A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE - criada pela Lei 3.962 de 15 de Dezembro de 1959, nasceu de um amplo debate social e se tornou o maior e mais importante espaço democrático e político-institucional para o desenvolvimento regional jamais criado neste País. No dia 2 de maio de 2001, foi extinta pela Medida Provisória 2.145, assinada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e reativada pelo Presidente Lula, por meio do DECRETO Nº 6.198, DE 28 DE AGOSTO DE 2007. Para vê-lo ou baixá-lo é só clicar no nome do Decreto.
Os servidores da Autarquia jamais imaginaram que isso pudesse acontecer. Todos tinham a consciência de que ela precisava ser reestruturada, renovada, revitalizada, mas extinta, nunca!!!
Na home page da SUDENE vocês encontram toda a sua história, programas, projetos e tudo o que a tornou importante para o Nordeste, ao longo desses 41 anos.
Transcrevo a seguir algumas considerações sobre o triste acontecimento da extinção - verdades sobre o real papel da Autarquia - tecidas por servidores, jornalistas e componentes de outros segmentos da sociedade, para que vocês possam avaliar a realidade dos fatos.
Quero deixar aqui a minha homenagem a todos os colegas, na pessoa da servidora Angela Maria de Lima Nascimento.


Ela entrou na SUDENE em 1995 por meio de concurso, é Assistente Social, reconhecidamente competente pelos colegas e dirigentes da Autarquia, ao ponto de pedir licença sem vencimentos e redistribuição para outro órgão, antes da extinção da SUDENE, e ter seus pedidos negados sob a alegação de que era competente e importante para a Casa.
Essa importância e competência, no entanto, foram completamente esquecidos quando a transferiram, aleatoriamente, para CEFET, antiga Escola Técnica Federal de Pernambuco.
A você Angela, a minha gratidão e admiração pela sua luta em prol da SUDENE, pela mulher, profissional e gente que você é.


ADEUS

*IZÍDIO JOSÉ DA CRUZ

Adeus queridos amigos
Eu já vou me ausentar
Expulsaram a nós da casa
Vão pôr outros no lugar
Tenho fé na Virgem Maria
Esses covardes um dia
Ainda hão de pagar.

Depois de vinte e um anos
Que trabalhei na SUDENE
Dediquei o meu trabalho
Porém ninguém compreende
Expulsaram a nós da casa
Criando uma tal de Adene.

A Adene de que falo
É uma casa sem muro
Construída sem cimento
Numa noite de escuro
Vocês todos compreendam
Que essa tal de Adene
Pois nunca vai ter futuro.

Vou embora meus colegas
A vocês Deus dá a luz
Que fique ou que vá embora
Vou pedir a meu Jesus
Que ilumine vocês todos
Assim a vida conduz
Um abraço apertado
De Izídio José da Cruz.


*Izídio José da Cruz é servidor da SUDENE e deixou esses versos como despedida, pois foi redistribuído para a Receita Federal.


SUDENE DE PAPEL

No dia 2 de maio de 2001, através da Medida Provisória 2.145, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, extinguiu a Superintendência de Desenvolvimento do Norte (Sudan), que fora instalada em 3 de dezembro de 1966 pelo governo militar, na presença do próprio marechal Castelo Branco, com o objetivo declarado de coordenar os incentivos ao desenvolvimento da Amazônia. A alegação da medida de quatro anos atrás foi a constatação de irregularidades na distribuição daqueles recursos às empresas privadas.
O País foi surpreendido, porém, quando percebeu que o ato de FHC atingiu igualmente a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que existia desde 1960 - por iniciativa do presidente JK e decisão soberana do Congresso Nacional - ainda que contra ela não houvesse denúncias continuadas no seu desempenho de quatro décadas.
Para substituir a Sudene, ou pelo menos para zelar pelo seus imóveis, móveis e documentos, foi criada a fantasmagórica Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) que, até hoje, ninguém sabe a que veio na verdade, pois nunca prestou contas de suas atividades, apenas mantém em funcionamento precário as edificações postas à sua guarda.
Em sua campanha eleitoral, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em todos os palanques nordestinos garantiu que, uma vez eleito, promoveria de imediato a recriação da Sudene. E, parecendo disposto a cumprir a palavra, logo depois de empossado criou uma comissão de estudos, cuja relatora foi a economista pernambucana Tânia Bacelar, antiga funcionária daquela autarquia, para sugerir a nova estrutura e os recursos que deveriam fazer o milagre de ressuscitar o órgão extinto.
O relatório foi definido a partir dos objetivos básicos que constaram de sua filosofia inicial, o de promover o desenvolvimento do Nordeste (reduzindo, no País, as desigualdades regionais), e concentrar a força política regional, através de um conselho de que participariam os governadores dos nove Estados nordestinos (e mais Minas e Espírito Santo). A esses objetivos primordiais, conhecidos dos brasileiros desde a elaboração do Relatório do GTDN, presidido décadas atrás pelo economista Celso Furtado, o novo trabalho acrescentou um diagnóstico da atual realidade política, social e econômica do Nordeste. Representantes de vários setores da sociedade foram ouvidos, na ocasião, antes que o documento fosse enviado pelo presidente da República ao Congresso Nacional, em forma de projeto de lei e em caráter de urgência.
Passado esse primeiro momento de euforia, o governo simplesmente retirou a urgência, e os termos de sua proposta em benefício do Nordeste caíram na vala comum dos inúmeros projetos que circulam vagarosamente pelas diferentes comissões das duas casas legislativas federais, sem prazo para votação, e nem sequer garantia de que serão realmente votados.
Recentemente, depois de um longo período de silêncio em torno do assunto, o relator da matéria no Senado, o senador Antonio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e, como tal, antigo ocupante de uma cadeira no Conselho Deliberativo do órgão federal extinto, divulgou inesperadamente o seu parecer sobre a recriação da Sudene. Antigos servidores da autarquia, hoje lotados em diferentes repartições federais, começam a se movimentar para que os termos desse parecer sejam amplamente divulgados. Somente assim se saberá com quantos funcionários contará a nova Sudene, quais deles serão ocupados por remanescentes do quadro de pessoal anterior à extinção e quantos poderão se submeter a concurso público. Mas, sobretudo, querem que a nova filosofia administrativa seja suficientemente divulgada.

Editorial do Jornal do Commercio, de 18/06/2005.


SUDENE, TÂNIA E A ESPERA

JOSÉ MÁRIO RODRIGUES

Esperamos sempre o que nunca chega, como os personagens da peça "Esperando Godot", de Samuel Beckett. Enquanto esperamos, morremos um pouco. A espera exaustiva é uma maneira de acabar com o sonho. Ela é capaz de varrer a vontade, o desejo. Quando chega o que se espera muito, já vem sem força. O espírito não é o mesmo. O objeto da aspiração perde o significado.
A cada dia se extingue mais o que ainda me sobra de esperança em relação às promessas dos nossos governantes. Tenho medo de que essa decepção se transforme em ódio. Hoje, entendo, porque algumas pessoas de esquerda, no caminhar da vida, apoiaram forças conservadoras, na ansiedade de resolver questões pelas quais tanto lutaram. Sem dúvida, apoiaram por desespero, por vingança talvez, por desencanto. Não seguirei essa trilha. Não se deve manchar um passado com uma desilusão, porque depois, infelizmente, tudo continuará da mesma maneira ou pior. E no fim, o que vai restar, é o verso de Manuel Bandeira: "a vida toda que poderia ter sido e que não foi".
Às vezes penso que há uma deliberação para não se resolver nada, mas apenas fazer de conta. Que bom se isso uma impressão.
Em recente nota de jornal vi que a economista Tânia Bacelar, nome de expressão nacional e uma capacidade que ninguém duvida, dizia ao colunista da sua descrença na recriação da Sudene. Ela tem motivos para pensar dessa forma. Poucas pessoas trabalharam tanto, elaborando o projeto da nova Sudene. Sou testemunha desse esforço e colaborei na parte da comunicação e revisão do projeto "Bases para Recriação da Sudene", que foi resultado de uma ampla consulta à sociedade, a instituições públicas oficiais e não oficiais, a especialistas nacionais e internacionais de políticas de desenvolvimento regional.
Recentemente, escrevi um texto que foi distribuído no café da bancada parlamentar do Nordeste, em Brasília. Lamentava o desrespeito com o povo nordestino em se extinguir um órgão que chegou a quatro décadas de presença na Região, aparelhado e apoiado numa estrutura sem similar no País, quando da fundação pelo economista Celso Furtado, e destinado a criar uma sociedade regional fortalecida e condizente com os impulsos de desenvolvimento registrados pelas demais regiões brasileiras.
Agora, quase todo político, das mais variadas faunas partidárias, defende a recriação da Sudene, dizendo que ela "está fazendo falta". Esse é o assunto dos discursos em busca de aplausos. Mas, nada acontece. Parece é que estamos acompanhando um enterro depois de um cansativo velório.
Todo o trabalho de Tânia Bacelar está hibernando numa Estação onde não se ouve o apito de um trem, que não vem nunca. Tânia não acredita mais. Eu ainda espero, sem ânimo. Tenho vocação para a espera e, por isso, construo alicerces de ventania no meu viver diário.

José Mário Rodrigues é escritor e membro da União Brasileira de Escritores (UBE)

Publicado na página Opinião do Jornal do Commercio, de 17/05/2005.


MORTE E VIDA DA SUDENE

CLEMENTE ROSAS

Há, neste mundo, vocações sombrias. A de coveiro, por exemplo. Ou a de guardião de sepulcros. O Dr. José Aristophanes Pereira, após haver antecipado a morte da Sudene, entoando compungidas nênias à defunta antes mesmo do seu velório (JC, 02.02.2001), agora se empenha em mantê-la sob os sete palmos de terra (DP, 19.04.2005). E o mais curioso é que, em seu último artigo, ao descrever como era a instituição que morreu, e contra cujo renascimento se insurge, ele apresenta os fundamentos pelos quais ela deve renascer.
Lucidamente, o Dr. Aristophanes descreve a Sudene em sua concepção original: uma entidade não só de planejamento, mas também de supervisão e coordenação de ações voltadas para o desenvolvimento regional. E bem identifica os pilares que lhe deram sustentação, entre 1959 e 1964: a vontade política do presidente Juscelino, o apoio dos governadores do Nordeste e a ausência de uma estrutura nacional de planejamento.
Ao referir-se à tomada do poder pelos militares, no entanto, o veterano quadro da autarquia, que conviveu com as novas autoridades lá dentro, adota um maneirismo que já não se justifica. Ninguém suspeitava de "viés separatista" na doutrina da instituição. Achava-se, isto sim, que a Sudene tinha propostas "estatizantes", "comunizantes", para o Nordeste. Um equívoco que só se desfez com o tempo, resultando em desempenhos até marcantes dos novos superintendentes, com destaque para o general Euler Bentes Monteiro. Mas é preciso deixar bem claro que foi também nessa época que tiveram curso as deformações responsáveis pela progressiva descaracterização e pelo enfraquecimento da autarquia: a ausência de critérios técnicos nas decisões, a prodigalidade na administração dos incentivos, de par com a sua dispersão pelo país todo, e a progressiva perda de sua autonomia.
Com a precipitada e injusta extinção da entidade, após uma recuperação, mesmo tardia e incompleta, promovida sobretudo pelo general Nilton Rodrigues, que quadro agora defrontamos? Não devemos, em princípio, duvidar da vontade política do atual presidente, ao tomar as medidas necessárias para recriar a Sudene. Por outro lado, é de esperar que os governadores não sejam tontos, ao extremo de negar apoio a um órgão de promoção do Nordeste em seu conjunto, permanecendo na luta autodestrutiva dos incentivos fiscais estaduais. E a existência de uma instância nacional de planejamento (por sinal, bem fraquinha e desprestigiada, em nossos dias) não elide a instância regional, sendo apenas indispensável pô-las em articulação.
Onde está, portanto, o erro na luta pela recriação da Sudene? E se falamos em recriar, não em exumar, onde está a volta ao passado? De que modo as "ações de integração nacional" podem ser conflitantes com a existência de um órgão regional de desenvolvimento que seria, justamente, o mais forte instrumento de reivindicação e conquista delas? O que mais vale, a voz isolada, ainda que respeitável, do Dr. Aristophanes, ou o coro de um conselho de governadores?
É, no entanto, nos parágrafos finais do seu artigo que o Dr. Aristophanes comete, talvez em semi-inconsciência, alguns pecados, dos quais, como homem digno, deveria penitenciar-se.
O primeiro, venial, é a sugestão ao presidente Lula para que não "mova um dedo" para impulsionar a recriação da autarquia. Recomendar ao presidente que esqueça não só um compromisso formal de campanha, mas também a promessa pública e solene feita a Celso Furtado, criador da instituição, é, na melhor hipótese, uma leviandade, na pior, um conselho cínico, ao estilo de Maquiavel.
O segundo, mais grave, porque se situa no plano da cortesia - e para um cavalheiro como sempre foi o Dr. Aristophanes, "noblesse oblige" - é rotular de "capenga" o projeto encaminhado ao Congresso. É uma ofensa à professora Tânia Bacelar, coordenadora do grupo que o elaborou, em sua primeira versão, e à equipe de técnicos do melhor nível que participou do trabalho, entre eles meus amigos próximos Leonardo Guimarães e Sérgio Buarque. Todos, no mínimo, tão conceituados como o articulista e o seu interlocutor de "temas agridoces", Mariano Mattos.
O terceiro pecado, imperdoável, é o desrespeito à memória de Celso Furtado, consistente na proposta de um instituto de pesquisa com o seu nome, criatura inócua que ele nunca legitimaria. Pois já temos a Fundação Joaquim Nabuco, ocupando esse espaço. E já se arriscou manha semelhante, com o batismo antecipado do canal de transposição do São Francisco. O que Dr. Celso realmente desejava, e o disse claramente, entre lágrimas, ao pedir que "fizessem o que ele não havia conseguido fazer", nós, os veteranos da Sudene fiéis ao legado moral e intelectual do mestre, bem o sabemos: é o que estamos lutando por conquistar, e o Dr. Aristophanes, equivocadamente, procura impedir.

Clemente Rosas, consultor de empresas, é ex-servidor da Sudene (clemente@br.inter.net)

Publicado na página Opinião do Jornal do Commercio, de 1°/05/2005.


TRÊS ANOS SEM A SUDENE

Sem Sudene, Nordeste já perdeu R$ 1,8 bilhão

Há exatos três anos, a Sudene, criada para promover o desenvolvimento regional, era extinta. Projeto de recriação de Lula não saiu do papel.

JAMILDO MELO

Desde que o presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a Sudene, no dia 2 de maio, há exatos três anos, a região Nordeste já perdeu cerca de R$ 1,8 bilhão em investimentos públicos federais, sendo R$ 480 milhões em 2001, R$ 660 milhões em 2002 e R$ 750 milhões em 2003. Caso a recriação não ocorra agora em 2004, outros R$ 800 milhões deixarão de ser repassados para o desenvolvimento regional no Governo Lula. Em julho de 2002, em plena campanha eleitoral, o então candidato Lula prometeu recriar a Sudene, mas até agora o Governo Federal não conseguiu tirar a promessa do papel.
A previsão de repasse dos recursos consta da Medida Provisória que acabou a Sudene e o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e criou a agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) e o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDN). A MP vigorou de 2001 até julho do ano passado, quando foi parcialmente revogada (veja matéria ao lado), sem nunca ter sido analisada pelo Congresso. Em 2003, mesmo com o envio de um projeto de lei pelo Governo Lula prevendo a recriação da Sudene, nenhum tostão do Orçamento Geral da União foi repassado. Além disso, desde 2001 a Receita Federal deixou de repassar os recursos do Imposto de Renda (IR) que anualmente lastreavam o Finor. "Os recursos que deixaram de vir para a Sudene e a região viraram superávit primário (ajudando a pagar a dívida pública), enquanto as empresas perderam uma importante fonte de financiamento", explica o consultor de empresas Nilo Simões.
Para o diretor da Associação das Empresas de Planejamento do Nordeste (Assemp), Juscelino Bourbon, o prejuízo chega a ser maior, com a soma das contrapartidas exigidas das empresas. "Como a média do Finor era de R$ 500 milhões por ano e ele financiava até 30% de cada projeto, com as contrapartidas, chegava-se a investimentos de R$ 1,6 bilhão por ano. Em três anos, a região perdeu cerca de R$ 5 bilhões em investimentos produtivos", calcula o consultor.
Caso os recursos tivessem sido repassados para a região, os investimentos públicos seriam suficientes para concluir os cerca de 200 projetos remanescentes do Finor e ajudar a criar cerca de 60 mil empregos diretos com a implantação dos projetos. Segundo dados extra-oficiais da inventariança que sucedeu à Sudene, os projetos do Finor demandam R$ 1,5 bilhão em investimentos públicos.
O consultor econômico Herôdoto Moreira, ex-diretor de contas regionais da Sudene, defende que a extinção da autarquia, em 2001, foi o ápice de um processo de desmonte das políticas regionais, em benefício das regiões mais ricas. "Ao analisarmos estatísticas dos benefícios tributários da União, no período de 1991 a 2003, verificamos que a partir de 1990, com o Governo Collor, a questão regional foi abandonada. As estatais que cuidavam da problemática regional, como a Sudene e o Dnocs, começaram a ser desmontadas. Cuidou-se só da política fiscal e o resto foi esquecido", critica. Na esteira desse processo, as regiões menos desenvolvidas perderam participação no bolo das receitas nacionais, em detrimento das regiões mais ricas (veja arte). Em 1991, o Nordeste abocanhava 31,2% dos benefícios tributários. Em 2003, essa participação caiu para 12,6%, numa redução de 60%. No mesmo período, a região Sudeste saltou de uma participação de 18,6% em 1991 para 48,5% em 2003.

