando,
na ausência de planos.

Nos filhos perdidos,
na marra, no aborto,
dias mal vividos,
na área do porto.

Na falta de crença,
nos amores puros,
fruto dos anos
e sofrimentos duros.

No tempo passando,
na sua labuta,
ela desamando
a vida prostituta.



NÃO MUITO; ALGUÉM...
Carlos Gama

Não quero muito,
apenas alguém,
com quem dividir
o meu silêncio e
esta visão do céu
noturno e estrelado.

Alguém,
pra se deitar
comigo no chão
e ficar roçando
as solas dos seus
nos meus
pés cansados.

Alguém,
que saiba ou pense
saber entender
os sinais que enviam
estes três pequeninos
vaga-lumes que me
sobrevoam.

Alguém,
que saiba ir
indo e ouvindo
o cantar da areia
fofa e alegre sob
os nossos pés
que já passearam
as beiras d'água
chutando ondas
no caminhar.

Alguém,
que saiba ver
a lua boiando
na placidez
da maré mansa
que a embala
para ninar.

Alguém,
que, apenas,
não queira
mais que eu
e me aceite
tal qual
não me vejo
mas sou.

Alguém,
cujos anseios
não vão além
do prazer
de caminhar
a meu lado
pela praia
deserta e ao
fim do dia
queira, esse alguém,
apenas repousar
a meu lado,
juntando o suor
de nossos corpos
satisfeitos.

Alguém,
que possa
ser este meu sonhar...

Creio
que o que
me resta
é despertar.



DO VERBO AMAR
Carlos Gama

O tempo tenta, em vão, mostrar-me,
Você insiste e a maioria, também.
Eu me esforço mas, não basta.
E acabo convencido de que é
algo impossível, não está em mim,
amar como querem que eu faça
ou sinta; pressinto que é o fim.
Porém, eu sei e você sabe,
sabe até, mais que ninguém,
que eu sei amar mas é, também,
à minha maneira estranha,
para você, pois é impessoal.
Caminha livre, sem domínios,
está acima do bem e do mal.
Eu sei dele, alguma coisa;
dizem e afirmam as minhas
meninas ou meus velhos amigos,
escondidos, nos cantinhos,
nos desvãos da vida,
em seus jardins ou seus quartéis.
Diz, também, meu coração
e confirma, o bater tranquilo
de cada coração amigo,
que é esse o meu amar,
não "aquilo".
Quanto eu amo, não sei.
O que posso dar, já dei.
E não será um anel
ou, até, um pedaço de papel
que dirá ao mundo que te amei.
Ademais,
o mundo, a mim não importa,
ele é mau, pequeno e nada
mais, do que a porta
por onde transito na busca,
na ânsia louca de encontrar,
o caminho, do Verbo Amar.



MARIA-SEM-VERGONHA
Cândida Najar

De ser mulher já são tantas, milhares, uma verdadeira
rama, florescendo por todo o planeta lilás
são Maria-sem-vergonha de ser mulher.
Não são só florinhas.
São mulheres se agrupando,
misturando suas cores, gritando seus encantos,
exibindo suas verdades.
São domésticas, bailarinas, artistas,
médicas, estudantes, bancárias,
professoras, escritoras, garis,
brancas, negras, índias,
meninas... agricultoras...

São sem-vergonha de lutar,
acreditar, denunciar, exigir, reivindicar, sonhar...
São Maria-sem-vergonha de dizer
que ainda falta trabalho, salário digno, respeito...
Que ainda são vítimas da violência,
da porrada, do assédio, do estupro, do aborto,
da prostituição, da falta de assistência...

São Maria-sem-vergonha de se indignar
diante do preconceito, da escravidão, da injustiça,
da discriminação de seus cabelos pixaim
e da sua pele negra...
São Maria-sem-vergonha de brigar
por creches, educação, saúde, moradia, terra e comida,
meio ambiente, pelo direito de ter ou não filhos...

São Maria-sem-vergonha de ficar bonita,
pintar a boca e da sua boca soltar um beijo
que não vem da boca, mas de seu ser inteiro,
indivisível, solidário...
São Maria-sem-vergonha de dizer não,
de buscar alegria, prazer...
Sem vergonha de se cuidar,
de usar camisinha e de se apaixonar.
Atrevidas...
Maria-sem-vergonha de decidir,
fazer política, escolher e ser escolhida.

São essas sem-vergonha
que a cada tempo mudam a história.
Conquistam direitos;
Dão vida;
Geram outras vidas...
Insistentemente, desavergonhadamente
vão tecendo de cor a beleza,
o desbotado das relações humanas.
Sem medo, sem disfarce, sem vergonha de ser feliz
vão parindo com dores e delícias um novo mundo
para mulheres e homens. Um novo mundo
pra comunidade dos seres humanos, plantas e animais.



CÉU DE LÁGRIMAS
Antonio Carlos de Assis Brasil

Choraste...
E as tuas lágrimas
Rolaram pelos meus olhos
E se fizeram estrelas
No céu de minha alma.

E nunca mais
Olhei para outro céu
Que não fosse o meu.



O MOÇO
Moacyr José Sacramento

Não me perguntem quantos anos tenho, e, sim,
quantas cartas mandei e recebi.
Se mais jovem, se mais velho...o que importa,
se ainda sou um fervilhar de sonhos,
se não carrego o fardo da esperança morta...

Não me perguntem quantos anos tenho, e sim,
quantos beijos troquei - beijos de amor!
Se a juventude em mim ainda é festa,
se aproveito de tudo a cada instante,
e se bebo da taça gota a gota...
Ora! Então pouco se me dá quanta gota resta!

Não me perguntem quantos anos tenho, mas...
queiram saber de mim se criei filhos,
queiram saber de mim que obras fiz,
queiram saber de mim que amigos tenho,
e se alguém pude eu tornar feliz.

Não me perguntem quantos anos tenho, mas...
queiram saber de mim que livros li,
queiram saber de mim por onde andei,
queiram saber de mim quantas histórias,
quantos versos ouvi, quantos cantei.

E assim, somente assim, todos vocês,
por mais brancos que estejam meus cabelos,
por mais rugas que vejam em meu rosto,
terão vontade de chamar "O Moço! "

E, ao me verem passar aqui...ali...
não saberão ao certo a minha idade,
mas saberão, por certo, que eu vivi!



POEMA Nº 20
Pablo Neruda

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces, ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Como no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque ésta sea el último dolor que ella me causa,
y éstos los últimos versos que yo le escribo.



FOLHA E FOLHA
André Luiz Petra F. de Mello, do livro "Pássaro Urbano"

São duas folhas.
Somente duas folhas.
Quando o vento sopra,
apaixonadas, elas se tocam.
Quando o vento acaba,
se separam.
Assim, nesse movimento,
perpetuam a vida:
enquanto uma penetra,
a outra engole;
enquanto uma se esfrega,
a outra afaga.
Por fim, ambas, as folhas,
deliram.
E se uma finda
por se soltar,
levada pelo vento,
até tocar o solo
e se converter em terra,
a outra, solitária,
ainda presa ao galho,
penosamente balança:
e geme, e chora, e grita;
até, enfim, encontrar,
doce e viçosa,
uma nova folha.



A FLOR DO TEU SEXO
Lilian Maial

Abaixo do teu umbigo
tem uma flor apressada
que germina com a rapidez da paixão
e cresce rija
ao menor toque da minha mão.

Abaixo do teu umbigo
tem um hibisco formoso e rubro
que dura pouco
mas tão intenso em seu esplendor
que sempre me semeia
a cada floração
com as gotas do teu amor.



LOUCA DE PRAZER
Lilian Maial

Meus instintos viajam na velocidade da luz
De um jardim florido,
onde pássaros cantam hinos de amor,
Ao nosso quarto de hotel,
De meia-luz e cheiro de sexo,
Com a música suave e incidental.
Habito os bancos de praça,
Com sua cabeça em meu colo
E abelhas zoando na folhagem,
Ao mesmo tempo em que me excito
Ao ver seu corpo no espelho
Me abraçando por trás, me despindo.
Discuto meus problemas,
Escuto suas angústias,
Quase que no minuto
Em que ouço seu sussurro em minha nuca
E deixo cair o roupão ao chão.
Permito-me recostar em seu peito carinhoso,
Passeando entre bosques e alamedas
Da mesma forma em que percorro seu contorno
Desafiando seus relevos com as mãos firmes e sedentas.
Sou sua menina levada, sua amiga, sua criança
E sua gueixa danada, sua deusa, sua onça.
Dou risadas de brincadeira,
faço graça, digo asneira
Lambuzo o queixo de doce,
Devoro o chocolate inteiro.
Ou cravo os dentes nas coxas
Massageio ou arranho as costas
Faço tudo o que sei que gosta
Pra lhe deixar prisioneiro.
De dia, bebendo sua surpresa,
De noite, embriagada de seu espanto,
Conquisto espaço com meus beijos e meu canto.
Encurralada na parede do quarto,
Feito bicho acuado, revido o ataque,
Rolando feroz e felina
Com a mesma raça da menina
Que aprendeu a desejar seu homem
Quer saciada, quer com fome,
Mas sempre querendo mais.
Agora suada, deitada, entregue e nua
Espio de rabo de olho
Meu corpo no reflexo do teto
E o sorriso de aprovação
Da beleza e plenitude do seio inquieto
Do prazer escorrendo no canto da boca
Revela a mulher quase louca
Exalando delícias na cama,
Fazendo do gozo o nirvana,
Do aconchego, a construção
E de seu homem, o arquiteto.