Projeto de recriação embute volta de incentivos fiscais
com uso do IR

Depois da canibalização dos recursos orçamentários da Sudene pelos governadores do Nordeste, o Governo Federal conta agora com a volta do sistema de incentivos fiscais, com recursos oriundos do Imposto de Renda (IR). Na prática, a iniciativa ressuscitaria o mecanismo fiscal que coletava entre os empresários parte do imposto devido em favor do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor), para financiar investimentos produtivos na região. A alternativa consta do Projeto de Lei Complementar nº 76, enviado em julho do ano passado pelo presidente Lula ao Congresso Nacional. Sem alarde, o texto do projeto revoga a Adene, mas acolhe o fundo criado por FHC para dar lastro ao órgão, ao manter em vigor os artigos 3, 4, 5, 6 ,7 e 21 da MP 2.156, que criou a Adene e o FDN. "A proposta interessa ao setor empresarial, mas apenas em parte. O texto prevê a volta dos incentivos fiscais, só que todas as aplicações de recursos precisam retornar (com a exigência do pagamento de debêntures não conversíveis em ações)", diz o consultor Nilo Simões. Os empresários gostariam de não devolver nada ao Governo Federal e apenas dar ações de suas empresas em troca dos recursos recebidos, com as chamadas debêntures conversíveis em ações.
JUSTIFICATIVAS - O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS/CE), em nota enviada ao JC, culpa os governadores pela divisão dos recursos que sustentariam a Sudene e diz que ainda não há uma fonte de recursos estável. "Para viabilizar a nova Sudene e também a nova Sudam, cujo projeto de lei complementar encontra-se em tramitação no parlamento, imaginamos um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional em que a maioria dos recursos (estimados em R$ 1,8 bilhão) seria carreada para a região nordestina. Infelizmente, no encaminhamento do projeto da Reforma Tributária, uma posição - a meu juízo equivocada - dos governadores do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Minas Gerais, Espírito Santo e até do Rio Janeiro pretende dar outra destinação aos recursos daquele fundo. Neste momento, tanto no Congresso quanto no âmbito do Governo, há um esforço em busca de alternativa que possa garantir à nova Sudene e à nova Sudam uma fonte consistente de recursos, sem o que, na minha opinião, estarão sendo criados apenas mais dois entes burocráticos".
Na opinião do ex-superintendente da Sudene Rubens Vaz da Costa, o problema é o ajuste fiscal das contas públicas. "O veto à recriação da Sudene é feito pelo Ministério da Fazenda. Para recriar a Sudene, Lula teria que ampliar as despesas públicas (elevando repasses orçamentários ou abrindo mão de receitas via renúncia de Imposto de Renda", afirma o ex-dirigente, repetindo, com outras palavras, a crítica feita pelo sociólogo Francisco Oliveira quanto à responsabilidade do então candidato Lula. Na avaliação do ex-funcionário da Sudene Paulo de Tarso, a política eleitoral, da mesma que ajudou a angariar votos com a promessa de reabertura da autarquia, impede agora a sua recriação. "A recriação só vai sair depois das eleições. O governo Lula não vai dar um palanque privilegiado como a Sudene para os governadores do Nordeste, ainda mais em um ano de crise. A Sudene, viva, uniria o Nordeste", acredita.

Publicado no caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 02/05/2004.


"NÃO BASTA RECRIAR A SUDENE"

JAMILDO MELO

A economista Tânia Bacelar diz que o Nordeste precisa de uma política de desenvolvimento regional. Mesmo com a autarquia, a situação da região mudou pouco.
Não basta Lula recriar a Sudene pois, sozinha, ela não responde à necessidade de crescimento do Nordeste. O maior desafio do Governo Federal é estabelecer uma política de desenvolvimento regional que atrele o Nordeste à indústria nacional, depois que perdemos o bonde da industrialização, antes mesmo do Golpe de 1964. A tarefa é agravada pela dependência do País ao capital especulativo. Hoje, a nossa tragédia é o garrote financeiro (necessidade de economizar recursos públicos para o pagamento de juros da dívida pública).
O diagnóstico da situação do Nordeste foi feito pela economista Tânia Bacelar, no seminário O Golpe de 64 - 40 Anos Depois, realizado pela Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (Fundaj), em parceria com o Jornal do Commercio, entre os dias 30 de março e 2 de abril últimos.
"Nos primórdios da Sudene, se dizia que o Sudeste ia bem e o Nordeste ia mal. Depois, que o Nordeste vai bem quando o Brasil vai bem. O Brasil do golpe é outro. Isso mudou, especialmente com a internacionalização da economia, com o processo de consolidação dessa internacionalização no período militar", explicou a economista. "Hoje, não basta o Nordeste ter a Sudene. O País tem que ter uma política de desenvolvimento regional. E isso é um desafio maior do que a Sudene de antes. A questão do Nordeste é central no Brasil de hoje", diz.
Depois de fazer uma longa contextualização do processo de industrialização do País, a economista afirmou que os desafios se renovam, com a substituição da dependência do capital produtivo da década de 50 pela dependência do capital financeiro, especialmente o capital especulativo.
"O grande capital nacional, o estado desenvolvimentista conservador e o grande capital internacional, fincado na era JK se afirmou no período militar. Nos anos 90, o País, já democratizado, se rende à internacionalização financeira que hoje nos domina. Os desafios, assim, se renovam! ", observou.
Na apresentação, a economista Tânia Bacelar chegou a fazer uma fina ironia com o atual momento do PT e com a equipe econômica do Governo Lula, que, no poder, não aceita discutir mudanças na política econômica, vista por muitos como favorável ao FMI.
"A trajetória de JK era debatida. Depois do golpe, como ele era um democrata, foi elogiado (esquecendo-se a herança deixada pelo ritmo de crescimento, como inflação alta e déficit público) ", historiou. "Já Jango resistiu ao receituário monetarista do FMI, que buscava recuperar seus créditos. Naquela hora, o debate sobre o futuro se reacendeu, com a discussão de um projeto reformista. Às vezes, fico me perguntando se essa tese fosse vitoriosa o que seria o Brasil hoje. Mas a tese da reforma agrária foi rejeitada e a via da modernização conservadora foi imposta ao País depois do Golpe de 64, pelos grupos nacionais aliados aos americanos", completou.
Na avaliação da economista, a necessidade de uma política de desenvolvimento regional se faz presente porque, apesar dos esforços da Sudene e alguns avanços, o Nordeste pouco saiu do canto. "Quando a Sudene foi concebida, o Nordeste representava cerca de 10% da produção industrial nacional. Hoje, somos cerca de 13%, mesmo depois de tantos avanços e esforços. Julgo que esse esforço é muito modesto. Por isto, a questão do Nordeste é central para o Brasil. Como disse Celso Furtado, ao regressar do exílio, o Nordeste é o espelho onde a imagem do Brasil se reflete com brutal nitidez", criticou.
O risco de região não obter resposta favorável é a manutenção das desigualdades regionais. "Os programas de emergência (que são um campo vasto para a indústria da seca) é que salvavam os pequenos produtores nos minifúndios. Infelizmente, é assim que continua até hoje", observou, em certa altura da exposição, de 34 minutos.
No diagnóstico apresentado pela economista, o Nordeste perdeu o bonde da industrialização com JK, na década de 50, mas a origem da crise nordestina nasce da incapacidade de atrair investimentos produtivos, pois, os militares e a Sudene da época, mesmo atraindo parte da indústria complementar ao parque fabril do Sudene, não conseguiu estancar o processo de drenagem da região.
"O capital produtivo acumulava-se no Nordeste, mas acabava indo para as regiões mais ricas. O Governo Federal, por sua vez, na região só destina, em sua maioria, investimentos para a área social e não para o setor de infra-estrutura", comparou Tânia Bacelar.

Publicado no caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 11/04/2004.


O GRANDE BLEFE

*CLEMENTE ROSAS

Merece registro em nosso calendário uma data vergonhosa. Completa-se agora, neste 2 de maio, um ano da edição da Medida Provisória que extinguiu a Sudene, "riando", para substituí-la, uma nova entidade, supostamente mais moderna, mais ágil, mais forte. E, no entanto, a nova entidade não se materializou, existe apenas no papel, e o fundo de desenvolvimento que ela deveria gerir não foi regulamentado.
Outras datas correlacionadas, também por cumprir-se, são igualmente acabrunhadoras. Em agosto próximo teremos o segundo aniversário da MP que, ao permitir a conversão em ações da parcela de debêntures inconversíveis do Finor, mudou as regras do sistema de incentivos, condicionando a concessão dos chamados incentivos complementares (reduções e reinvestimento do imposto de Renda) à definição, por decreto presidencial, de setores prioritários, merecedores de tal apoio. Pois bem: só agora (29.04.2002) o decreto foi editado, e consequentemente, embora existam cerca de trezentas habilitações de empresas à espera de deferimento, nenhum incentivo foi ainda concedido. No dia 14 de maio deverá esgotar-se também o prazo de 90 dias, dado pelo Decreto nº 4126/02, para que a nova agência, a ADENE, publique o seu regimento interno, aprovado pela diretoria, e comece a operar. E até agora não há regimento interno, nem diretoria.
Não se pense, porém, que, havendo alguma coisa de fato implantada, a situação seria muito diferente. Como foi definida pela MP e estruturada pelo decreto já citado, a ADENE, quando em operação, não terá poderes para conceder os incentivos complementares, nem gerir o Finor que, pelos direitos adquiridos de opção reconhecidos a investidores em projetos já aprovados, deverá subsistir por alguns anos. E mais: não terá autonomia para aprovar ou fiscalizar empreendimentos postulares do FDNE, o novo fundo de desenvolvimento. Fechando o quadro, não terá Conselho Deliberativo em sua estrutura, e não deverá formular nem mesmo propor políticas de desenvolvimento regional, mas apenas implementá-las. Eis aí, sem disfarce, o esquálido perfil do novo órgão, "moderno", "forte", oferecido aos nordestinos pela Administração Federal.
O tempo, senhor da razão, está revelando a dimensão do blefe em que foram envolvidas as autoridades públicas e a sociedade civil do Nordeste. O que se queria, na verdade, era liquidar com o sistema de incentivos fiscais e com a instância regional de planejamento, além de, incidentalmente, diluir a atenção sobre os escândalos da Amazônia, por tanto tempo sabidos e tolerados, mas só então ameaçando comprometer altas figuras políticas do país. Pode-se agora vislumbrar que, embora enfaticamente proclamado, nunca houve o propósito sério de aperfeiçoar, ou de mudar para melhor as coisas por aqui.
Que têm a dizer, agora, os nossos líderes empresariais que, no afã de arrancar a anistia de débitos do Finor, convertendo passivo exigível em não exigível, aplaudiram com entusiasmo uma MP deliberadamente confusa, tortuosa, que travou, como demonstramos, todo o sistema de incentivos até hoje? E que, pelo descrédito acarretado a esse sistema, preparou o caminho para a sua extinção, junto com a própria Sudene?
Que têm a dizer, por sua vez, os nossos políticos? O Governador de Pernambuco, que não quis assumir a liderança que lhe foi oferecida pelos seus colegas nordestinos, nos momentos finais da resistência ao golpe, preferindo embarcar no blefe? O Vice-Presidente da República, que não soube, desta vez, pôr em prática a sua decantada habilidade de conciliar e trabalhar nos bastidores, deixando ser levada a termo a violência contra a sua região? O comando do Partido dos Trabalhadores, que não se preocupou em conter as leviandades do seu deputado numa CPI apenas espetaculosa, ao brandir números fantasiosos de desvios de recursos e criar condições propícias à consumação da manobra?
Todos devem explicações à comunidade nordestina. Mas como podemos prever que ela não serão simples sugerimos que façam, ao menos, alguma coisa para reparar o mal causado: que atuem junto ao Congresso, onde a Medida Provisória terá de ser convertida em lei, e ser remendada, modificada, substituída, ou até mesmo rejeitada, O deputado-relator já tem sugestões sobre o que fazer, e propostas concreta e articuladas para isso. Apesar de alguns estragos irremediáveis, muita coisa pode ser recuperada, desde que o relator e seus colegas se compenetrem de que a atividade parlamentar não se esgota em arreganhos para obter benesses do Executivo.

*Clemente Rosas é procurador federal aposentado e consultor de empresas - Publicado na página Opinião Jornal do Commercio, de 02/05/2002.


QUEREMOS A SUDENE AO POVO DEVOLVIDA

ANTÔNIO LISBOA - Agosto de 2001

O Nordeste brasileiro
Foi sempre uma região
Castigada pelo clima
Vítima da exploração
Do preconceitos dos grandes
E do medo dos que não são

Após séculos divididos
Em décadas, anos e meses
Desmandos de oligarquias
Massacres de camponeses
A região nordestina
Se reciclou muitas vezes

Demarcou seu território
Ampliou sua cultura
Exportou seus desportistas
Criou sua agricultura
E caminhou na direção
Da paz e infra-estrutura

Viveu o ciclo do Açúcar
Do Pau-brasil e do Couro
Recebeu a influência
Dos outros, Café e Ouro
Perdeu mais do que ganhou
E nunca quebrou seu decoro

Atravessou a Colônia
Submeteu-se ao Império
Adaptou-se à República
Levou os golpes a sério
Mas sua realidade
Foi transformada em mistério

Reagiu à violência
Da invasão portuguesa
O domínio da Holanda
A ocupação francesa
Foi entregue ao tio Sam
Sem abrir mão da grandeza

Se mobilizou nas lutas
Em todos os patamares
Na Balaiada, em Canudos
Na União dos Palmares
Fez das Ligas Camponesas
As tribunas populares

Apelou para os partidos
Apostou nos candidatos
Deu o sangue nas campanhas
Se arrependeu nos mandatos
Viu que o queijo mal cuidado
Vira alimento dos ratos

Com religião e seitas
O Nordeste se envolveu
Promessas e romarias
Roubou santo, devolveu
E o Deus que custou caro
Serviu, mas não resolveu

Apesar de tudo isso
Continuava atrasado
Quando um lado era coberto
Descobria o outro lado
Pedindo não era ouvido
E cobrando era ignorado

Surgiu a necessidade
Duma ampla discussão
Que contemplasse em conjunto
Da Bahia ao Maranhão
E respaldasse os nordestinos
Contra a discriminação

Essa nova experiência
Reuniu todos os setores
Igreja, sociedade
Partidos, governadores
Sem premiar progressistas
Nem vetar conservadores

Constatou-se a precisão
Duma Superintendência
Para desenvolver pesquisa
Economia e ciência
E atuação social
Nas áreas de mais carência

No fim dos anos 50
A decisão foi tomada
Com Celso Furtado à frente
A SUDENE foi fundada
E pras limitações da época
Julgou-se até avançada

A princípio a Autarquia
Era um órgão consistente
Aglutinador de forças
Democrática e transparente
Que estreitava as relações
Entre o Planalto e a gente

Ganhou prestígio político
Cobrou financiamento
Programa dos ministérios
Posições no parlamento
E acenou junto ao Nordeste
Para o desenvolvimento

Conquistou de Juscelino
Apoio incondicional
De Jânio boa vontade
De Jango crédito total
E tornou-se uma referência
No cenário nacional

Teve os militares
Entendimento a altura
Administrou as crises
Sobreviveu à censura
E arquivou os arranhões
Dos anos da ditadura

Os sucessores civis
Sarney, Collor e Itamar
Foram azes de omissão
Partidários do vulgar
Não levantaram a SUDENE
Nem deixaram ela afundar

Depois que Fernando Henrique
Se instalou no poder
Privatizar foi a ordem
Desempregar o dever
Fraude, denúncia e escândalos
Começaram a aparecer

É o F.M.I.
Quem dita as prioridades
Corte, gasto, investimento,
Vendas, produtividades
A SUDENE entrou na lista
Das suas penalidades

A SUDENE foi extinta
Por Medida Provisória
Sem punição dos culpados
E a apuração da história
Que um rombo abafado a tempo
Ninguém guarda na memória

Projetos importantíssimos
Estão sendo interrompidos
Servidores relocados
Recursos comprometidos
Futuro ameaçado
E destinos indefinidos

Os maiores perdedores
Com esse autoritarismo
São estados, municípios
Empresas, sindicalismo
E o povo que os construiu
Com fé, brio e heroísmo

Diante desses impasses
Que o Nordeste está passando
Todos os seus segmentos
Estão se mobilizando
E vão buscar as soluções
Que FHC está negando

Estão juntas lideranças
Do PTB ao PT
Movimentos sociais
CUT, CNBB
Pra resgatar a SUDENE
E revogar a M.P.

Diversas autoridades
ONGs e simpatizantes
Associações de classes
Sindicatos importantes
CONDSEF e SINDSEP-PE
São os dois mais atuantes

A proposta é que a SUDENE
Seja ao povo devolvida
Saneada, independente
Sem mancha restituída
E outro incidente jamais
Ameace sua vida

Retomar com a SUDENE
Produtiva e social
Distribuição de renda
Formação de pessoal
E a geração dos empregos
Da versão original

Nada pior pro Nordeste
Do que essa agência nova
Melhoramentos não trás
Modernidade não prova
A não ser salvar corruptos
Abrir nossa própria cova

Campanhas difamatórias
Não engolimos nenhuma
Nordeste não se acomode
SUDENE não se resuma
Seus erros são do governo
Ele que apure e assuma

Um terço desta nação
O Nordeste é quem abriga
Caráter é seu patrimônio
Miséria é sua inimiga
Nosso fôlego é isso aqui:
Quem sabe o que quer para si
Não aceita que alguém diga.