RIFA-SE UM CORAÇÃO
Clarice Lispector

Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque ,que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que ,na realidade , está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões.
Um pouco inconsequente , que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "...não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero... ".
Um idealista...um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes, revê suas posições arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado, indicado apenas para quem quer viver intensamente, contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que,quando parar de bater, ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro, na hora da prestação de contas: "O Senhor pode conferir.
Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e se recusa a envelhecer".

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro, que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconsequente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado, provavelmente por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar mas, vez por outra, constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta.



MUDE
Edson Marques

Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde você passa.

Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os seus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.

Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.

Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros,
Viva outros romances.

Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor,
a nova vida.

Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.

Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.

Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda !

Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco,
sem o qual a vida não vale a pena!!!!



AMOR
*Bruno Kampel

Sempre soube terminar os poemas
que falam de saudade, de amores
finitos, mas nunca começá-los,
pois o início tem gosto de ausência,
tem cheiro de perda, tem peso de outrora.

Amores passados, perdidos, partidos,
apenas convidam ao silêncio,
e a confissão, e a solidão, florescem
implacáveis na ponta da língua,
como brados, como adagas,
e então, ao pretender o afago,
apenas desenho um lamento profundo,
e ao tentar esquecer o inesquecível
implanto as lembranças na retina da memória,
que dói como se fosse o dia da partida
e não a hora das reminiscências.

Mas, sim: aprendi a dizer
que não te esqueço; que o eco dos teus pés
- que já foram o meu chão - retumba
a cada passo que caminho
nesta doce amargura escandinava,
escondido entre loiríssimos cabelos
e branquíssimas mentiras.

Revejo os instantes
e vejo que o tempo, a destempo,
ensina a dizer que te amo,
que te lembro quando é tarde,
quando a noite do tempo deitou-se
para sempre entre nós, como água
sem barco, como margens sem rio
como um dia sem horas.

Difícil começar a dizer
da saudade que sofro,
da angústia que vivo,
da dor que me ataca,
da culpa que sinto,
que não é vã, mas justa:
mea culpa, mea máxima culpa.

E os minutos, esses que teimam
em ficar horas a lembrar-te;
e as horas, que ficam dias teimando
em reviver os instantes que não voltam,
apenas desamarram as palavras
que impunes e sem medo
se escrevem letra a letra
lapidando um pedido de socorro,
rabiscando um retorno ao passado,
esculpindo um desejo de futuro,
conquistando uma chance de ventura.

Sim, não nego:
quis construir uma ponte de amor,
um dizer de saudade,
um grito de esperança,
um pedido de clemência.

Nem mais, nem menos,
nem muito ou pouco,
nem tarde ou nunca:
um tudo ou nada.

Sim,
um poema de amor
manchado de saudade,
pintado em cor remorso,
é o que tento iniciar
e não consigo,
pois dizendo que sim,
que te amo
e não te esqueço,
não começo, mas termino.

E isso faço, começo terminando
com um resto de esperança,
que é o fim de todos os princípios,
e repito, como um disco,
que te amo, que te amo,
e que deixar-te foi tão duro
como te saber distante.

E termino começando,
pronunciando o teu nome,
o que até agora apenas me atrevia:
vivendo de amor, e não morrendo,
suando de ternura e não de angústia
gritando de esperança e não de raiva,
é como digo que te amo,
meu Brasil nunca esquecido.

*Bruno Kampel, reside atualmente na Suécia.



EU QUERIA
Fátima Vieira (escrito em uma época distante da minha adolescência)

Eu queira ter uma vida assim com você
Assim sem relógio, sem lei e sem documento,
Sem satisfação a dar e sem choro.

Eu queria ter uma vida assim com você,
Mas felizmente meu querer é limitado.
Felizmente porque o bom é a espera, a incerteza e o talvez...
Porque senão a alegria não teria razão
E o chegar não teria partida.

Eu queria ter uma vida assim com você
Sem lenço e sem documento,
Mas o bacana é o adeus e a volta
É o riso depois do choro
É o hoje sofrido e o amanhã exuberante.
O bacana é a luta,
É saber que existe o perdão,
É a dúvida do "não quero", "mas quero"...

Eu queria ter uma vida assim com você,
Mas dou graças por não tê-la
Porque só assim posso escrever tudo isto.
Só assim posso medir-me
Posso certificar-me da limitação humana.
Só assim sei o quanto lhe quero
O quanto posso,
Mas o quanto não devo.



ORAÇÃO DE SÃO FRANCISCO

Senhor!
Fazei-me instrumento de Vossa Paz!
Onde houver ódio que eu leve o amor,
Onde houver ofensa que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia que eu leve a união,
Onde houver dúvidas que eu leve a fé,
Onde houver erros que eu leve a verdade,
Onde houver desespero que eu leve a esperança,
Onde houver trsiteza que eu leve a alegria,
Onde houver trevas que eu leve a luz!
Oh Mestre!
Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado,
Compreender, que ser compreendido,
Amar, que ser amado..
Pois é dando que se recebe,
E é perdoando que se é perdoado,
E é morrendo que se vive para a vida eterna.



SONETOS
Luís de camões

Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer
É um solitário andar por entre a gente
É nunca contentar-se de contente
É um cuidar que se ganha em se perder

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



PARA ALGUNS SERES ESPECIAIS
Madre Teresa de Calcutá

Tem sempre presente,
que a pele se enrruga,
que o cabelo se torna branco,
que os dias se convertem em anos,
mas o mais importante não muda !

Tua força interior e tuas convicções não tem idade.
Teu espírito é o espanador de qualquer teia de aranha.

Atrás de cada linha de chegada, há uma de partida.
Atrás de cada trunfo, há outro desafio.

Enquanto estiveres vivo, sente-te vivo.
Se sentes saudades do que fazias, torna a fazê-lo.
Não vivas de fotografias amareladas.
Continua, apesar de todos esperarem que abandones.
Não deixes que se enferruje o ferro que há em você.
Faz com que em lugar de pena, te respeitem.

Quando pelos anos não consigas correr, trota.
Quando não possas trotar, caminha.
Quando não possas caminhar, usa bengala.
Mas nunca te detenhas !!!!!



O MEU GURI
Chico Buarque/1981

Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri



APENAS UM HOMEM
José Carlos Santana Cardoso

Eu sou apenas um homem
Que tenho pressa em ser feliz
Porque o tempo não vai me esperar
Posso parecer forte, mas sei chorar
Posso ser meio desajeitado, e não ter a delicadeza
Mas sei amar, e mudar o conceito
De que homem é insensível e meio rude
Porque um homem é um ser com sentimentos como a mulher
Preciso apenas de uma mulher sensitiva
Que possa explorar o que há em mim
Sem pressa, sem demora
Porque eu sou apenas um homem
E não aceito mudanças repentinas
Que façam eu acreditar que estão me fechando as portas
E eu não vou ter uma saída como refúgio
E não quero ficar como escravo de seu amor
Quero a porta aberta, por onde eu possa voltar
Porque eu sou um homem
E amando, eu não vou debandar
Mesmo que eu olhe para aquela que passa
Estou comparando que não dá para haver troca
E mesmo eu sendo um homem sei me controlar
Há coisas do coração que não dá para dizer
Mas sei demonstrar, e você vai saber notar
Sou somente um amante, um namorado, um amigo
E porque simplesmente eu sou apenas um homem.



NÓS DOIS
Luiz Antonio

Queria ter lhe conhecido antes, muito antes...
Para que nenhum de nós dois tivéssemos
medos ou cicatrizes.
Queria ter estado com você,
quando seu coração descobriu o que era AMOR.
Quando seu corpo descobriu o que era DESEJO.
E antes que pudesse sofrer,
eu estaria do seu lado,
lhe amando,
me entregando,
e juntos poder ter aprendido,
as lições da vida e do coração...
Queria ter te conhecido muito antes...
Quando suas esperanças começaram a nascer,
quando seus sonhos ainda eram puros,
e seus ideais ainda ingênuos...
Pena termos nos encontrado só agora,
já com o coração viciado em outros amores,
com uma imagem meio falsa,
do que é felicidade,
do que é entregar-se...
Queria ter lhe encontrado antes,
muito antes...
Numa nova vida,
num outro tempo,
em que não precisássemos temer o nosso futuro,
nem nossos sentimentos...

E nem por isso vou deixar de te querer...



TODO DIA É MENOS UM DIA
Carlos Drummond de Andrade

Todo dia é menos um dia;
menos um dia para ser feliz;
é menos um dia para dar e receber;
é menos um dia para amar e ser amado;
é menos um dia para ouvir e, principalmente, calar!

Sim, porque calando nem sempre quer dizer
que concordamos com o que ouvimos ou lemos,
mas estamos dando a outrem a chance de pensar,
refletir, saber o que falou ou escreveu.

Saber ouvir é um raro dom, reconheçamos.
Mas saber calar, mais raro ainda.
E como humanos estamos sujeitos a errar.
E nosso erro mais primário, é não saber:
Ouvir e calar!

Todo dia é menos um dia para dar um sorriso.
Muitas vezes alguém precisa, apenas de um sorriso
para sentir um pouco de felicidade!

Todo dia é menos um dia para dizer:
- Desculpe, eu errei!
Para dizer:
- Perdoe-me por favor, fui injusto!