CARTA DO NORDESTE

"A SUDENE é uma grande conquista política do Nordeste.
Sua importância cresce em face dos problemas criados pela
globalização econômica, que ameaça a soberania nacional"

Celso Furtado
11 de maio de 2001

Nós, participantes do Seminário "A Questão Regional e a Extinção da Sudene: Um Debate Urgente", realizado em 14 de Maio de 2001, no Auditório Presidente Médici, Edifício SUDENE, na cidade do Recife, tornamos público à sociedade brasileira e nordestina o seguinte:

A SUDENE foi criada pela arregimentação das forças políticas e sociais do Nordeste, no final dos anos 50, em luta para que a Região com a segunda maior população do País não ficasse abandonada e à margem do processo desenvolvimentista do Centro-Sul. E foi na perspectiva de superar esse desafio que ela operou, ao longo dos últimos 41 anos.
Hoje o processo de globalização, com seus desdobramentos econômicos, sociais, políticos, tecnológicos, ambientais, culturais e gerenciais, implica outros desafios e maiores restrições à ação regional. A exacerbada concentração de renda, considerada não só no aspecto do seu adensamento geográfico, como também no próprio interior da sociedade, e as dificuldades crescentes de ingresso no mercado formal de trabalho, fomentando a exclusão social, em dimensão jamais ocorrida na história do País, constituem um problema que não poderá ser resolvido apenas pelas forças do livre jogo do mercado. Uma abordagem míope, que tenha este foco reducionista, condenará milhões de pessoas à pobreza e indigência extremas no Nordeste, no Brasil e no Mundo.
Nesse contexto, as políticas governamentais de desenvolvimento regional têm um novo e decisivo desafio. O planejamento, como instrumento de condução racional de políticas públicas, é cada vez mais empregado nas estratégias de integração nacional e regional, a exemplo do que se dá na União Européia. Nesses casos, ocorre uma decidida intervenção governamental, com o claro objetivo político de integrar, no prazo de uma geração, as áreas ou regiões menos desenvolvidas com os pólos dinâmicos. O Brasil porém, está na contramão da contemporaneidade, por causa da despreocupação do Governo Federal com a questão regional. A ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional é o principal fator da incongruente guerra fiscal pelos projetos estruturadores, envolvendo violenta renúncia fiscal pelos Estados pobres, em situação de insolvência.
O Nordeste precisa, efetivamente, não de uma agência desenvolvimentista de índole burocrática, mera repassadora de fundos financeiros para o fomento da atividade econômica, nem de um órgão simplesmente planejador ou de estudos, mas sim de uma instituição que articule todas essas dimensões, como foi o projeto original da SUDENE, utilizando toda a experiência e a massa crítica acumuladas nos últimos quatro decênios, quando se lidou, pioneiramente neste País, com a questão do planejamento e do desenvolvimento regional.
É preciso repensar o modelo da SUDENE, de modo a recriá-la, o que não significa repetir ou copiar os erros do passado. O sistema de incentivos, por exemplo, não pode ser algo autônomo em relação aos objetivos do desenvolvimento da Região. O desvio de recursos públicos, não importa a sua magnitude, deve passar por uma apuração profunda, depurada dos sensacionalismos de propósitos políticos, culminando com a punição de todos os envolvidos e a devolução dos recursos públicos fraudados. Entretanto isso extrapola os limites da SUDENE, que já vinha investigando e procedendo as medidas administrativas e judiciais cabíveis, em relação às empresas fraudadoras e funcionários envolvidos. Se outros atores sociais e políticos, notadamente o Poder Judiciário, o Ministério Público e a OAB, não estiverem sintonizados nesta mesma perspectiva de punir os responsáveis pela fraudes, toda a pirotecnia em prol da moralidade só terá servido aos interesses inconfessáveis de parcelas das elites da Região e do Centro-Sul do País na extinção da SUDENE.
A conscientização e a luta pela Questão Regional e pela redução das disparidades inter e intra-regionais no País tem que ser de toda a sociedade brasileira e, particularmente, da sociedade nordestina. A idéia-força principal é a mobilização e o aprofundamento deste debate, aberto a todos os atores sociais, visando arregimentar as forças políticas para a causa do desenvolvimento regional, autenticamente democrático, e sugerir e apoiar a construção dos mecanismos para a instrumentalização e plena realização desse processo. Nesse sentido, fica criado a partir deste Seminário, um fórum permanente para o debate da Questão Regional.
O objetivo-síntese da mobilização social ora proposta é a recriação da SUDENE como ente político, voltado para a promoção do desenvolvimento social e o ordenamento econômico do território regional do Nordeste, de modo a integrá-lo, por participação e não por dependência, às demais regiões brasileiras. A SUDENE, assim o exige a nação, precisa ser recriada, não extinta. Não há de ser mantida esvaziada e sem função, mas sim, fortalecida para induzir o desenvolvimento regional, com os meios e instrumentos necessários, assegurados pelo Governo Federal e com o apoio da sociedade, para a consecução dos seus objetivos, dentro de uma política nacional de desenvolvimento regional, sempre com a consciência de que se deve aprender com os erros, mas nunca desistir da caminhada.
Propõe-se, enfim, que toda a discussão da Política Regional e Institucional do Nordeste brasileiro, o que implica a recriação da SUDENE, seja conduzida de forma aberta e verdadeiramente democrática, voltada para a definição de uma estratégia regional, acompanhada por uma política de incentivos fiscais para induzir o desenvolvimento da Região, enquanto existirem as profundas desigualdades que separam o Nordeste do centro dinâmico da economia brasileira.


Recife, 14 de maio de 2001.

OS PARTICIPANTES DO SEMINÁRIO


O MELANCÓLICO FIM DA SUDENE

Publicada na edição de agosto 2001, do Jornal do Economista, do Conselho Regional de Economia de Pernambuco.

A extinção da SUDENE é o assunto de nossa entrevista desta edição.
Procuramos o General Nilton Rodrigues, ex-superintendente da autarquia, no período de 1994 a 1998, para falar sobre um assunto que vem causando indignação em boa parte dos nordestinos. Depois de mais de 40 anos a Sudene deixa de existir de forma melancólica, sob suspeita de irregularidades e desvio de dinheiro.

JC: Como o senhor analisa historicamente o papel que a SUDENE exerceu sobre o desenvolvimento da região?
NILTON: Nesses últimos 40 anos, foi revertida uma tendência, observada anteriormente, de persistente e crescente deterioração da posição do Nordeste no contexto do País. Verificou-se, graças à SUDENE, uma melhora generalizada dos principais indicadores sociais e econômicos, em termos relativos e absolutos, em referência ao todo nacional. Sem a existência da SUDENE nesses anos, o Nordeste estaria com o IDH semelhante ao da Serra Leoa, ao invés de se apresentar com o IDH do Sri Lanka. Observe que esta área tem um PIB que a coloca como quarta potência econômica da América Latina.

JC: Na sua gestão junto à Superintendência da SUDENE, uma das marcas foi o combate sem tréguas à corrupção. Essa luta trouxe resultados concretos? Quais as principais dificuldades encontradas?
NILTON: Sempre que se toca no problema da corrupção na SUDENE o foco concentra-se no FINOR. Quando assumi a Autarquia, em janeiro de 1994, existiam cadastrados 865 projetos em implantação, além de 445 projetos e 362 cartas-consulta sob análise técnica. Só em projetos em implantação totalizavam compromissos de US$ 3,1 bilhões, para uma arrecadação, naquele ano de US$ 147 bilhões. Nesse clima de desequilíbrio, era natural a ocorrência de pressões e cobranças do ambiente sócio-político e econômico sobre os gestores do Sistema. A carência de recursos impacientava os interessados. A objetividade na aplicação de critérios e normas, tendia a ceder espaço à subjetividade das decisões. Daí as distorções na operação do Sistema - reais ou apenas presumíveis - era um passo. Embora não comprovadas, as denúncias e insinuações de irregularidades no FINOR repetiam-se com insistência, amplificadas por todos os meios de comunicação de massa, tornando mais difícil a administração do instrumento, inclusive porque submetido a investigações e inquéritos. Motivado por esse diagnóstico, após a minha posse, e aconselhado pela equipe técnica do órgão, tomei várias providências gerenciais óbvias, baseadas na objetividade (para garantir a impessoalidade), a clareza (para dispensar interpretações duvidosas) e participação dos principais agentes envolvidos (para ganhar adesão e sustentação geral). Uma palavra resume o objetivo traçado: credibilidade. Três anos após havíamos aumentado a arrecadação anual de US$ 147 milhões para US$ 468 milhões em 1997. De 865 projetos existentes em 1994, foram concluídos 261, excluídos por motivos diversos 294, e permaneciam sendo implantados 310. Os saldos existentes para serem liberados chegaram a um limite aceitável de dois anos de orçamento; antes, segundo um relatório do TCU, era de 7 anos e segundo o orçamento de 1994, 21 anos. Este relato mostra que o FINOR era viável apesar das incompreensões dos diferentes escalões do Governo integrantes do Sistema: Receita, Tesouro, Ministério do Planejamento e Ministério da Fazenda. Havia um desprezo pelo sistema e a morte dos incentivos fiscais para o Nordeste era anunciada em cada plano econômico, ou Medida Provisória que tratasse de qualquer assunto ligada à arrecadação de tributos. Orgulho-me de ter constatado que todos os desvios de recursos reais, ou presumidos, foram realizados anteriormente à nossa administração. O modelo de acompanhamento e avaliação permitiu eliminar as distorções anteriores e, felizmente, o modelo continuou a vigorar nas administrações posteriores. Por isso, o "leit motiv" corrupção para fechar a SUDENE não deve ter sido o verdadeiro.

JC: Com a globalização e a prioridade ao mercado pelo governo brasileiro, há espaço para um órgão de desenvolvimento regional?
NILTON: Não há dúvida que sim. Aliás, a miséria existente em nossas diferentes áreas regionais impõe a criação de vários órgãos regionais. Os desníveis inter e intra-regionais clamam por uma política descentralizada. Não vejo como Brasília pode resolver os problemas de áreas periféricas em um País continente e diversificado como o nosso. A globalização em nada mudou esta percepção. Veja os exemplos de políticas regionais bem implantadas pela União Européia em Portugal e Espanha, e a beleza de recuperação da Irlanda. O importante é a vontade política e a compreensão da sociedade nacional em desejarem diminuir os desníveis socioeconômicos e a miséria crescentes.

JC: O esvaziamento da SUDENE guarda uma relação mais direta com o forte relacionamento que se desenvolveu com o próprio setor privado? Não foi o setor privado que batalhou em prol dos chamados incentivos fiscais e se apropriou, por vezes, de forma incorreta, com a cooptação de alguns técnicos do próprio órgão, desse importante instrumento de captação de investimento para a região?
NILTON: Antes da década de 90 esses procedimentos foram usuais. No entanto, após a implantação do FINOR/Debêntures, aquelas anomalias tornaram-se menos danosas para o País. É verdade que a doação do débito de quase 1,5 bilhão de reais em debêntures vencidas, no final do ano passado, foi uma decisão questionável e profundamente injusta para com aqueles que cumpriram os seus compromissos e pagaram todos os encargos acordados. A cautela no uso dos incentivos terá que ser uma preocupação gerencial constante. Concordo. É preciso atentarmos que, sem os poucos incentivos destinados ao Nordeste, atualmente não ultrapassam 12% da renúncia fiscal, o Sudeste rico absorve mais de 54% - não teríamos a moderna industrialização das regiões metropolitanas de Salvador, Recife e Fortaleza, com alguns efeitos de transbordamentos em outras capitais, os excelentes serviços existentes na maioria das cidades de grande e médio porte do Nordeste e, no interior, não teríamos os diferentes pólos de agricultura irrigada, salientando Petrolina-Juazeiro, e a moderna agricultura dos cerrados (oeste da Bahia, sudoeste do Maranhão e sul do Piauí). Também estaríamos sem os excelentes hotéis que dão sustentação ao turismo emergente, e dificilmente contaríamos com as indústrias de celulose, couro-calçadista, têxtil-confecção, cloro-alcooquímica, petroquímica e a iniciante automobilística. Infelizmente,só olhamos os desacertos. Esses devem ser corrigidos. Não devemos penalizar uma instituição, ou melhor uma região, retirando-lhe o pouco conquistado pelos nossos antepassados, como Celso Furtado, Euler Bentes, Gileno De Carli, Cid Sampaio e outros.

JC: Como seria possível manter o modelo de planejamento regional a partir do momento em que se despreza totalmente o planejamento nacional?
NILTON: É uma questão de análise do quadro político, econômico e social vivido, atual e futuro. Se o modelo atual, sem planejamento, conduziu o Brasil para um IDH pior do que os da Jordânia, Colômbia, Líbano, Belize, Guiana etc., e os estados do Nordeste a terem mais de 50% dos miseráveis do País, acredito que o planejamento regional deveria ser tentado. O modelo atual não me parece o melhor. É só vermos que 1% dos mais ricos detêm mais de 50% da riqueza nacional. Não é triste vermos estados como Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas e Bahia terem mais da metade de suas populações catalogadas como miseráveis? Vamos voltar a planejar. Apenas o PPA, que para mim é um mero distribuidor de recursos clientelista, não basta. Precisamos acreditar nas políticas e estratégias de governo. Acho que apenas seguir as políticas e determinações do FMI, Banco Mundial, Banco Interamericano e outros alienígenas, continuará aumentando a nossa dívida e, como consequência, a nossa profunda dependência, em todos os campos do poder, dos países desenvolvidos.

JC: Como o senhor avalia os prejuízos decorrentes da extinção da SUDENE?
NILTON: O Nordeste perdeu um fórum onde as elites pensantes e os políticos discutiam e apresentavam soluções para os problemas regionais. Não se pode confundir um único instrumento de desenvolvimento o FINOR com a SUDENE. Se ele estava esvaziado e pouco influía nas decisões tomadas para a área, agora muito pior, não há uma casa com memória, tradição e vida que impulsione estudos, discuta problemas e apresente alternativas para soluções. Vamos ter que aceitar todos os pacotes de Brasília, passivamente. A SUDENE é uma marca de prestígio nacional e internacional. Queiram ou não queiram. Havia um Conselho Deliberativo formado por governadores e ministros, e uma Secretaria Executiva (os técnicos do órgão) que se interpenetravam na ação política, calcada em um parecer técnico. Era uma simbiose perfeita e inteligente, ímpar na administração pública.

JC: No seu ponto de vista, o que contribuiu para a extinção do órgão?
NILTON: Além da real ou imaginária corrupção, a pressão continuada de alguns grupos nacionais do Sul desenvolvido e de alguns segmentos insatisfeitos do próprio Nordeste. A falta de apoio da enorme bancada política da área e do descaso da maioria dos governadores que, infantilmente, imaginavam - que já teriam bastante força para, isoladamente, enfrentar ou receber sozinhos as benesses do poder central. Pensavam que, por serem "amigo do rei" não precisariam ter um intermediador. O escândalo da SUDAM foi apenas o pretexto.

JC: Na sua administração o quadro técnico da instituição foi reformulado através de concurso público. Na sua opinião, como esse pessoal poderia ser aproveitado na nova empresa ou de alguma outra forma? Se for o caso de demitir, isso não representa um prejuízo para o próprio governo: formar um quadro, capacitá-lo, e ao final desprezá-lo?
NILTON: É com tristeza que vejo técnicos do mais alto nível sendo questionados ou abandonados. Perde-se uma cultura enriquecida por aqueles que os antecederam. Não sei como está sendo organizada a "nova" agência, mas, certamente, se houver bom senso, esses funcionários deverão compor a autarquia.

JC: Por falar em ADENE, qual sua expectativa em relação a essa agência, sobretudo no que diz respeito à problemática social e econômica da região?
NILTON: Li, reli e meditei sobre o escrito na MP. Quando houve uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre desenvolvimento regional, o Secretário de Desenvolvimento fez uma apressada apresentação da ADENE. Confesso que não entendi. Não sei se será uma agência de financiamento, ou um escalão avançado do Ministério da Integração, ou uma representação do Ministério do Planejamento. Tudo indica que ela ainda poderá ser organizada. Acredito que poucos farão melhor do que fez Celso Furtado. Acho que reformular, modernizar, e modificar alguns procedimentos gerenciais era necessário. Destruí-la, nunca. Não acredito em edificação alicerçada nas cinzas. O objetivo nefasto de alguns prevaleceu e, no momento, está destruído o legado de várias gerações de patriotas.


UM GAÚCHO NA SUDENE

*EDUARDO FERREIRA

E-mail: eferreira@dpnet.com.br

José Diogo Cyrilo, designado inicialmente pelo Governo Federal para exercer o cargo de interventor na Sudam e posteriormente alçado à condição de secretário executivo da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (Ada), está no Recife desde anteontem à noite. Ele não veio a passeio. Sua missão: conhecer todos os detalhes de funcionamento da antiga Sudene, ou seja, da nova Agência de Desenvolvimento do Nordeste, a Adene.
Há quase um mês, o secretário executivo da Ada requisitara três funcionários da Sudene para que eles pudessem avaliar todos os projetos aprovados pela Sudam, pois não havia pessoal habilitado para tal tarefa na ex-Superitendência do Desenvolvimento da Amazônia.
Como gaúcho, o técnico José Diogo Cyrilo certamente tem a bravura dos homens dos Pampas, o que nos leva a afirmar que ele, a esta altura, reconhece a importância da Sudene para o Nordeste, pois se a autarquia regional fosse um antro de corrupção, como a consideraram o deputado José Pimentel e o presidente da República, o secretário executivo da ADA não estaria no Recife apreendendo as normas utilizadas pela Sudene para seu funcionamento.
Não seria estranho que o gaúcho José Diogo Cyrilo chegasse a reconhecer que a Sudam deixou de existir pelas falcatruas, enquanto a Sudene foi fechada porque era virtuosa demais, o que terminava incomodando a muita gente. Portanto, nós, os nordestinos, ficaríamos extremamente gratos se o gaúcho, honrando as tradições do seu povo, dissesse publicamente a razão de ter vindo aprender com os técnicos da Sudene.