Todo dia é menos um dia;
Para voltarmos sobre os nossos passos.

De repente descobrimos que estamos muito longe
E já não há mais como encontrar onde pisamos quando íamos.
Já não conseguiremos distinguir nossos passos
de tantos outros que vieram depois dos nossos.

E se esse dia chega, por mais que voltemos;
estaremos seguindo um caminho, que jamais
nos trará ao ponto de partida.

Por isso use cada dia com sabedoria.
Ouça e cale se não se sentir bem;
Leia e deixe de lado, outra hora você vai conseguir
interpretar melhor e saber o que quis ser dito.



JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?



NO MEIO DO CAMINHO
Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.



CONSELHOS DE UM VELHO APAIXONADO
Autor desconhecido

Quando encontrar alguém e esse alguém
fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção:
pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta:
pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso e se o beijo for apaixonante,
e os olhos se encherem d'água neste momento, perceba:
existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa,
se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça:
Algo do céu te mandou um presente divino:O AMOR.

Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro
por algum motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso,
um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se:
vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste,
se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento,
chorar as suas Lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa:
você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir, em pensamento,
sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado...

Se você achar a pessoa maravilhosamente linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos,
chinelos de dedo e cabelos emaranhados...

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo,
ansioso pelo encontro que está marcado para a noite...

Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma,
um futuro sem a pessoa ao seu lado...

Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e,
assim, tiver a convicção que vai continuar louco por ela...

Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo:
é o amor que chegou na sua vida.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais
deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.
É o livre-arbítrio.

Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem
cego para a melhor coisa da vida: O AMOR !!!!



DESEJO A VOCÊ
Carlos Drummond de Andrade

Desejo a você...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme de Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-sol na roça
Uma festa
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.



AUSÊNCIA
Carlos Drummond de Andrade

Por muito tempo achei
que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba de mim.



O QUE MAIS DÓI
*Patativa do Assaré

O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.

*Patativa do Assaré é o mais expressivo poeta popular brasileiro, nascido no Sítio Serra de Santana, a 18 Km de Assaré, no Ceará. Tem 6 livros publicados e, aos 92 anos, sabe decorado os milhares de versos que escreveu, ao longo de toda sua vida. Frequentou escola por apenas seis meses e começou a fazer versos influenciado pela literatura de cordel.



OS DIAS DA COMUNA
Bertold Brecht

Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram
Suas leis, para nos escravizarem.
As leis não mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser escravos.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que ficaremos famintos
Se suportarmos que continuem nos roubando
Queremos deixar bem claro que são apenas vidraças
Que nos separam deste bom pão que nos falta.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que está sobrando carvão
Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão
Nós decidimos que vamos tomá-lo
Considerando que ele nos aquecerá.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que para os senhores não é possível
Nos pagarem um salário justo
Tomaremos nós mesmos as fábricas
Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que o que o governo nos promete sempre
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para podermos levar uma vida melhor.
Considerando: vocês escutam os canhões
Outra linguagem não conseguem compreender -
Deveremos então, sim, isso valerá a pena
Apontar os canhões contra os senhores!

Tradução de Fernando Peixoto



VERSOS DE AMOR
Pegasus - 03.12.2000

Versos de amor...
Saídos do fundo da alma...
Escritos com o coração...
Cada frase, cada palavra...
Ora ferindo...
Ora abrandando...
Cala se uma voz...
Inspiração morrendo...
O poeta no mesmo caminho...
Fonte dos seus versos distante...
Fonte dos seus sonhos ausente...
Vazio, vazio...
Tristemente amarga...
Sofre por não poder...
Expressar seus...
Sentimentos que brotaram um dia...
De seu mais profundo...
Íntimo...



OS TRÊS MAL-AMADOS
João Cabral de Melo Neto

Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.



PEDEM-ME UM POEMA
João Cabral de Melo Neto

Pedem-me um poema,
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo,
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz vendo,
um poema se faz para a vista,
como fazer o poema ditado
sem vê-lo na folha inscrita?

Poema é composição,
mesmo da coisa vivida,
um poema é o que se arruma,
dentro da desarrumada vida.

Por exemplo, é como um rio,
por exemplo, um Capibaribe,
em suas margens domado
para chegar ao Recife,

onde com o Beberibe,
com o Tejipió, Jaboatão,
para fazer o Atlântico,
todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,
é coisa sobre um espaço,
como se vê um Franz Weissman,
como não se ouve um quadrado.