*Eduardo Ferreira é jornalista do Diário de Pernambuco - Publicado no Caderno de Economia do DP, de 09/08/2001


HORA DO TROCO

*EDUARDO FERREIRA

E-mail: eferreira@dpnet.com.br

A Sudene foi extinta por que o Governo Federal, pressionado pelos escândalos da Sudam e com a popularidade caindo a cada dia, curvou-se aos números manipulados por um deputado oposicionista que, de olho nas eleições do próximo ano, transformou-se na vedete da CPI do Finor, sem sequer ser o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Portanto, a extinção da Sudene era um fato consumado, principalmente se levando em conta que o presidente da República, à semelhança dos programas de televisão e rádio, orienta-se pelas pesquisas, uma vez que seu porte de estadista só funciona além fronteiras do País. Mas, passados alguns dias, começaram a surgir os números reais sobre a Sudene, os quais foram tratados como se o Governo os tivesse manipulado. Somente depois de verificarem o estrago causado pelo fim da Sudene, os governadores decidiram reagir. E foram chamados economistas que, mesmo da oposição, defendem a permanência da autarquia regional. Paralelo a essa luta, alguns fatos começam a mostrar a precipitação do Governo Federal, com o último partindo de um gaúcho, Diogo Cyrillo, interventor na Sudam. Funcionário da Advocacia Geral da União, ele solicitou à Sudene a indicação de seis técnicos para que realizem auditorias nos projetos incentivados pelo Finam. É que o interventor não conta com ninguém na antiga Sudam em condições de realizar os trabalhos. Fatos como esse mostram que comparar Sudene à Sudam é misturar alhos com bugalhos. É a Sudene dando o troco aos seus algozes.

*Eduardo Ferreira é jornalista do Diário de Pernambuco - Publicado no Caderno de Economia do DP, de 15/07/2001.


GOVERNO REDISTRIBUI 242 SERVIDORES DA SUDENE

O Governo Federal publicou ontem uma lista com os nomes de 242 funcionários da extinta Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que foram redistribuídos para outros órgãos. A maioria foi alocada em órgãos como a Receita Federal, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE).
A lista, segundo a Associação dos Servidores, pegou todos de surpresa, principalmente, porque alguns funcionários já tinham solicitado a sua redistribuição para alguns órgãos e acabaram sendo encaminhados para outros.
Além disso, a portaria atinge pouco mais de 25% do total de servidores da casa na ativa em função na própria autarquia. No início do processo de extinção da Sudene, o órgão contava com 980 servidores na ativa. Recentemente, esse número caiu para 900, pois muitos já teriam conseguido a redistribuição por solicitação própria.
Essa é a primeira leva de transferência de funcionários da extinta Sudene que será substituída pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene). A previsão é de que a Agência trabalhe com um quadro de funcionários mais enxuto. O secretário especial do Ministério da Integração Nacional - órgão ao qual será ligada a Adene - e ex-superintendente da Sudene, Wagner Bittencourt, mandou informar, por meio de sua assessoria, que somente o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão iria responder pelas redistribuições.
MINISTÉRIOS - O Ministério do Planejamento administra toda a área de recursos humanos do serviço público federal e qualquer medida deste tipo precisa, necessariamente, passar por ele. A assessoria do Ministério informou que, somente hoje, falaria sobre o assunto.
Segundo informações dadas à presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Federais de Pernambuco (Sindserpe), Ana Paula Pontes, o ministro da Integração Nacional, Remez Tebet, não tinha conhecimento da lista. Tebet teria alegado que a decisão de redistribuir teria sido tomada pelo ministro do Planejamento, Martus Tavares. Hoje, os servidores irão tentar uma audiência com o secretário Wagner Bittencourt e, depois, terão uma assembléia para discutir o que fazer.

Publicado no Caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 18/07/2001


ADENE TERÁ 400 FUNCIONÁRIOS

A futura Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) será composta por cerca de 400 funcionários. A informação é do secretário especial do Ministério, Wagner Bittencourt. O número é menos da metade do quadro da extinta Sudene que era de 900 servidores. O restante será remanejado para outros órgãos.
Nos próximos dias, mais 270 servidores da autarquia extinta serão redistribuídos pelo serviço público federal. Essa foi a informação que circulou ontem durante a reunião dos servidores com Bittencourt. Eles foram questionar sobre quais os critérios foram utilizados para a redistribuição de 242 servidores para outros órgãos ocorrida no início da semana.
O maior problema foi que muitos desses funcionários já haviam pedido o remanejamento para determinados órgãos e acabaram sendo encaminhados para outros locais. A presidente do Sindicato dos Servidores Federais de Pernambuco (Sindsepe), Ana Paula Pontes, afirmou que a assessoria jurídica do Sindicato vai solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que explique os critérios utilizados nesse remanejamento. Segundo o secretário especial, coube ao Ministério - responsável por toda a área de recursos humanos do Governo Federal - decidir a colocação de cada um desses funcionários. Ele explicou que o remanejamento foi feito com base na demanda de cada órgão público.

Publicado no Caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 19/07/2001


SUDENE: UM DEBATE LAMENTÁVEL

*TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO

Há mais de 40 anos, ao ser criada, a SUDENE surgiu no Nordeste como um raio de esperança. O Brasil dinâmico e em modernização intensa dos tempos de JK aprofundava o hiato entre o Centro Sul e o Nordeste, Celso Furtado conseguiu sistematizar as denúncias que as forças vivas da sociedade nordestina (ligas camponesas, sindicatos, igrejas, governadores, estudantes, industriais, entre outros) expressavam nas ruas, em seminários e debates. Era preciso mudar a forma e o conteúdo da ação do Governo Federal na região. A SUDENE foi concebida para isso. E ganhou renome internacional.
Sua proposta era reformista e transformadora. Ousada e inovadora. E a SUDENE fez muito pelo Nordeste, mesmo tendo visto esmaecer sua força inicial e serem bloqueadas suas propostas principais, ao longo dos Governos Militares. Investiu na infraestrutura de transportes e energia, fez estudos que basearam os avanços feitos depois nos pólos de irrigação, apostou firme na formação de recursos humanos e em especial na qualificação de jovens universitários ( que espalhou no setor público da região e nas empresas que ajudava a montar) . Montou estruturas de planejamento nos Estados, e órgãos de apoio como o Sistema CEASA, os NAI's (origem do Sistema SEBRAE), entre outros . Começou a ocupação das terras úmidas e férteis do Maranhão. Descobriu e sistematizou o potencial de recursos naturais do Nordeste, até então desconhecido . Mas foi sendo pouco a pouco esvaziada.
Na revisão constitucional feita pelo regime militar, por exemplo, foram tirados seus recursos vinculados e com isso se esvaziou a força coordenadora dos seus Planos Diretores. A redemocratização, quando chegou, coincidiu com a crise financeira do Estado brasileiro, com a desaceleração do crescimento econômico do país, com a submissão a políticas ditadas pelo FMI. Coincidiu, também, com o avanço da guerra fiscal entre as unidades da Federação, semeando a competição fratricida. Esse quadro adverso coincidiu também com a crescente predominância da acumulação rentista onde o que sobra aos aplicadores, falta na saúde, na educação, na reforma agrária no país inteiro. Mas sem isso o Nordeste não muda.
Restou à SUDENE basicamente o sistema de incentivos (que mobiliza modestos R$ 400 milhões/ano no FINOR, está com data marcada para acabar em 2013 e agora novamente sujeito a uma CPI, misturado no mar de corrupção que se espraia Brasil a fora). A verdade é que, nos anos recentes, da SUDENE proposta para transformar a realidade social e econômica do Nordeste pouco já havia restado. Na região há ilhas de crescimento e de modernização , mas em torno delas a miséria continua. Qualquer estudo sobre o Brasil denuncia que precisamos voltar a ousar, que precisamos ter uma política nacional de desenvolvimento regional. Se sonhamos com o Brasil menos desigual, o desafio persiste.
Mas no Brasil dos tempos atuais, os bilhões que se destinam a pagar as despesas financeiras do Governo faltam às políticas regionais ativas, voltadas para reduzir as desigualdades que permanecem. Infelizmente, o Governo FHC não tem políticas regionais, por isso não consegue redefinir o papel da SUDENE. Só tem a propor mudanças acessórias , como a transformação da SUDENE de Autarquia para Agência Executiva.
O debate recente sobre a Medida Provisória gestada pelo Ministério da Integração é de chorar! Não há transparência nem clareza de objetivos. Não se discute o Nordeste nem a SUDENE. Discute-se um pequeno Fundo ( de 0,23 % do PIB regional) que não tem o menor poder transformador, sequer do setor produtivo da região , quanto mais da vida de milhões de nordestinos. E discute-se, apenas, " o que restou" da SUDENE. Daí o desinteresse da maioria. Daí o debate ficar tão restrito a uma pequena parte de interessados do meio empresarial e a alguns políticos.
Os Governadores, emergindo de anos de uma Guerra Fiscal fratricida, haviam perdido o "sentimento regional"... Chamados às pressas não se deram conta da armadilha que os aguardava : aceitaram discutir a Medida Provisória. Em meio à desinformação buscam ampliar o Fundo que substituirá o FINOR: um Fundo mais vulnerável que o atual, porque orçamentário, em tempos de ajuste fiscal.
Para propor algo, tentam fazer com que o montante do Fundo chegue aos R$ 800 milhões/ano (míseros 0,5% do PIB nordestino) . Lutam pelas migalhas que sobram do banquete dos que obtêm lucros fantásticos financiando o rombo do Governo. Debatem, de fato, o "golpe de Misericórdia" na SUDENE de nossos sonhos. Dos sonhos de juventude de muitos deles. Têm força para mudar a pauta. Mas não o estão fazendo. Lamentável !
Mas a realidade impulsionará cedo ou tarde a retomada do verdadeiro tema : o desafio de construir um Nordeste menos desigual, num país que clama por políticas regionais ativas como as que existem, hoje, em muitos países e até em grandes blocos, como a União Européia.
Logo se voltará a ver que, nos tempos atuais, a renda média do Nordeste ainda é 55% da brasileira. A região tem quase 30% da população e gera apenas 16% do PIB nacional. Sua infraestrutura econômica requer ainda investimentos de peso para assegurar competitividade às suas empresas . Sua infraestrutura metrológica quase inexiste em tempos de ênfase na qualidade total e tios Certificados ISO . Sua população tem menos de metade do número médio de anos de estudo do país , e todos os indicadores sociais mostram que continua a existir aqui um quadro mais adverso que o das áreas mais ricas. O peso do Nordeste nas exportações brasileiras vem declinando a olhos vistos, em tempos de abertura comercial intensa e rápida: dos 17% nos anos 70 o NE, hoje, representa cerca de 7% do valor das exportações do país . A maior parte das áreas e das pessoas do Nordeste continua a precisar de políticas ativas e diferenciadas.
Se os Governadores não escaparem da armadilha atual, a Campanha eleitoral de 2002 poderá ser o momento para recolocar o verdadeiro debate. Tomara que consigamos , agora ou depois, retomá-Io. E que possamos refundar a SUDENE.

*Tânia Bacelar de Araújo é economista, servidora aposentada da SUDENE, atual Secretária de Planejamento da Prefeitura do Recife e umas das mais brilhantes "cabeças pensantes" que já passaram por esta Autarquia.


A CULTURA DA EMERGÊNCIA

* NORBERTO SCOPEL

A cultura da emergência faz parte de uma significativa parcela dos "intelectólogos" que nos governam. Para eles é bom aparecer na mídia como os salvadores da pátria! E bom ser o herói que no último segundo do filme salva a mocinha, salva a cidade e salva o país.
Faz parte da cultura brasiliense se ser "pego de surpresa". Eles nunca sabem o que se passa no Brasil real, vivem na "ilha da fantasia". Um viaja pelo mundo... Outro vive pendurado nas páginas da internet... Outro, é bom nem falar...
Todos são pegos de surpresa! Surpresos pela própria ignorância! Vivem de costas para o país! Para eles a crise de abastecimento energético que assola o país é de curto prazo. Desde quando problema estruturall é de curto prazo?
Os brasilianistas que hoje capitaneiam o Brasil pouco ou nada sabem de Brasil! Estudaram lá fora, de costas para o país que os financiou. Voltaram deslumbrados com o neoliberalismo, viraram neobobos a serviço dos interesses da grande Roma. E como prepostos de seus mestres acham que abaixo do Equador não há vida inteligente, mas escravos imbecilizados que devem ser explorados a serviço do "welfaire state" novoromano.
Por essas e outras ignoram os Estudos locais, o Planejamento autóctone, a Inteligência nacional. Os iluminados do Planalto extinguiram a Sudene, sem nada pôr no lugar! Isto quer dizer que planejamento e integração nacional não mais, ou talvez nunca, fizeram parte dos assuntos deles.
A Sudene, em 1994 e 1995, fez a assepsia interna, lavou suas entranhas, puniu funcionários desencaminhados. A Sudene puniu os empresários malversadores do dinheiro público. A Sudene tem um sistema de Controle Acompanhamento e Avaliação que funciona (mas eles não sabem!).
A Sudene, que zela pelo Nordeste, em 1996 - há cinco anos - organizou e executou um Seminário voltado para questão energética no Nordeste "na busca de uma solução imediata para o problema que se avizinha". Em 1996 (há cinco anos) foram elaborados cenários energéticos para a Região Nordeste. Em 1996 (há cinco anos) foram analisadas e sugeridas alternativas de solução para a crise energética que se delineava para 2001. Sim, 2001 foi a data fatal estimada para a "crise" de abastecimento. Os dados e os números foram nitidamente expressos. As soluções foram claramente propostas, e eles, no Planalto Central, foram pegos de surpresa! Surpresos pela própria ignorância! Ou seria: a Sudene nunca existiu?!
Neste Seminário de lucidez técnica, de proposições factíveis, de planejamento energético, de leitura do mundo real e concreto em que vivemos, foi dito, e está escrito, que "o mercado assegurado de energia elétrica" se esvairá em 2000, que "a partir de 2001 teremos graves problemas de abastecimento" (e eles foram pegos de surpresa!).
Dentre as alternativas propostas estão os investimento em termelétricas a gás natural, em pequenos aproveitamentos hidráulicos ainda possíveis, em interligação dos Sistemas Norte/ Nordeste, em aproveitamentos da Biomassa, etc... (e eles foram pegos de surpresa!) "Desculpa de amarelo é comer terra! ".
Neste Seminário estavam representados, com técnicos peso pesado da área e do alto escalão, além da Sudene, a Chesf, o Dnaee (hoje Aneel), o BNDES, a Sepre (hoje Ministério da Integração Nacional), a Aedenne, a Abrace, a Petrobrás, as Distribuidoras Estaduais, Consultores Privados, e muitos outros técnicos envolvidos no assunto energia.
E eles foram pegos de surpresa!! Cinco anos antes da crise, a bola já havia sido cantada em verso, prosa e números. Pena que foi no Nordeste, na Sudene! E eles continuam a não nos ouvir! Até quando?

* Norberto Scopel é economista da extinta Sudene e professor universitário - Publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio, de 14-06-2001.



POR UMA SUDENE RENOVADA

*PEDRO EUGÊNIO

Caros Amigos e Amigas que participam do Seminário sobre a SUDENE Infelizmente não posso estar hoje com vocês. Estou em São Paulo participando do II Seminário Nacional "A Empresa de Serviços e o SIMPLES" na condição de membro do Núcleo Parlamentar de Estudos Contábeis e Tributários do Congresso Nacional, co-promotor do evento junto com a FENACON - Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis, de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas. Deste compromisso anterior não pude fugir.
Agora, cabe a todos nós, tomar uma posição objetiva, prática e capaz de aglutinar amplas forças políticas e sociais em seu apoio. Já que há uma Medida Provisória em vigor e duas ações diretas de inconstitucionalidade impetradas, cabe, a meu juízo, elaborarmos um projeto de conversão que nasça das forças vivas da sociedade nordestina e que represente a renovação da SUDENE; não a sua extinção. Que garanta a si o papel central na definição da estratégia de desenvolvimento regional. Que garanta a permanência da política de incentivos fiscais para o desenvolvimento de setores industriais e de serviços para além do arbitrário ano de 2013, e durando até quando existirem as profundas desigualdades que nos separam do centro dinâmico da economia brasileira. Que garanta serem estas políticas associadas a outras, sob o comando da SUDENE e que sejam consideradas estratégicas para nosso desenvolvimento, como as voltadas para a infra-estrutura econômica e social e para o desenvolvimento da pequena produção e do emprego, como os financiamentos do FNE e os recursos do PROGER/FAT, hoje segredados no BNB e no BB, sem controle social. Que garanta um fluxo de recursos permanente e consistente com o objetivo de superação das desigualdades e não as migalhas propostas na MP. Que estabeleça mecanismos de transparência e fiscalização com participação social nos processos de aprovação e implantação de projetos, impedindo o desvio de recursos ou a aprovação de projetos não prioritários. Que amplie e democratize o Conselho Deliberativo.
Estas tarefas só lograrão efeito se a voz que se levantar do Nordeste não seja a voz isolada de servidores, políticos ou empresários, mas a voz de um Nordeste unido politicamente, em torno de um novo modelo de política de desenvolvimento que sirva não apenas para o Nordeste, mas possa servir de parâmetro para todos os rincões do Brasil onde exista a marca cruel da desigualdade e da miséria. Assim poderemos ter o apoio das bancadas de outras regiões, que verão em nossa proposta não um enclave a ser combatido, mas um exemplo a ser apoiado e seguido.
Derrotar a MP seria outra alternativa, porém mais difícil, pois que manteria todas as mazelas que existem e que precisam ser corrigidas. Passaria a idéia que queremos conservar tudo como está. E isto não queremos. Quem se guia pelo ideal de Celso Furtado quer, sempre, transformar, adequar aos novos tempos a antiga SUDENE, mantê-la viva pela renovação de seus métodos e pela atualização de seus objetivos. Mas NUNCA destruí-la. NUNCA fazer crer que ela é marcada pela corrupção generalizada que atingiu a SUDAM, facilitando a tarefa de seus coveiros. NUNCA extinguindo-a, como se seu nome fosse uma mancha. O nome SUDENE é uma marca de luta, de capacidade de união política de nosso povo nordestino em torno de um projeto de desenvolvimento socialmente justo. Para ser fiel a esta marca histórica é mister sermos capazes de estabelecer esta unidade de propósitos, única forma de podermos restabelecer a SUDENE, seu nome sim, mas fundamentalmente seu sentido transformador e progressista. Esta é a nossa luta e o nosso desafio. Contem comigo nesta tarefa.

Abraços,

*Pedro Eugênio
Deputado Federal - PPS/PE
Recife, 14 de maio de 2001



A CRISE DA SUDENE

* TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO

Há mais de 40 anos, ao ser criada, a Sudene surgiu no Nordeste como um raio de esperança. O Brasil dinâmico e em modernização intensa dos tempos de JK aprofundava o hiato entre o Centro-Sul e o Nordeste, Celso Furtado conseguiu sistematizar as denúncias que as forças vivas da sociedade nordestina (ligas camponesas, sindicatos, igrejas, governadores, estudantes, industriais, entre outros) expressavam nas ruas, em seminários e debates.
Era preciso mudar a forma e o conteúdo da ação do Governo Federal na região. A Sudene foi concebida para isso. E ganha renome internacional. Sua proposta era reformista e transformadora. Ousada e inovadora. E a Sudene fez muito pelo Nordeste, mesmo tendo visto esmaecer sua força inicial e serem bloqueadas suas propostas principais, ao longo dos Governos Militares.
Investiu na infra-estrutura de transportes e energia, fez estudos que basearam os avanços feitos depois nos pólos de irrigação, apostou firme na formação de recursos humanos e em especial na qualificação de jovens universitários. Montou estruturas de planejamento nos Estados e órgãos de apoio como o Sistema Ceasa, os NAIs (origem do Sistema Sebrae), entre outros.
Começou a ocupação das terras úmidas e férteis do Maranhão. Descobriu e sistematizou o potencial de recursos naturais do Nordeste, até então desconhecido. Mas foi sendo pouco a pouco esvaziada. Na revisão constitucional feita pelo regime militar, por exemplo, foram tirados seus recursos vinculados e com isso se esvaziou a força coordenadora dos seus Planos Diretores.
A redemocratização, quando chegou, coincidiu com a crise financeira do Estado brasileiro, com a desaceleração do crescimento econômico do país, com a submissão a políticas ditadas pelo FMI. Coincidiu, também, com o avanço da guerra fiscal entre as unidades da Federação, semeando a competição fratricida. Esse quadro adverso coincidiu também com a crescente predominância da acumulação rentista onde o que sobra aos aplicadores, falta na saúde, na educação, na reforma agrária no país inteiro. Mas sem isso o Nordeste não muda. Restou à Sudene basicamente o sistema de incentivos (que mobiliza modestos R$ 400 milhões/ano no Finor, está com data marcada para acabar em 2013 e agora novamente sujeito a uma CPI, misturado no mar de corrução que se espraia Brasil a fora).
A verdade é que, nos anos recentes, da Sudene proposta para transformar a realidade social e econômica do Nordeste pouco já havia restado. Na região há ilhas de crescimento e de modernização, mas em torno delas a miséria continua.
Qualquer estudo sobre o Brasil denuncia que precisamos voltar a ousar, que precisamos ter uma política nacional de desenvolvimento regional. Mas no Brasil dos tempos atuais, os bilhões que se destinam a pagar as despesas financeiras do Governo faltam às políticas regionais ativas, voltadas para reduzir as desigualdades que permanecem. Infelizmente, o Governo FHC não tem políticas regionais, por isso não consegue redefinir o papel da Sudene. Só tem a propor mudanças acessórias, como a transformação da Sudene de Autarquia para Agência Executiva.
O debate recente sobre a Medida Provisória gestada pelo Ministério da Integração é de chorar! Não há transparência nem clareza de objetivos. Não se discute o Nordeste nem a Sudene. Discute-se um pequeno Fundo (de 0,23% do PIB regional) que não tem o menor poder transformador, sequer do setor produtivo da região, quanto mais da vida de milhões de nordestinos. E discute-se, apenas, "o que restou" da Sudene. Daí o desinteresse da maioria.
Os governadores, emergindo de anos de uma guerra fiscal fratricida, haviam perdido o "sentimento regional". Chamados às pressas não se deram conta da armadilha que os aguardava: aceitaram discutir a Medida Provisória. Em meio à desinformação buscam ampliar o Fundo que substituirá o Finor - um Fundo mais vulnerável que o atual, porque orçamentário, em tempos de ajuste fiscal.
Mas a realidade impulsionará cedo ou tarde a retomada do verdadeiro tema: o desafio de construir um Nordeste menos desigual, num país que clama por políticas regionais ativas como as que existem hoje, em muitos países e até em grandes blocos, como a União Européia.
Logo se voltará a ver que, nos tempos atuais, a renda média do Nordeste ainda é 55% da brasileira. A região tem quase 30% da população e gera apenas 16% do PIB nacional. Sua infra-estrutura econômica requer ainda investimentos de peso para assegurar competitividade às suas empresas. O peso do Nordeste nas exportações brasileiras vem declinando a olhos vistos, em tempos de abertura comercial intensa e rápida: dos 17% nos anos 70 o NE, hoje, representa cerca de 7% do valor das exportações do país. A maior parte das áreas e das pessoas do Nordeste continua a precisar de políticas ativas e diferenciadas.
Se os governadores não escaparem da armadilha atual, a Campanha eleitoral de 2002 poderá ser o momento para recolocar o verdadeiro debate.
Tomara que consigamos, agora ou depois, retomá-lo. E que possamos refundar a Sudene.

*Tânia Bacelar de Araújo é economista, servidora aposentada da Sudene e atual Secretária de Planejamento da Prefeitura do Recife - Publicado no Jornal do Commercio de 16-05-2001.


DE LUTO

*MARIA DO CARMO BARRETO CAMPELLO DE MELO

A extinção da Sudene, por uma medida provisória, é um duro golpe para o Nordeste já tão desamparado pelo governo central, ao longo dos tempos. Se junto, os estados por ela beneficiados lutavam para conseguir o que sobrava dos mais aquinhoados, imagine-se agora, com a sua extinção. Mas, dos que para isso contribuíram, a história saberá guardar os nomes.
O mais estranho é que se apresenta o fato, não como transformação ou reestruturação de um órgão, mas é tratado como uma punição: "Crime e Castigo". E castigo exemplar: pena de morte.
Para os que sonharam com uma Sudene forte, que tantos beneficies trouxe, através de projetos redentores que melhoraram a situação de comunidades sofredoras e desamparadas, projetos que, lamentavelmente, são ignorados neste momento - quando a Sudene é apresentada como uma instituição corrupta, desperdiçadora do dinheiro público e vergonha nacional - para aqueles e para os que viveram, sim, para os que passaram suas vidas naquela instituição exemplar, da qual nos orgulhamos, para nós sudeneanos, que assistimos a luta diária para a redenção do Nordeste, é como se assistíssemos ao assassinato de um ente querido, após ser desmoralizado publicamente, como objeto de escárnio.
Fala-se agora em roubo, quando se fala da Sudene. Ela foi roubada, e isto sim, por certas empresas inescrupulosas, certos indivíduos sem ética ou moral - e eles estão em toda a parte e não somente na Sudene.
Falhas há, erros houve, mas dá-se a impressão, em furos, jornalísticos ou detetivescos, que somente agora as comissões da CPI descobriram esses deslizes, até então ignorados. Mas, procurem-se os processos. Eles lá estão, investiguem-se os documentos, e se verá - a bem da verdade - que os técnicos dignos deste nome da autarquia, já há muito, antes dessas comissões, tinham denunciado os erros, as providências haviam sido adotadas, os culpados punidos, e muitas empresas, exemplarmente execradas, constando de listas que as impediam até de conseguir qualquer tipo de financiamento.
Não se misture, então, o caso da Sudene com o caso da Sudam, pois a situação é totalmente diferente. E não se extingue um órgão porque ele apresenta deficiências. O INSS foi extinto com o escândalo que o abalou? E o Banco Central?
E para dar um ar de honorabilidade ao que virá, acrescenta-se que, de agora por diante, governadores, representantes dos ministérios envolvidos e de diversas instituições estarão reunidos, num conselho deliberativo, onde só serão analisados os projetos que apresentarem viabilidade técnica. Ora, o grande público, que sempre superlotou as reuniões mensais da Sudene, sabe muito bem que tudo isso ora apregoado, sempre existiu na autarquia. Salvo corajosas manifestações que ainda ocorreram, as vozes emudeceram, a ponto de na mídia impressa se chegar a dizer que a "Sudene morre sem um pio". Quem cala consente.
Sei a medida do meu tamanho e a minha falta de importância, em meio a tantas importâncias, mas não quero que a Sudene morra junto ao meu silêncio. Por isso, não me calo. E estou de luto.

*Maria do Carmo Barreto Campello de Melo é da Academia Pernambucana de Letras e servidora aposentada da SUDENE - Publicado na página de opinião do Jornal do Commercio de 08/05/2001.


A GUERRA ACABOU

*POR CLEMENTE ROSAS

La guerre est finie - este é o título do filme de Alain Resnais, com roteiro de Jorge Senprún, sobre o trabalho clandestino dos militantes de esquerda na Espanha franquista, findas a Guerra Civil e a Segunda Guerra Mundial. O relato de uma luta obstinada, sem resultado aparente, sem perspectiva próxima, expressão apenas do inconformismo de derrotados que recusavam admitir-se como tais.
Lembro a obra de Senprún - ou Frederico Sánchez, seu nome partidário - ao requerer minha aposentadoria do serviço público, com a extinção da Sudene. Aqui cumpre-nos lidar também com uma derrota, ao fim de uma longa e desgastante batalha. E preparar-nos, sem ilusões, para o período de sombra que temos pela frente. Pois para a minha geração, a Sudene foi sempre, desde o início, uma fonte de luz, um farol norteador que ora se apaga.
Posso afirmar que minha vida, desde os tempos de Universidade, girou em torno desse organismo regional. Meu ingresso no Movimento Estudantil se deu em 1961, no Seminário de Estudos do Nordeste, promovido pela UNE no Recife, ouvindo conferências de técnicos da Sudene, como Mário Magalhães e Jáder de Andrade. Ali conheci Nailton Santos, que seria o meu recrutador para os quadros da organização, dois anos depois. Afastado pelo movimento militar de 1964, trabalhei a princípio na Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste, uma agência privada, concebida para divulgar os incentivos fiscais, atrair investimentos e promover a atividade industrial na região. Depois como consultor, elaborando projetos, e em seguida como executivo de uma das empresas implantadas com o apoio da autarquia.
De volta ao serviço público, em 1979, atuei em funções de planejamento nos Governos de Marco Maciel, José Ramos e Roberto Magalhães, tendo como um dos principais encargos o assessoramento desses governadores junto ao Conselho Deliberativo da Sudene, até o meu reingresso nos seus quadros, com a Anistia, em 1986. Depois disso, ainda estive, com missão semelhante, à disposição do Estado de Pernambuco, entre 1988 e 1991, servindo às administrações de Miguel Arraes e do seu sucessor, quando sofri a minha segunda cassação: a disponibilidade arbitrária determinada pelo presidente Fernando Collor, e logo desfeita, com a reação energética do Governador Carlos Wilson.
Nos últimos oito anos, por convite inicial do meu conterrâneo Cássio Cunha Lima, exerci as funções de Procurador-Geral da autarquia, tendo como tarefa mais importante a defesa, na trincheira judicial, do processo de moralização do sistema de incentivos fiscais conduzido pelo General Nilton Moreira Rodrigues.
Ao longo de todo esse caminho, acompanhei, com olhar a um só tempo comovido e crítico, os êxitos e os percalços da instituição que balizou a minha vida. Em cerca de vinte artigos (que pretendo reunir em livro), tenho sistematizado as minhas reflexões, como agora faço, em despedida.
Foi uma longa guerra de desgaste, onde o idealismo dos que resistiram foi confrontado com forças poderosas, resultando, aos poucos, na mutilação do belo projeto original. O centralismo autoritário e esquemático dos governos militares, a esbórnia da Nova República, a visão mesquinhamente partidária, o rateio de cargos, o assistencialismo, a pressão pelo favorecimento imerecido. Tudo sempre imposto de cima, com a resistência desesperada do corpo técnico da casa. Chega a surpreender que, afinal, se tenha realizado tanto pelo Nordeste, diante de tão opressivos condicionamentos.
Nos últimos anos, a investida final: o imediatismo de empresários ávidos pela anistia de débitos, a visão rasteira de um ministro desintegrador, as artimanhas de um senador interessado em afastar de si o foco do escândalo, o rancor e o vedetismo de um deputado sem escrúpulos, o preconceito antinordestino da mídia sulista, a tibieza dos governadores da região, a precipitação de um presidente ansioso por recuperar, a qualquer preço, a imagem desgastada do seu Governo. E o desfecho inesperado e traiçoeiro.
Como os samurais, que não aceitavam sobreviver à dissolução da sua Casa Nobre, não posso ficar, quando já não tenho a quem servir. Pois não acredito na alternativa bisonha que nos é oferecida. Nem na sua concepção, nem nas condições políticas e materiais para o seu impulsionamento, nem na sobriedade de sua gestão. Aqueles de boa-fé que nela se lançarem, logo estarão desencantados.
Não quero, porém, deixar para os velhos guerreiros, de dentro e de fora da casa, uma impressão de desestímulo. Dolores Ibárruri, "La Pasionaria", esperou quase quarenta anos para poder pisar de novo o solo livre da Espanha, e nele encontrar o seu repouso. Por certo não aguardaremos tanto para retomar a nossa "fantasia organizada". Como os militantes espanhóis, cumpre-nos perseverar.
Mas, por ora, forçoso é encarar a realidade. A guerra acabou.

*Clemente Rosas é servidor da extinta Sudene - Publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio de 06-06-2001.



O FIM DA SUDENE

*JOÃO RECENA

Nordeste tem 30% da população do Brasil e apenas 20% do PIB. O PIB per capita nordestino é a metade do PIB per capita dos estados mais desenvolvidos. O Nordeste continua sendo a região do Brasil com os piores índices de mortalidade infantil e analfabetismo. Em termos estatísticos, a situação sócio-econômica do Nordeste é bem pior do que a do Norte. Em poucas palavras, a situação do Nordeste continua a ser uma das principais manchas do processo de desenvolvimento do Brasil, país que já pode ser considerado uma potência econômica mundial.
Nos últimos 40 anos, o Nordeste conseguiu diminuir a distância que o separa do resto do Brasil. Se formos levar em consideração as previsões feitas à época pelo GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste), a situação melhorou bastante ou, na pior das hipóteses, deixou de piorar no ritmo acelerado em que tal vinha acontecendo.
A Sudene, a Chesf e o Banco do Nordeste, três iniciativas mais ou menos da mesma época, mudaram a face da região. O Nordeste passou a se conhecer e a experimentar novas soluções. Foi a Sudene que levantou os dados sobre a região e introduziu novidades como a irrigação.
Há 40 anos, o Nordeste era reconhecido como questão crítica nacional. Juscelino se viu na obrigação de fazer alguma coisa e, assim, criou a Sudene. Hoje, o governo federal teima em não aceitar que as disparidades regionais constituam uma questão a ser tratada especificamente, ao contrário, por exemplo, do que acontece na Europa, que vem investindo bilhões de dólares no desenvolvimento de suas regiões mais pobres. O maior indicador disso é a recuperação da Alemanha Oriental pelos próprios alemães.
A ideologia que dirige a ação econômica do governo federal não admite políticas de desenvolvimento. A economia é tratada como uma questão financeira. O que importa são as metas inflacionárias. O resto é decorrência. José Serra, em 1995, já então ministro do Planejamento de FHC, disse, na Sudene, que o governo iria desregionalizar o planejamento. Passados seis anos, o resultado está aí.
O governo federal sabe que sua situação é confortável. A opinião pública, a imprensa e os políticos do Sul não querem nem ouvir falar em apoio ao desenvolvimento regional. E as CPIs só lhes dão razão. Pior ainda, o próprio Nordeste não sabe o que quer e observa, estático, a desorientação federal.
A questão não é bem se um órgão vai ser extinto ou substituído por outro. O importante é saber o que o primeiro ou o segundo deveriam fazer, e isso o governo não sabe. Nem a oposição. Saber o que fazer nesse caso não é ter idéias iluminadas num gabinete. É discutir publicamente essas idéias. Na verdade, o que parece é que o próprio Nordeste deixou de existir como idéia aglutinadora. Os governadores se deram as costas. A Bahia e o Ceará acreditaram que, a partir do prestígio político junto ao governo central, poderiam se salvar sozinhos.
E o problema continua aí. Como já foi dito, o Nordeste é, de longe, a região mais sofrida do Brasil. Acometida de insensibilidade nacional, a opinião pública brasileira não quer nem ouvir falar disso. infelizmente, os brasileiros ainda não se convenceram de que, enquanto não se resolver o problema da miséria do Nordeste e a das favelas metropolitanas, falar em uma nação brasileira uma é força de expressão. Todos podem torcer pelo mesmo time, durante a copa. No entanto, quanto mais se conscientizarem da iniquidade, mais difícil será contar com a convergência de esforços para enfrentar problemas maiores, seja, por exemplo, o da segurança interna - violência urbana -, seja o da segurança externa - as negociações da Alca.