A INTENÇÃO DO DESPERTAR
Túlio

Acalma-te coração!
É bom, que devagar venha a aurora!
Não faz mal, que a lua preguiçosa,
o céu não queira deixar!
Ela, e os outros seres da madrugada,
serão testemunhas,
de o nosso inevitável amanhecer!
Acalma-te coração!
Que se faça a luz, devagar!
A natureza das cousas sabe que tempo há!
Para as flores desabrocharem!
Para os frutos amadurecerem!
Acalma-te, não apresse as estações!
Elas têm o vagar, mas também as sabedorias!
Sabem, que os amanheceres adoçam!
E que os entardeceres trazem as cores!
Acalma-te coração!
Amanhece no oriente,
as belezas do dia que vence a noite!
Anoitece no ocidente,
a luz que dá lugar,
ao ameno da noite!
Acalma-te, porque o que nos cabe,
É velar-te, teu descanso ao luar!
É estar pronto, aos cuidados do amor!
É ter nos olhos atentos, a intenção do despertar!



NAMORAR
Artur da Távola

Quem namora agrada a Deus. Namorar é a forma bonita de viver um amor.
Não namora quem cobra nem quem desconfia.
Namora, quem lê nos olhos e sente no coração as vontades saborosas do outro.

Namora, quem se embeleza em estado de amor. A pele melhora, o olhar com brilho de manhã.
Namora, quem suspira, quem não sabe esperar, mas espera, quem se sacode de taquicardia e timidez diante da paixão.
Namora, quem ri por bobagem, quem entra em estado de música da Metro, quem sente frios e calores nas horas menos recomendáveis.

Não namora quem ofende, quem transforma a relação num inferno, ainda que por amor. Amor às vezes entorta, sabia? E quando acontece, o feito para bom faz-se ruim.
Não namora quem só fala em si e deseja o parceiro/a apenas para a glória do próprio eu. Não namora quem busca a compreensão para a sua parte ruim. O invejoso/a não namora. Tampouco o violento!

Namorados que se prezam têm a sua música. E não temem se derreter quando ela toca. Ou, se o namoro acabou, nunca mais dela se esquecem.
Namorados que se prezam gostam de beijo, suspiro, morderem o mesmo pastel, dividir a empada, beber no mesmo copo. Apreciam ternurinhas que matam de vergonha fora do namoro ou lhes parecem ridículas nos outros.

Por falar em beijo, só namora quem beija de mil maneiras e sabe cada pedaço e gostinho da boca amada.
Beijo de roçar, beijo fundo, inteirão, os molhados, os de língua, beijo na testa, no seio, na penugem, beijo livre como o pensamento, beijo na hora certa e no lugar desejado. Sem medo nem preconceito.
Beijo na face, na nuca e aquele especial atrás da orelha no lugar que só ele ou ela conhece.

Namora, quem começa a ver muito mais no mesmo que sempre viu e jamais reparou. Flores, árvores, a santidade, o perdão, Deus, tudo fica mais fácil para quem sabe de verdade o que é namorar.
Por isso só namora quem se descobre dono de um lindo amor, tecido do melhor de si mesmo e do outro.
Só namora quem não precisa explicar, quem já começa a falar pelo fim, quem consegue manifestar com clareza e facilidade tudo o que fora do namoro é complicado.

Namora, quem diz: "Precisamos muito conversar"; e quem é capaz de perder tempo, muito tempo, com a mais útil das inutilidades e pensar no ser amado, degustar cada momento vivido e recordar palavras, fotos e carícias com uma vontade doida de estourar o tempo e embebedar-se de flores astrais.
Namora, quem fala da infância e da fazenda das férias, quem aguarda com aflição, o telefone tocar e dá um salto para atendê-lo antes mesmo do primeiro trim.
Namora quem namora, quem à toa chora, quem rememora, quem comemora datas que o outro esqueceu. Namora quem é bom, quem gosta da vida, de nuvem, de rio gelado e de parque de diversões.
Namora quem sonha, quem teima, quem vive morrendo de amor e quem morre vivendo de amar.



TER OU NÃO TER NAMORADO
Artur da Távola

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, de saliva, de lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiriu, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo, é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a que se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida, ou bandoleira; basta um olhar de compreensão ou mesmo aflição.

Quem não tem namorado é quem não tem amor: e quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim não pode ter namorado.

Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou largatixa e quem ama sem alegria. Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos de amor com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.

Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de o seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilo e medo, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.

Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria. Se você não tem namorado porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida passar e de repente parecer que tudo faz sentido: "Enlou-cresça".



INSTANTES
Esta poesia não é de Jorge Luis Borges

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.



EU QUISERA QUE TEU CORAÇÃO...
Messias - 05.05.1999 (Feita especialmente para mim)

Quisera que meu coração,
Fosse igualzinho ao teu,
Receptáculo de fortes emoções,
Jazida de esperança,
Uma mina de tantos carinhos,
Ah.....
Por que você, mulher-menina,
Não cruzou há tempo,
O meu caminho?

Quisera que teu coração,
Se tornasse o meu cantinho
Lá, venceria a solidão...
Não me sentiria sozinho,

Quisera que teu coração,
Me acolhesse a qualquer hora,
Que evitasse a demora...
De corpo e alma entregar-te
A uma nova e ardente paixão...

Quisera que teu coração,
Um reino de encanto,
Onde meus sonhos tantos,
Pudessem se realizar....

Quisera que teu coração....
Não fosse tão difícil de convencer,
Que não te quero,
Como uma nuvem passageira....
Te quero pra vida inteira....
Meus olhos anelam te ver...

Quisera que meu coração....
Voasse nas asas do vento...
Ventos da minha imaginação...
Penetrar no teu pensamento...
Viver intensamente essa grande emoção:
Saciar a sede de teus sentimentos,
Romper a parede invisível deste universo,
Que faço agora, através de meus versos....
Tudo isto para estar bem perto...
De teu lindo coração.....



NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI
Eduardo Alves da Costa

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite
eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite
já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles,
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a Lua e,
conhecendo o nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta,

E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer mais nada.



PALAVRAS
Marcelo Henrique - 15.07.99

Perdi minha coleção de gentilezas
Lá eu tinha elogios, sorrisos, flores.
Lá eu tinha palavras doces para um coração doente.
Palavras raras,
destas do Bilac e do Camões;
destas do Salomão Ben-Davi e do Augusto dos Anjos;
destas do Ovídio e do Machado.

Não sei mais dizer "estou indo"
Sem a minha coleção de gentilezas.
Só me restou: Desculpe! Não posso te ajudar.

Não sei mais dizer "te amo"
Sem a minha coleção de gentilezas.
Só me restou: Com licença! Eu preciso passar.

Não sei mais dizer "que linda"
Sem a minha coleção de gentilezas.
Só me restou: Por favor! Pode me dizer a hora?

Não sei mais dizer "até amanhã "
Sem a minha coleção de gentilezas.
Só me restou: Adeus! Não sei se nos veremos depois.

Perdi minha coleção de gentilezas.
Só me restou você,
Meu maior prazer.



UM BRINDE À VIDA
(Desconheço a autoria)

Um brinde à vida
E a cada sonho que surge todos os instantes.
Vamos celebrar a vida em sua plenitude
E vivê-la sem medo
Bebendo suas dádivas
E sorrir sem remorso por ter tentado ser feliz.
Vamos entoar um hino em homenagem à luz
E absorver seu brilho
Como uma planta sedenta acolhe a água da chuva que cai aos seus pés.
Vamos fazer das lágrimas que rolam em nossos rostos
Pedras preciosas que brilham e iluminam nossos olhos.
Vamos fazer de cada espinho a esperança de encontrar uma rosa
E de cada dor a possibilidade de um sorriso.
Vamos encarar a vida
Como um presente que deve ser desfrutado
E não como um fardo a ser carregado.
Vamos usufruir da nossa felicidade,
Que ela é de graça e só a nós pertence
E não vamos deixar que nos cobrem por ela.
Vamos sorrir sem medo de mostrar ao mundo
Que somos felizes
Porque não há pecado algum
Em saber aproveitar os presentes
Que Deus nos dá todos os dias.
Vamos simplesmente
Viver.



ATITUDE
Cecília Meireles

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.



SERENATA
Cecília Meireles

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.



CANÇÃO
Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.



RENOVA-TE
Cecília Meireles, do livro Cânticos

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços, para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.



MOTIVO
Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei.
Não sei se fico ou se passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: - mais nada.



RETRATO
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?



OLHAR
Francisco Rebêlo

Quando teus olhos os meus fitaram
Senti a alegria, senti o amor.
Quando teus olhos me envolveram
Morreu o ódio, morrendo a dor.

Senti que um mundo de tristeza
Tombava derrotando o sofredor.
Levando consigo as incertezas
Senti as esperanças renascerem.

Quando teus olhos me olhavam
E de amor com os meus brincaram
Um novo sol, no céu apontou
Um mundo de meiguice despertou.

Em meu peito uma vontade de amar
Pareceu aos poucos desabrochar
As horas passaram a ser segundos
As horas passaram a ser mundo.

Passaram os reis a vagabundos
O mundo sofrido, de rosas se tingiu
Um sonho de amor em mim surgiu
Quando teus olhos os meus fitaram.

No horizonte senti o amor nascer
E o que quero?
O que peço, por favor?
É poder em teus meigos olhos
Buscar a paz do meu amor.