* João Recena, engenheiro, foi secretário de Planejamento no governo Arraes - Publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio, 06-05-2001.



A VERDADE E SEUS CONTRÁRIOS

*CLEMENTE ROSAS

Que é a verdade? Em sua dimensão mais profunda, o conceito intimida. Nem do próprio Cristo, questionado a respeito por Pilatos, temos uma resposta, como se pode conferir no Evangelho de São João.
De forma menos pretensiosa, no entanto, e no marco da pura lógica formal, podemos defini-la. Recordo o manual de filosofia do meu curso secundário (sim senhores, sou desse tempo!): a verdade é simplesmente a conformidade do conhecimento com a coisa conhecida. Seu contrário é o erro, ou o equívoco, para usar uma expressão mais delicada.
E onde situar a mentira? Esta é a opção intencional pelo erro, a recusa consciente e deliberada da verdade. Algo de muito mais grave e condenável.
Estas reflexões vêem a propósito das copiosas declarações do deputado José Pimentel aos jornais e à televisão sobre as "conclusões" da CPI do Finor. "Rombo" de R$ 2,2 bilhões, omissão da Sudene, liberações acima dos valores autorizados para os projetos beneficiários de incentivos são algumas delas. Seu impacto tem feito esquecer que o deputado não é o relator da CPI, embora tenha sido ungido como tal por alguns periódicos, como também que o relatório ainda não foi fechado, sendo de esperar que se venha a colocar as coisas nos seus devidos termos.
Refutar um membro do parlamento, e ainda por cima integrante de CPI, é luta desigual para simples servidores do Executivo. Ele tem imunidades, pode agredir e difamar sem susto. No curso de uma audiência, pode até mandar prender, alegando desrespeito à sua autoridade. E quanto a nós? Podemos apenas prestar esclarecimentos, remeter informações para serem majestaticamente desconsideradas.
Foi o que fizemos, penosamente, os servidores da Sudene encarregados de atender às exigências da CPI. E o que conseguimos? Cifras de projetos excluídos do sistema Finor consideradas integralmente como desvios. Valores presentes tomados como históricos, para justificar uma "correção" que permitisse colocar-nos à frente da Sudam, no páreo da corrupção. Invertido a capricho o critério, valores correntes (em conjuntura inflacionária) tomados como constantes, para dar azo à balela das liberações de recursos acima dos montantes previstos. E, acima de tudo, o solene desconhecimento do trabalho de depuração e aperfeiçoamento do programa, iniciado pelo general Nilton Rodrigues, há sete anos, e em curso até hoje.
Resta-nos agora, somente, almejar que parlamentares mais conscientes expurguem do relatório as aberrações que constam da sua primeira versão, com base nos dados que já fornecemos, e lá jazem esquecidos. Das recomendações que restarem, muito pouco irá além do que já estamos fazendo.
É certo que o estrago está feito, e é irremediável. Os R$ 2,2 bilhões de desvios apregoados aos quatro ventos certamente contribuíram para a decisão que vem de ser tomada pela Presidência. Mas é importante que, como o título do livro de Leonard Tushnet sobre o levante dos judeus no gueto de Varsóvia, possamos "morrer com honra".
Sinceramente, lamento que o deputado José Pimentel tenha jogado nos ombros do seu partido tão pesada responsabilidade. Tenho grandes amigos no PT. Entre eles, o ex-governador Cristovam Buarque, meu colega de Mestrado de Economia, e o secretário de Relações Internacionais, Marco Aurélio Garcia, companheiro de diretoria da UNE. Sem falar em conhecidos mais recentes, como Humberto Costa, Fernando Ferro e Paulo Rubem Santiago, que fez um belo discurso na recente reunião da Assembléia Legislativa, em defesa da Sudene. Duvido que eles avalizem a atitude do seu correligionário.
Sobre o tema versado no exórdio, nada tenho a acrescentar, nada devo concluir. As ilações cabem aos leitores.

*Clemente Rosas é servidor da extinta Sudene - Publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio de 08/05/2001.


*RÉQUIEM PARA A SUDENE

Roberto Cavalcanti de Albuquerque
ENSAÍSTA

Relevou-se há poucos dias, em Brasília, em inusitado ato do Estado-espetáculo, a extinção da Sudene e de sua irmã, a Sudam, sepultadas na mesma cova rasa e sob o anúncio de que continuariam exalando entranhadas podridões. As duas entidades podem ter adquirido graves vícios, cometido imperdoáveis pecados. Seria porém injusto negar-lhes as virtudes, descreditar-lhes os acertos.
Em junho de 2000, reuniram-se no Seminário Internacional Celso Furtado, a Sudene e o Futuro do Nordeste renomados especialistas em desenvolvimento, brasileiros e estrangeiros. Comemoravam-se os 40 anos da Sudene, presente o fundador Furtado, homenageado por seus 80 anos. Naquela como em outras oportunidades, avaliação do evoluir econômico-social do Nordeste nas últimas décadas concluiu que, graças especialmente à Sudene, a região crescera mais do que o Brasil, industrializara-se aceleradamente, avançara no social, chegando a reduzir pela metade a incidência de pobreza. Reconheceu-se, é certo, que persistiam as disparidades espaciais e sociais de renda, as vulnerabilidades do semi-árido, as insuficiências de capital humano. Desafios poderiam ser enfrentados pelo Nordeste com o impulso de uma Sudene retemperada tecnicamente, revigorada politicamente a partir de novo pacto federativo regional. Uma Sudene aparelhada de estratégia de desenvolvimento capaz de viabilizar inserção competitiva dinâmica do Nordeste no País e na economia global; dotada de novos instrumentos de atração de investimentos, promoção de exportações, formação de recursos humanos, criação de empregos, redução das desigualdades, transformação do semi-árido.
Aos 40 anos, a Sudene, mesmo esvaziada, resistia, embora ameaçada. Sucumbiu agora, estigmatizada de antro de corrupção ante fortes suspeitas de irregularidades no Finor, nebulosas ainda, e sem autores identificados. Arrastada por fatos semelhantes constatados na Sudam, e melhor comprovados.
Pelo que se pode depreender da Medida Provisória que a criou, a agência de desenvolvimento no Nordeste, Adene, é um símile, embora acanhado, da velha Sudene. Como ela, é uma autarquia vinculada ao Ministério de Integração Nacional, com as mesmas antigas competências. É gestora do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, que substitui e incorpora o que restar do Finor. Mas perde a força política de seu Conselho Deliberativo, renomeado Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste, que passa a ser órgão do Ministério da Integração Nacional. (Com quais membros? Sediado em Brasília?).
Se sobrou coragem para extinguir a Sudene, terá faltado inspiração para pôr em seu lugar agência de desenvolvimento inovadora, compatível às grandes transformações por que passam as economias e sociedades regional, nacional e mundial. E sensibilidade para adequá-la às peculiaridades regionais: a Adene é gêmea univitelina da Ada, sua contraparte para a Amazônia, simetria institucional que desconsidera as grandes diferenças entre um Nordeste seco e densamente povoado e um Norte úmido e demograficamente ralo.

*Publicado na página de opinião do Diário de Pernambuco, de 17/05/2001.


A SUDENE, JK E FHC

*MIGUEL ARRAES

A cerimônia de assinatura da medida provisória que extingue a Sudene teve inesperado destaque, dado pelo presidente Fernando Henrique no seu discurso. Disse ele: "O ato que vamos firmar neste momento tem um significado histórico, porque vamos modificar sensivelmente o modo de funcionamento da Sudam e da Sudene".
Isso deveria significar um aumento das atribuições da Adene, o novo órgão, tanto quanto dos recursos destinados ao desenvolvimento do Nordeste. No entanto, é exatamente o contrário o que consta da medida provisória: uma agência de desenvolvimento encarregada de examinar projetos isolados com recursos limitados.
Com muita razão, os funcionários, na sua nota de protesto, dizem que "a Sudene, como órgão de desenvolvimento regional, teve uma atuação bem mais abrangente que o Finor". Na verdade, este é mero apêndice das amplas atribuições do órgão encarregado da coordenação das ações estratégicas fundamentais para a Região, secularmente postas de lado.
Por outro lado, os recursos prometidos são irrisórios, destinados a projetos privados, sem qualquer ligação com os problemas gerais cuja solução interessa a todos os Estados.
A Sudene procurou equacionar tais problemas, realizando estudos e iniciando ações destinadas a resolver as questões da energia, da água, dos transportes, do abastecimento e outras.
Aceitar a medida provisória e relegar essas questões é entender que tudo se resolverá com a montagem de algumas poucas indústrias. Além disso, esse já é o papel do BNB e também do BNDES, que se encontram aparelhados para esse tipo de tarefa, com mais recursos do que essa agência cuja criação serve apenas de desculpa para a extinção de um órgão com finalidades bem mais amplas e diferentes das que cabem às instituições de caráter financeiro.
Os recursos prometidos, R$ 462 milhões em 2001 e R$ 660 milhões em 2002, destinar-se-ão: - convém lembrar - a nove Estados, a parte do Espírito Santo e de Minas Gerais, a 10 Estados, para facilitar a conta. Se repartidos igualmente, caberia a cada um R$ 46 milhões, o que nada significa no mar de necessidades que se tem.
A ênfase dada ao ato pelo Presidente não passa da tentativa de encobrir as graves falhas do seu Governo, maiores do que as de todos os demais. No começo de sua administração, para paralisar a discussão em tomo do Rio São Francisco, criou uma comissão, dessas consideradas de "alto nível", que apenas abafou a questão.
A não ser algum dinheiro para Suape, porto que servirá não só a Pernambuco, mas, a toda a Região e ao país, nada foi feito no Nordeste, a não ser a distribuição de minguadas cestas básicas e bolsas escolares. Vamos entrar em racionamento de energia menos pela secagem das barragens do que pela incúria na construção de novas geradoras. As rodovias, ferrovias e a hidrovia de São Francisco estão abandonadas há muitos anos, e as poucas obras, como o pequeno trecho da BR-101 (Prazeres/Cabo) arrasta-se no tempo, correndo o risco de conquistar o título de mais demorada que irá somar ao de mais cara por quilômetro em todo o País.
A capacitação da população é insuficiente, as pesquisas estão paralisadas, as Universidades Públicas sem recursos. Numa região que tem questões decorrentes de sua especificidade, o Nordeste precisa de estudos específicos para muitos dos seus problemas.
Em Pernambuco, a duplicação da BR-232, que sequer vinha sendo reparada pelo Governo Federal, consumirá o correspondente a quase metade dos recursos destinados ao novo fundo ou vários anos da parcela do Estado. Sem entrar na discussão da conveniência e oportunidade dessa duplicação, forçoso é reconhecer que assumir responsabilidades da União em meio a todo esse descaso com o Nordeste ultrapassa os limites da tolerância, sobretudo ando os responsáveis por essa política são cobertos de aplausos pela ação "modernizadora" de liquidação da Sudene.
Essa justificativa está na boca de muita gente que segue FHC quando, diz que "assistimos aos extertores do Brasil arcaico", ao mesmo tempo em que invoca Celso Furtado e diz que pretende ser fiel às origens da Sudene.
Nada mais distante da Sudene que a nova Agência. A história da Sudene está enraizada no movimento social, em lei amplamente discutida, fruto de vários anos de trabalho de um grupo de estudiosos, enquanto a Adene nasce de uma medida provisória de duvidosa constitucionalidade.
A política que predominava no País objetivava o desenvolvimento das forças produtivas, enquanto a de FHC trata de acomodar os interesses do sistema financeiro, promovendo medidas de toda ordem destinada ao pagamento dos juros exorbitantes pagos pelos brasileiros.
O Governo de JK tinha características opostas ao de FHC. Foi uma resposta ao golpe que levou Getúlio ao suicídio, num grande esforço a preservar a democracia e implantar aspectos do desenvolvimento pelos quais vinha lutando desde 1930 e mais claramente após a segunda guerra mundial.
Mas as ações do Governo vinham acelerando o crescimento do Centro-Sul com a implantação da indústria automobilística e a construção de Brasília. O Nordeste, ainda objeto de estudos, enviava mão-de-obra para os serviços pesados na construção da nova capital.
Embora apoiassem Juscelino, as correntes de esquerda em Pernambuco promoveram ampla articulação contra o agravamento da desigualdade regional, convocando correntes políticas e setores sociais os mais diversos, em torno de questão que interessa a todos: a inserção equilibrada da Região no desenvolvimento nacional. A opinião pública forçou uma crescente convergência em tomo desse posicionamento, com repercussões políticas e eleitorais que ajudaram a derrota do PSD, o partido de JK.
A Sudene surge dessas circunstâncias, voltada para a solução das questões gerais da Região, acima das conveniências de cada Estado, dos interesses de partidos ou grupos. Essa orientação só poderia ser levada adiante por pessoas de comprovada competência mas também com a compreensão política necessária para fazer prevalecer o interesse público, solução das necessidades fundamentais da Região.
Foi essa a tarefa dada por JK a Celso Furtado e à equipe por ele escolhida. No seu desempenho ele se colocou não apenas como o grande economista que continua a ser, mas como uma das grandes figuras políticas do Nordeste.
Dessa forma, é fora de propósito, para não usar expressão mais incisiva, que FHC externe a pretensão de ser fiel às origens da Sudene. Ninguém pode acreditar nesse suposto propósito, pois destoa da política do Governo em nível nacional, do indiscutível abandono a que o Nordeste foi relegado, da ideologia que comanda o Governo, de suas posições declaradamente antifederativas, consubstanciadas nos recursos retirados dos Estados e Municípios através de sucessivas emendas aos princípios básicos da Constituição.
Diante disso, o combate à medida provisória poderá preservar o que resta do espírito da Sudene. Seu restabelecimento, porém, exige a mobilização da população contra a política do grupo do poder e a reversão dos seus objetivos. A solução das disparidades regionais só será conseguida dentro de um processo de integração nacional, através de ações sistemáticas que assegurem novo desenvolvimento de forma harmoniosa e justa.
Isso importa em desenvolver uma mobilização regional com espírito de unidade nacional. A ação de Celso Furtado caracterizou-se pelo esforço no sentido de fazer da Sudene um elo de ligação do Nordeste com a União. Levantando as questões comuns que possibilitavam a convergência de todos, em torno delas, reduziu as disputas entre Estados e entre facções políticas, dando ao conjunto força suficiente para cobrar soluções para questões até hoje não resolvidas.
Precisamos retomar esse caminho, abandonado em meio a ridículas pretensões de hegemonia, a ser exercida à vista da nossa crescente pobreza. Precisamos de unidade em tomo das grandes questões nacionais e da região, a despeito de nossas muitas divergências.

*Miguel Arraes é ex-governador de Pernambuco - Publicado na página Oinião do Jornal do Commercio, de 20-05-2001.


SUDENE E SENADO

*CRISTOVAM BUARQUE

A elite brasileira se apropria das instituições, desvia recursos para si, tira todos os benefícios para si. Depois, quando se descobrem os rombos criados, no lugar de reformá-las, extingue-as. A Sudene e a Sudam são exemplos disso.
A Sudene é uma das maiores criações intelectuais e políticas da História brasileira, fruto da força democrática de Juscelino e da imaginação competente de Celso Furtado. Graças a Juscelino, foi tomada a primeira decisão concreta de agir na correção da profunda desigualdade regional existente no País.
Quando a idéia de desenvolvimento regional ainda estava nascendo em outras partes, foi Celso Furtado quem imaginou a criativa estratégia do planejamento regional e dos incentivos fiscais para resolver o secular problema da desigualdade entre as regiões, por meio da Sudene. Foi uma solução política e tecnicamente brasileira.
Na forma concebida por Celso Furtado, o Governo usaria o novo órgão como elemento de planejamento e de administração dos recursos públicos, na busca de promover o desenvolvimento, financiando projetos que induziriam o crescimento econômico e corrigiriam a desigualdade.
Logo no início, para aprová-la, a elite se apropriou da idéia. Depois de uma forte resistência à criação da Sudene, os parlamentares obrigaram o Governo a aceitar que recursos públicos ficassem nas mãos dos próprios contribuintes na forma de incentivos fiscais. No lugar de usar a arrecadação tributária para aplicá-la nos melhores projetos identificados pela Sudene, o Governo teve que se submeter à solução de fazer um sacrifício fiscal, passando parte de sua receita para o contribuinte, que escolheria o projeto que mais lhe interessasse.
Estava aberta a porta para a corrupção escancarada, a partir de 1964. Os empresários contribuintes, sem acreditar em empreendimentos no Nordeste, passaram a cobrar altas comissões para investir os recursos que a lei lhes concedeu, sob a forma de incentivos fiscais.
Sem preocupação com o desenvolvimento regional, com a rentabilidade do próprio capital recebido e com o fim da desigualdade, eles se interessaram apenas em recuperar o imposto que pagariam.
E muitos investidores locais, no Nordeste e no Norte, sem qualquer preocupação com a região, viram nos projetos apenas uma forma de apropriar-se dos recursos públicos.
Quarenta anos depois, bilhões de reais foram investidos criando um impulso econômico muito aquém dos gastos, e resultados sociais insignificativos na luta contra a pobreza. O Nordeste continuou pobre, apesar dos investimentos e mesmo dos bons resultados econômicos. Enquanto Sudene e Sudam serviam para transferir discretamente dinheiro para alguns aproveitadores, a elite pouco fazia, mesmo sabendo que os resultados sociais eram insignificantes.
Durante todo esse tempo, os governos não se preocuparam com o fato de que a pobreza não diminuía no Nordeste. Escondiam-se os furos por onde vazava dinheiro e ignorava-se a ineficácia dos recursos investidos na luta contra a pobreza.
Durante todo esse tempo, a região enfrentou a corrupção no comportamento dos que roubavam sem usar o dinheiro para investimentos. Conviveu, também, com a corrupção nas prioridades de investimentos, que não traziam retornos sociais.
Quando, tardiamente, já não se consegue encobrir a corrupção, a elite que roubou ao longo de todo esse tempo, no lugar de reformar as instituições e submetê-las à ética no comportamento e nas prioridades, prefere extingui-las. Inventa outros mecanismos que provavelmente terão os mesmos defeitos - dá-lhes apenas um novo nome.
Se os incentivos fiscais apropriados pelos empresários são em parte desviados e os investimentos não geram retornos sociais, nem diminuem a tragédia da pobreza, o certo seria manter os recursos nas mãos do Governo e investir diretamente em projetos sociais.
Com os recursos gastos em fábricas que não geram emprego e agricultura que não produz alimentos para o mercado interno, o Governo deveria investir em programas sociais, como Bolsa-Escola, salários para os professores, investimento em água e esgoto e uma radical reforma agrária, acompanhada de obras para irrigação.
Mas não foi esta a opção. Criou-se uma agência. Sem muita explicação, como se fosse apenas para dar satisfação. Como fez com a nova corregedoria, depois que as denúncias ficaram impossíveis de ser ignoradas. Sem finalidade clara, apenas como uma desculpa para iludir a opinião pública. Até nova apropriação, novos roubos e novas extinções, também.
É triste, mas o que aconteceu com a Sudene pode acontecer com o Senado. Durante 21 anos, a ditadura manteve um falso Parlamento. A democracia trouxe de volta o exercício parlamentar. Mas a elite se apropriou dele. E todos ficamos surpreendidos com a corrupção de alguns dos deputados e senadores.
Não deixaram que se fizessem reformas sociais, concentraram seu trabalho em administrar, sem mudar, o Brasil. Agora o País assiste, entre o horror e o deslumbre, ao triste espetáculo da democracia convivendo com a corrupção. Este casamento não pode durar muito mais. E a elite deve estar se preparando.
Como fez com a Sudene, no lugar de corrigir os erros que seus parlamentares cometem, não é impossível que os mesmos corruptos defendam fechar também o senado como forma de enfrentar a corrupção.
Foi assim em 64: em nome da liberdade, mataram as instituições democráticas.
Ninguém imagina que isso pode acontecer de imediato. Mas o Senado pode chegar à Sudene. Seria apenas mais um passo na repetitiva história de uma elite irresponsável, sem solidariedade, inconsequente e mentirosa, muito mentirosa.

*Cristovam Buarque é Professor da UnB e ex-governador do DF - Publicado na página de Opinião do Diário de Pernambuco, de 27-05-2001.


SUDENE: AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO?

*NILTON MOREIRA RODRIGUES

O futuro Ministro da Integração Nacional declarou que a sua meta primeira será transformar a Sudene em Agência de Desenvolvimento Regional. Aliás, o presidente Fernando Henrique quando falou à Nação, justificando a nova estrutura governamental e a escolha de seus ministros, também assim se expressou.
Acredito que está havendo um lamentável equívoco sobre o que seja aquela autarquia e quais as suas atribuições legais e necessárias para o Nordeste e para o país.
Desde a sua, criação, em 1959, a Lei a definiu como agência de desenvolvimento e, como tal, a Sudene vem atuando. Hoje, por circunstâncias diversas, é muito mais uma "agência" do que no passado próximo quando era mais executiva, mais fazedora de coisas. O despreparo dos estados e dos municípios, naquela fase, assim o exigia. A Sudene teve que perfurar poços, analisar águas e rochas, administrar perímetros agrícolas, organizar serviços de águas e esgotos. A lista de ações executivas seria interminável.
Ultimamente, a Sudene voltou-se quase inteiramente para as ações de pouca visibilidade política, tais corno, planos, programas, projetos, estudos, pesquisas, treinamento de pessoal e articulação das ações ordinárias do Governo, contidas no orçamento federal. Somente duas ações têm tido permanência ao longo do tempo: a administração do Finor e as diretrizes e o acompanhamento do FNE, administrado pelo Banco do Nordeste. Estas duas últimas são de amplo conhecimento por envolver recursos originários da dita renúncia fiscal e por várias vezes terem aparecido nas páginas dos escândalos que tanto encantar a mídia, particularmente do centro--sul do país.
É preciso ressaltar que todas as Irregularidades apontadas na operacionalização desses dois instrumentos foram ou estão sendo apuradas e os culpados, devidamente responsabilizados e encarrilhados à Justiça Federal e/ou estadual. Alguns dos acusados estão até sendo penalizados criminalmente. Parece-me ser exemplo único na administração federal!
Por que este desejo ímpar de alguns políticos de transformar a Sudene em Agência de Desenvolvimento? O que será esta agência de diferente da Sudene? Soube por uma pessoa. ligada a Dra. Tânia Bacelar que esta, admirada, ao saber dessa "grande" mudança, havia declarado: "Trabalhei mais de trinta anos naquela casa e pensava que o fazia em uma agência de desenvolvimento. Fui enganada!" Dra. Tânia, trabalhei quatro anos e quatro meses naquela Autarquia e pensava Igual. Também estava enganado!
Ironia à parte, quando o Governo Imaginou realizar uma reforma no Estado e o Dr. Bresser Pereira veio à Sudene expor a filosofia que norteou o seu trabalho, em 1997, coloquei-me à disposição do então Ministério da Administração e Reforma do Estado para que a autarquia tosse transformada em uma agência executiva, conforme constava no plano de trabalho daquele Ministério. A visualizada agência teria flexibilidade e administraria seus recursos segundo metas pré-estabelecidas pelo Governo, e os contratos de gestão seriam a forma para diminuir a burocracia e os Impedimentos gerenciais vigentes.
Agora, o novo Ministério da Integração Nacional quer se organizar, absorvendo os órgãos regionais existentes. O novo ministro deseja ser o executivo que irá administrar, de Brasília, de forma centralizada, as agências Sudene, Sudam, Dnocs, Codevasf e, se possível, os bancos do Nordeste e o da Amazônia. Talvez, essas continuadas mudanças do aparelho do Estado devessem cessar.
Na verdade é preciso modernizar revigorando os órgãos regionais criados em função de desafios específicos e exclusivos do Nordeste. O enraizamento histórico dessas entidades também carrega uma cultura arduamente construída e certamente valiosa para a formulação e implantação de uma política regional autêntica e respaldada numa firme vontade coletiva.
Não será retirando os poucos Instrumentos de ação existentes na Sudene, Dnocs, Codevasf, Chesf, BNB e Fundaj que o Nordeste diminuirá o fosso social e econômico que o separa do Brasil emergente. O revigoramento desses órgãos será uma decorrência de posições governamentais que lhe reafirmem a missão que têm e lhes assegurem os meios efetivos para exercê-la a contento. Não faltam subsídios técnicos para Ir além da retórica dos anúncios oficiais.

* Nilton Moreira Rodrigues é general da reserva e ex-superintendente da Sudene - Publicado no Jornal do Commercio, de 30-07-1999.


TRANSFORMAR SIM, EXTINGUIR NÃO!

*ELIAS SAMPAIO

Em 1993, o Congresso Nacional publicou o documento-síntese dos debates na Comissão Mista que estudou o desequilíbrio econômico inter-regional brasileiro, no ano de 1982. Uma das , passagens do documento que mais me chamou atenção foi a resposta dada pela economista Tânia Bacelar (atual secretária de Planejamento da Prefeitura de Recife) a um interlocutor que insistia na tese de que a Sudene seria um órgão de planejamento. De maneira inteligente e com a presença de espírito que lhe é peculiar, a professora Tânia observou que a Sudene é um órgão de desenvolvimento e não apenas um órgão de planejamento,. Se assim o fosse, prosseguiu ela, se chamaria Suplene e não Sudene. Ou seja, todas as atividades da Superintendência (planejamento, incentivos fiscais, estudos e pesquisas, programa de combate à seca etc) são apenas os instrumentos utilizados para a realização da sua missão institucional: a promoção do desenvolvimento da região Nordeste.
O propósito dessa lembrança tem a ver com o atual momento pelo qual passa a Autarquia. De um lado, denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público e, de outro, a proposta de sua extinção através da imposição de uma medida provisória que procura transformá-la em "agência de desenvolvimento". O que devemos salientar é que ambas as discussões em tomo da questão estão sendo realizadas de forma abrupta, antidemocrática e inconsequente.
Mais do que isso: os termos da MP que cria a Adene estão assentados, por um lado, num conhecimento muito limitado do que é, de fato, a instituição Sudene; quais são seus instrumentos de intervenção e qual o sentido da sua existência nesses últimos 41 anos. E, por outro lado, numa perversa tentativa de alijar, de uma vez por todas, o povo nordestino de uma possibilidade efetiva de buscar o seu desenvolvimento através de suas próprias forças.
Nesse sentido, discutir o que representa a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste nos aspectos econômico, social e político institucional é questão que deve pautar o atual momento de reflexão sobre o futuro da Instituição. Com efeito, a Sudene não é apenas a sua Secretaria Executiva, cuja sede situa-se em Recife e que, por ser atualmente subordinada ao Ministério da Integração Nacional, poderia ser passível de ser extinta ou transformada num um apêndice qualquer do Governo Federal.
A Sudene é muito mais do que isso. É, também, um Conselho Deliberativo constituído por todos os Governadores dos Estados da Região Nordeste, além dos Governadores dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, dentre outras instituições representativas do Governo Federal e da sociedade civil. Na realidade, a Superintendência é o maior arcabouço democrático e político institucional voltado para o desenvolvimento regional que o País já teve. Bem ou mal, ela resistiu à ditadura militar, ao governo Collor e deverá resistir ao processo de modernização conservadora que vem sendo implantado no País desde seu processo de redemocratização.
Discutir mudanças no modelo de desenvolvimento regional não exige apenas uma concepção muita bem elaborada de questões sociais e econômicas, mas, principalmente, das questões políticas que envolvem a compreensão do conceito moderno de desenvolvimento e de quais serão as formas e os conteúdos das decisões e das ações que o poder público, isto é, das políticas públicas, que devem ser implementadas para se chegar a esse desenvolvimento de forma efetiva e equitativa.
Outro aspecto que dever ser salientado: a Sudene não foi o resultado da benevolência do governo brasileiro para solucionar os problemas da Região Nordeste. Muito pelo contrário, A "intervenção planejada" no Nordeste do Brasil (como muito bem definiu Francisco de Oliveira) surgiu como uma forma para atenuar os conflitos de classe, regionalmente localizados. As forças populares do Nordeste e as combalidas forças dominantes locais, à época, estavam num processo que desembocaria na perda de sua hegemonia para as forças populares que, apesar de não possuir as alavancas do poder econômico, caminhavam na direção do controle político e da construção de uma hegemonia cultural e ideológica com importante rebate sobre as instituições.
Assim, torna-se fundamental para o atual debate sobre o futuro da Sudene descobrirmos qual o principal objetivo estratégico subjacente à necessidade de ratificar a desconstrução de todo um arcabouço político-institucional que dá sustentação à existência da Autarquia, ao invés de reestruturá-la tornando-a tão forte como outrora? Com essa indagação, surge o elemento central para uma análise mais aprofundada da questão nos seus aspectos políticos.
Se fizermos uma analogia entre o ambiente sócio-econômico na segunda metade dos anos 50 que deu origem a Sudene com o atual momento em que todo o arcabouço institucional associado à Autarquia está sendo questionado, existe apenas um aspecto que é comum a ambas situações: o breve período estável das instituições democráticas.
É nesse sentido que o debate sobre a Instituição é extremamente importante para o futuro social, econômico e político do Nordeste. Caso o intento do governo federal se concretize, as consequências para os Estados da Região e para o povo nordestino serão irreversíveis. O Nordeste que conhecemos hoje é fruto de um trabalho com um profundo conteúdo intelectual, num ambiente democrático particular e resultante da atuação da consciência coletiva regional que vinha sendo catalisada pelas ações dos movimentos sociais, muito antes da criação da Autarquia. Na realidade, ao se criar a Sudene, o Nordeste como conhecemos hoje não foi apresentado para o País apenas uma região pobre, com graves problemas econômicos e sociais para serem resolvidos. Mais do isso: criou-se um ente político concreto não apenas para se pensar e intervir na região, mas principalmente, com poderes reais de proposição e pressão junto ao governo federal. É exatamente isso que o governo federal quer sepultar de uma vez por todas.
Obviamente, os anos de ditadura e o proposital esvaziamento político e financeiro .no período pós-abertura democrática têm obscurecido as reais potencialidades institucionais da Autarquia. E ao que tudo indica, esse obscurecimento tem contaminado até os políticos mais progressistas que não conseguem vislumbrar na Sudene um lócus intermediário entre suas propostas mais localizadas com a possibilidade de criação de uma articulação política meso-institucional, de importância efetiva para a política nacional. Ou seja, analisando a atual conjuntura nacional, vislumbramos as proposições do governo como uma tentativa de fazer um caminho inverso àquele do início dos anos 70. Isto é, se a reversão da democracia - latu senso - é algo praticamente impossível nos dias de hoje, a opção mais prática é a substituição dos arranjos institucionais democráticos historicamente mais fortes por mecanismos institucionais mais frágeis, passíveis, portanto, de melhor adaptação à agenda da hegemonia política nacional e internacional.
No caso da Sudene, essa situação se toma mais complexa pelo fato de que ela é uma instituição híbrida. Ou seja, o representante do governo federal é apenas o secretário-executivo de um Conselho Deliberativo formado por uma maioria política de governadores de Estado. Significa dizer que, instituições como a Sudene têm todas as características de uma arena legítima de disputas de espaço e de poder que podem extrapolar o nível regional e interferir nas grandes decisões nacionais.
É nesse sentido que vislumbramos que o arcabouço institucional em que a Sudene está inserida se constitui num problema para o presente modelo de desenvolvimento capitaneado pela hegemonia política nacional, onde a existência de um Estado proativo e atuante tem sido substituído por um estado regulador de acordo com os ditames de interesses globais. Além disso, nosso maior questionamento é sobre a possibilidade de sucesso dessa estratégia para uma região como os menores índices de desenvolvimento humano, onde as estruturas de produção e consumo ainda não se encontram plenamente desenvolvidas e que, ainda, possui o semi-árido mais densamente povoado do planeta cujas estratégias para o seu desenvolvimento jamais poderão ter por critérios básicos mecanismos de mercado, stricto senso.
Transformar a Sudene numa "agência de desenvolvimento" tal como está sendo proposta pelo governo federal é substituir uma instituição com um profundo conteúdo político e mecanismos de intervenção e articulação concretos em um apêndice do governo federal a serviço de um modelo de desenvolvimento que certamente está equivocado quando se trata de uma região com os problemas complexos como o Nordeste. Não foi por acaso, por exemplo, que a negociação da edição da MP foi feita entre o ministro de Integração Nacional e os governadores em grupos de dois em dois. Isto é, ao invés de ser discutido no Conselho Deliberativo da Sudene, os governadores foram subjugados à autoridade federal que é, na estrutura da Sudene, apenas responsável pela a Secretaria Executiva. Infelizmente, tememos que tal comportamento seja um ensaio para a forma futura de distribuição das dotações orçamentárias do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, substituto do Finor e principal fonte de financiamento da Adene. Em outros termos, de distribuição constitucional/legal(Finor) passa-se para uma distribuição negociada.
Pior do que isso: a forma escolhida pelo governo federal põe à mostra, de maneira inequívoca, o conteúdo mesquinho em que está assentada boa parte das ações do presente .governo no que se refere a questão regional. Em primeiro lugar, por tentar imputar à instituição e ao seu quadro de funcionários culpabilidade num processo de suposta corrupção, uma vez que, extingue a instituição transferindo todo o seu quadro técnico efetivo, o que parece indicar a sua incapacidade para o desempenho das funções da nova agência. Felizmente e a bem da verdade, surge, nesses últimos dias na imprensa, a principal forma que o desperdício do dinheiro público se dava e em nada tem haver com o quadro técnico da Casa. O exemplo da Metasa S/A (Revista Veja, 09.05.200 1, pág. 3 8-41 e jornal Folha de São Paulo, dos dias 06 e 07 de maio de 2001) é bastante emblemático e sua apuração deve ir até as últimas consequências não só no que se refere a punição dos envolvidos mas, principalmente, numa revisão dos mecanismos técnicos e burocráticos que permitiram tal situação.
Em segundo lugar, a forma em que o presidente da República permitiu a condução do processo é um violento golpe ao povo nordestino, às instituições democráticas e, de forma bastante particular, à cultura, à política e à produção do conhecimento nacional e regional. Ou seja, o atual governo pode até ter legitimidade institucional para implementar suas reformas, mas, em hipótese nenhuma, tem autoridade moral (vide a grande quantidade de denúncias que diariamente surgem nos jornais) e intelectual para destruir, numa ação questionável no sentido democrático - edição de medida provisória -, a criação de um dos maiores intelectuais vivos do país, Celso Furtado, que soube traduzir em política pública um ambiente de conflito político e social em 1959, ao intervir no Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), o que posteriormente originaria a Sudene.
Essa atitude do presidente da República, ou melhor, do intelectual Fernando Henrique Cardoso, só pode ser atribuída a um lampejo de exacerbada vaidade que impregna a mente de pseudopensadores e pseudo-intelectuais que, numa primeira oportunidade em que são lhe conferidos poderes sobre os demais, tratam de destruir aquilo que não podem fazer através de argumentos teóricos e conceituais. Por que essa mudança não foi discutida com aqueles que estudam o Nordeste e a questão regional?
Enfim, muita coisa deve ser dita e discutida sob o risco de perdermos uma das maiores conquistas do povo nordestino, que é a possibilidade de atuarmos endogenamente em busca de nosso desenvolvimento. A mudança na Sudene, como foi sua criação, não deve ser fruto da benevolência nem malevolência de forças políticas hegemônicas. No nosso entendimento, os problemas do Nordeste do Brasil devem ser enfrentados a partir de políticas públicas explícitas e resultantes de embates e discussões democráticas, tendo por base três aspectos fundamentais: i) a conscientização de que a questão regional interessa à Nação e não apenas ao Estado brasileiro; ii) a necessidade de atualização das estratégias e dos instrumentos necessários à consecução de políticas públicas eficazes e efetivas considerando as transformações por que estão passando o mundo e o País em nível econômico (o processo de reestruturação produtiva), político (o recente processo de redemocratização e descentralização de políticas públicas) e ético (accountability); e iii) a identificação e o respeito das verdadeiras demandas da sociedade nordestina no que diz respeito ao anseio pela superação de suas dificuldades econômicas e sociais.