SOY MUJER
(Desconheço a autoria)

Soy mujer
Y tú eres hombre,
Y lo repito:
Soy mujer
Con mucho orgullo y gracia
Con mucho ritmo,
Y as de ver
Que por ser mujer
Y tú hombre...
Te respeto
Y me respetas,
Te siento
Y me sientes,
Te miro
Y me miras,
Con sencillez y dulzura
Con deseo y amor
Con pasión y sentimiento...
Soy mujer
Y por eso:
Respetando mi cuerpo
Cultivando mi mente
Elevando mi espíritu,
Te respeto
Te siento
Te miro y
Te amo
A través de tu piel
A través de tus ojos
...Tu boca e tu ser...



AS APARÊNCIAS ENGANAM
Taunay

As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam, pois o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões. Os corações pegam fogo e, depois, não há nada que os apague.
Se a confissão nos persegue, as labaredas e as brasas são o alimento, o veneno e o pão, o vinho seco da recordação, dos tempos idos de comunhão, sonhos vividos de conviver...
As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam, pois o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões. Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele.
Se a neve, cobrindo a pele, vai esfriando por dentro o ser, não há mais forma de se aquecer, não há mais tempo de se esquentar, não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor...
As aparências enganam, aos que gelam e aos que inflamam, pois o fogo e o gelo se irmanam no outono das paixões. Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno. Mas o verão que os unirá, ainda, vive e transpira ali, nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera, no insistente perfume de alguma coisa chamada... amor..



MADRIGAL MELANCÓLICO
Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba o que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.



NATAL SEM SINOS
Manuel Bandeira

E que é noite, sem o silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde estão os sinos
Do meu Natal sem sinos?

Ah! Meninos sinos
De quando eu menino!

Sinos da Boa vista e de Santo Antônio
Sinos do Poço, do Monteiro e da igrejinha de Boa Viagem.

Outros sinos
Sinos
Quantos sinos!

No noturno pátio
Sem silêncio, ó sinos!
De quando eu menino
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos que não ouço)
Os sinos de Santa Luzia.



COMPETIÇÃO
Cassiano Ricardo

O mar é belo.
Muito mais belo é ver um barco
no mar. O pássaro é belo.
Muito mais belo é hoje o homem
voar.

A lua é bela.
Muito mais bela é uma viagem
lunar.

Belo é o abismo.
Muito mais belo o arco da ponte
no ar.

A onda é bela.
Muito mais belo é uma mulher
nadar.

Bela é a montanha.
Mais belo é o túnel para alguém
passar.

Bela é uma nuvem.
Mais belo é vê-la de um último
andar.

Belo é o azul.
Mais belo o que Cézanne soube
pintar.

Porém mais belo
Que o de Cézanne, o azul do teu
olhar.

O mar é belo.
Muito mais belo é ver um barco
no mar.



FAÇAMOS UM TRATO
Mario Benedetti

Se alguma vez descobres que olho para teus olhos
e um veio de amor descobres nos meus,
não penses que deliro, pensa simplesmente
que podes contar comigo.

Se outras vezes me encontras zangado sem motivo,
não penses que é fraqueza;
assim mesmo podes contar comigo.

Mas, façamos um trato,
eu quisera contar contigo.

É tão lindo saber que existes,
sente-se vivo e, quando digo isso,
não é para que venhas correndo em meu auxílio.

Senão para que saibas que tu
sempre podes contar comigo.


MEU PAI, MEU AMIGO!
Celina H. Weschenfelder

Gosto muito de pensar em ti, pai,
porque transmites amor e ternura,
me ajudas a encarar a vida de frente,
confias na minha caminhada,
muitas vezes tão insegura e lenta,
sabes esperar, aguardando confiante.
Eu sei, pai, é por amor à gente!

Os anos passam... e enquanto esperas
o embarque do teu filho,
para destinos desconhecidos,
sobes bem alto no mastro e dizes:
"Coragem, meu filho, o tempo
te ensinará tantas coisas,
e em breve estarás de volta;
a travessia é breve e daqui
fico aguardando tua volta".

Muitas vezes, situações e pessoas
me deixaram, fora do barco, bem ausente,
mas acredita, pai, nunca te esqueci.
E agora, que te vejo com voz cansada,
mãos calejadas, olhar profundo,
carinho e gratidão se misturam,
pra dizer, mais uma vez, em tom maior:
tu és a melodia mais vibrante,
que me embala e faz feliz, sempre!



PERDA
Fred Livino

Caminhei de sobre os montes para os córregos e os vales,
buscando em cada regato a cólera dos males
que nasce do imo a que devora.
Ressuscita, oh indizível espera...

Que morta de não ser, ainda atônita exaspera
este pobre ser que não recorda.
Nada de novo há se não quimeras que da louca solidão amarga
dilacera qualquer vestígio de bem que tive agora.

Única dor de toda era, fosse este mal que me povoa,
de saber que bem mais podia agora
provar que nunca fui o que eu já era.

Morro de não ser se me demora,
esta angústia que em mim ainda chora,
de jamais ver nas mãos o que tivera.


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