*Elias Sampaio é Economista da Sudene.



UM DESSERVIÇO AO NORDESTE

*ENILDO MEIRA DE OLIVEIRA JÚNIOR

O circo que se armou em torno da SUDENE agora está completo. Denúncias de corrupção elaboradas por uma CPI que, segundo a revista Veja, não investigou tudo o que deveria, porque "não havia força política para investigar algumas companhias". O Ministro da Integração Regional, que tanto defendeu a extinção da Autarquia, é acusado de ter recebido verba da Instituição e não havê-la aplicado como deveria. E o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinando Medida Provisória extinguindo a SUDENE e criando uma Agência que não possui nenhuma garantia de recursos para o Nordeste. É lamentável que uma instituição pública como a SUDENE, que tantos serviços prestou e ainda pode prestar ao Brasil, e particularmente ao Nordeste, se encontre diante dessa situação.
Criada, em 1959, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, a SUDENE teve no economista paraibano Celso Furtado o seu primeiro superintendente e maior expoente. Coube a ele naquele momento montar a instituição que tinha como objetivo diminuir as desigualdades econômicas e sociais entre as regiões brasileiras. Assim, nascia uma Instituição com força e prestigio, que viria a mudar a realidade do Nordeste. Para se ter uma idéia da dimensão da mudança, se o Nordeste fosse um país, hoje, seu PIB seria o quarto da América Latina, perdendo apenas para o próprio Brasil, Argentina e México. Se ainda possuímos os piores indicadores econômicos e sociais do país, é porque a situação era extremamente grave naquele momento. Ademais, o processo de esvaziamento político e financeiro, a que a SUDENE foi submetida nos últimos anos, impediram que se continuassem os trabalhos para diminuição dos desníveis regionais.
Que a equipe do Governo Federal, notadamente a equipe econômica, venha tentando insistentemente esvaziar financeiramente as Instituições que atuam em nível regional, isto é compreensível; afinal, eles acreditam no modelo liberal e, dentro desse modelo, não há espaços para questões distributivas. A idéia é que o próprio mercado resolveria sozinho esse problema. Agora, aceitar que aqueles que não acreditam nisso fiquem calados e assistam passivamente o desmonte dessas instituições é inaceitável. O que se precisa na SUDENE, é fazer uma revitalização, é fortalecê-la e, não, destruí-la.
Pensar que as verbas da nova Agência estão garantidas por recursos da União, é pura ingenuidade. Se os próprios recursos garantidos por lei à SUDENE não eram repassados corretamente, imaginem os que não possuem garantia nenhuma. Outro exemplo é o Fundef (Fundo para Desenvolvimento da Educação), alardeado como um programa do Governo Federal para resolver o problema da educação no país, atualmente é formado, basicamente, com recursos dos estados e municípios. O próprio Banco do Nordeste que, hoje em dia, possui força política e recursos para investir na Região, deve isto à Constituição Brasileira de 1988, que assegurou a destinação de 1,8% da arrecadação do IPI e IR direto para o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, administrado pelo Banco.
Maior ingenuidade ainda é acreditar que a extinção de qualquer instituição vai resolver problemas de corrupção; pelo contrário, há melhor forma de esconder o que houve do que acabar tudo? Se realmente o que se deseja é apurar a corrupção e punir os corruptos que se apure o que houve e não se escondam da sociedade os fatos apurados, porque a grande maioria dos funcionários da SUDENE é formada por pessoas decentes, honestas e que sempre trabalharam em prol do desenvolvimento da Região. Colocar essas pessoas no mesmo balaio junto com os corruptos, é punir quem é honesto, e eles não merecem isso. Se todas as vezes que ocorressem desvios de recursos públicos de uma instituição pública, ela fosse extinta, será que sobraria alguma no Brasil?
É urgente uma manifestação mais forte em defesa da SUDENE por parte daqueles que detêm um mandato, especialmente dos Governadores, Deputados e Senadores. A Região não pode ser penalizada novamente. Ainda temos os piores índices de desenvolvimento humano do país, apesar deles terem melhorado depois que a SUDENE foi criada. Os liberais vão dizer que o mercado vai resolver o problema da pobreza na Região. Os omissos vão assistir passivamente a tudo acontecer. Resta, portanto, àqueles que esperam um Brasil melhor, lutar para que não se cometa mais um desserviço ao Nordeste.

*Enildo Meira de Oliveira Júnior é Presidente do Conselho de Economia de Pernambuco e servidor licenciado da SUDENE.


AINDA SOBRE A EXTINÇÃO DA SUDENE

*FERNANDO ANTONIO MONTEIRO GONÇALVES

Carta aberta à Secretária Municipal Tânia Bacelar:

Parabéns pelo seu oportuno e objetivo "artigo" publicado no Jornal do Comércio, edição de 16.05.2001, sob o título A Crise da SUDENE. Partindo, como partiu, da ilustre colega sudeniana, não constitui surpresa para ninguém a lucidez de suas observações, especialmente sobre o "por que ?" da SUDENE e do que precisa o Nordeste, ainda e sobretudo nos dias presentes, para reduzir suas desigualdades sociais e extirpar a miséria.
Sobre a extinção da SUDENE, permito-me dizer também alguma coisa, sem evidentemente o mesmo brilhantismo, mas na mesma linha de raciocínio e idêntico sentimento de profunda tristeza e, porque não dizer, revolta com os últimos acontecimentos que determinaram a terminação da SUDENE.
É realmente de "chorar" (e chorei), assistir o melancólico desfecho da SUDENE, através de Medida Provisória "gestada" (como disse a ilustre colega) dentro de um Ministério tido de Integração, mas que apenas desintegrou as lideranças regionais e só prestou, até então, desserviços à Região Nordeste.
Esqueceu-se, simplesmente, que a SUDENE foi concebida e criada, nos idos dos anos 50, a partir da constatação de uma triste realidade que precisava mudar (as desigualdades regionais). Esqueceu-se também que a instituição (primeira experiência no País, bem sucedida enquanto existiu, de desenvolvimento regional) foi originariamente dirigida pelo eminente nordestino Celso Furtado, sobre quem jamais pairou qualquer dúvida quanto a sua seriedade de propósitos, idealismo e competência. Os resultados positivos estão ai e podem ser contados pela história recente deste País.
A SUDENE SEMPRE FOI UM ÓRGÃO SÉRIO, RESPEITADO, INOVADOR, INTEGRADO POR PROFISSIONAIS DO PRÓPRIO NORDESTE, TODOS DIGNOS, COMPETENTES E ALTAMENTE QUALIFICADOS, IRMANADOS NO IDEALISMO DO SEU FUNDADOR.
Por isso mesmo conseguiu a Autarquia atravessar, mesmo com sofrimentos e desgastes, o regime militar, sempre protegida que foi pelo seu corpo funcional, lideranças nordestinas e até organizações internacionais.
Com o retorno ao ESTADO DE DIREITO, esperávamos todos - em especial nós do Nordeste - que a SUDENE, democraticamente, retomasse a sua ação histórica de agência promotora do desenvolvimento nordestino (isto para dizer que a SUDENE sempre foi tida como agência desenvolvimentista). Haveria para tanto de existir vontade política. Esta, infelizmente, não aconteceu. Não houve mais, como não há, em nível nacional, política regional. De consequência, também nunca se discutiu, pós-redemocratização do País, a redefinição do seu papel.
Restou à SUDENE, nos últimos anos, lamentavelmente, aprovar projetos e administrar os recursos do FINOR. Função que, no meu entender, apenas contribuiu para desgastar ainda mais o Órgão, até porque à margem de suas verdadeiras finalidades institucionais.
Vieram em sucessivo as denúncias de corrupção (só admissíveis em regimes democráticos), não apenas na SUDENE/FINOR, mas em inúmeros outros órgãos e instituições governamentais. Tudo do conhecimento público.
Resultado. A CPI do FINOR. Com ela a constatação pública de irregularidades no sistema de incentivos fiscais.
Ao invés da apuração de responsabilidades, da punição dos culpados, da aplicação de penalidades, tudo na forma da Lei, seja na esfera civil, seja na criminal, preferiu o Poder Executivo, no caso da SUDENE, mal assessorado em nível ministerial, extinguir de logo a Autarquia com Medida Provisória. E o mais grave, criar outro órgão, com a mesma estrutura autárquica e finalidades semelhantes. É o mesmo que "trocar seis por meia-dúzia". É a estória do cidadão que vendeu o sofá para não continuar sendo traído pela companheira. Em suma, um despropósito, um desrespeito, uma insensatez.
Caso entendesse o Executivo que a SUDENE já havia exaurido o seu papel, deveria, isto sim, submeter ao Congresso Nacional a sua extinção, não fosse o desejo de dar-lhe novas atribuições. Era o mínimo esperado de dignidade e de reconhecimento pelo seu passado recente.
Pior. As lideranças nordestinas também assimilaram, de forma equivocada, a idéia de corrupção generalizada dentro do Órgão, e assim nada fizeram em sua defesa e de seus funcionários, estes lançados, injusta e irresponsavelmente na sua esmagadora maioria, à vala comum da suspeita de improbidade.
É triste, mas é real, o fim melancólico e aético que se deu a uma instituição, reconhecida e respeitada alhures, além fronteiras, com mais de 40 anos de existência, e detentora de incontáveis e incontestáveis serviços relevantes prestados à causa do Nordeste Brasileiro. "É de Fazer Chorar".
Recife, 17 de maio de 2001

*Fernando Antônio Monteiro Gonçalves - Procurador Federal aposentado da SUDENE - Ex-Procurador-Geral da Autarquia


PRONUNCIAMENTO NO SENADO

Senadora Maria do Carmo Alves (PFL-SE)

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Senadores,

Despertou-me a atenção um artigo de um dos mais conceituados jornalistas brasileiros, Luiz Nassif, da Folha de São Paulo, em 17.05.2001, intitulado "O País dos Pinóquios", em que comenta, de forma absolutamente apropriada, o "Caso da SUDENE", abrindo o seu comentário com o seguinte texto: "Explode o escândalo da SUDAM. Divulgam-se números assustadores de fraude, na casa de bilhões de reais. Aí começa a competição com o escândalo SUDENE" e diz o jornalista: "O Deputado José Pimentel, da CPI do FINOR - solta a denúncia mais bombástica ainda: os rombos da SUDENE chegariam a 2,2 bilhões de reais. Ganha o concurso "quem roubou mais", e leva o Governo a fechar a SUDENE."
Concluindo o seu relato, o jornalista cita que o Deputado foi chamado a se explicar aos funcionários da Superintendência admite ter errado nos números, pede desculpas e perdão, não acalma a ira dos servidores do órgão, é vaiado e desautorizado, publicamente, nos números que divulgou, pelo Procurador-Geral da SUDENE que afirma: "Nós demos os subsídios para os parlamentares fazerem a CPI do FINOR. Posso assegurar que o rombo de 2,2 bilhões não é apenas inverídico, mas inverossímil.
Diz o referido jornalista: "O encontro não mereceu destaque em nenhum órgão de imprensa".
Apenas, Senhor Presidente, faremos um adendo à observação sucinta do eminente jornalista. De fato, é sempre assim o comportamento preconceituoso da maioria da grande imprensa do Sul e Sudeste com relação ao Nordeste. Nossa região só merece manchete quando as notícias são negativas. Para a postura da referida imprensa haver sido minimamente correta, ela que aplaudiu entusiasticamente a extinção da SUDENE por haver sido descoberta uma enorme fraude, deveria, agora, dar o mesmo espaço para corrigir a notícia e anunciar que os dados divulgados pelo Governo eram falsos.
Do mesmo modo, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, para demonstrar que é um homem justo e que não é verdadeira a notícia que divulgam sobre a má vontade que ele cultiva pelo Nordeste, deveria autorizar, imediatamente, a retirada da funesta Medida Provisória sob a alegação plausível de que seus assessores lhe entregaram dados irreais. Afinal, errar é humano, reconhecer o erro é uma grandeza humana; persistir no erro, sim, seria uma atitude típica de má fé e perversidade contra os interesses de 1/3 da população mais pobre do país.
Quanto a mim, que ainda acredito nos conceitos de honra e dignidade, prefiro crer que será a segunda hipótese a postura de Sua Excelência, frustrando as perspectivas dos pessimistas que, lamentavelmente, cada vez mais se transformam em maioria neste país de tantos percalços e frustrações.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,

Antecipando-me às conclusões da CPI do FINOR, em 7 de maio corrente, fiz ampla análise da situação do Nordeste e da atuação da SUDENE, e manifestei a minha indignação pelo linchamento da SUDENE, por parte dos meios de comunicação do Centro-Sul e também pelo ato apressado com que o Presidente da República, possivelmente motivado pelo estardalhaço da mídia e dos produtores de escândalos, devidamente orientados pela notória hostilidade de seus Ministros econômicos com as regiões menos desenvolvidas do País, por meio de Medida Provisória decretou o fechamento dá SUDENE e da SUDAM.
No caso específico da SUDENE, sobre a qual se dizia haver um imenso rombo de mais de dois bilhões de reais, e cerca de quinhentos projetos irregulares envolvidos em falcatruas o desvios de recursos, questionei e desmenti esses dados absurdos, levianos e mentirosos, que em nenhuma hipótese deveriam ter influído o juízo do Presidente quanto aos destinos da SUDENE que, ao contrário de qualquer tentativa de procedimento criterioso, decretou a extinção de um órgão que tantos e tamanhos benefícios prestou à região nordestina.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, depois de exaustivos trabalhos, finalmente a CPI do FINOR foi concluída.
Ora, Senhor Presidente, segundo conclusão definitiva da CPI, em um universo de mais de 3000 projetos aprovados em 41 anos de existência da SUDENE, dos quais 70% concluídos e 9% em processo de implantação, considerando os inestimáveis benefícios que trouxe à nossa região, foram identificados 51 projetos irregulares, correspondendo a 1,7% de recursos perdidos, no total das aplicações do órgão, bem diferente, portanto, do espantoso rombo que vinha sendo divulgado.
O próprio Banco Mundial e o BID consideram perdas de até 2% dos financiamentos concedidos por eles como plenamente normais.
Considero importante repetir, refletir muitas vezes, que durante toda a longa existência da SUDENE foram aplicados penas 7,27 bilhões gerando quase dois milhões e meio de empregos de diretos e indiretos.
Enquanto isso, Senhores Senadores, mais de 22 bilhões de dólares foram gastos em dois anos pelo Governo, na salvação generosa de bancos falidos, componentes de um sistema privilegiado que vem exaurindo gananciosamente a nação e a sociedade.
Gostaria de transcrever aqui uma das conclusões dessa CPI, criada para investigar e identificar as supostas irregularidades existentes na SUDENE.
"A CPI é unânime em reconhecer a importância do FINOR e, da SUDENE para modernizar e dinamizar a economia nordestina. Sem eles, é inegável que as desigualdades regionais brasileiras seriam maiores; que a miséria e o analfabetismo da Região seriam mais vergonhosos; que o povo nordestino estaria mais pobre, atrasado e menos cidadão". (relatório, p. 248).
O Governo não se poderia basear em premissas falsas, em dados inverídicos, em escândalos forjados e em pressão dos meios de comunicação ligados a grupos econômicos, para penalizar mais ainda o Nordeste, para o qual o fechamento da SUDENE é desastroso.
Conclamo, portanto, o Senado da República para exercer, de forma suprapartidária, independente e soberana, as suas prerrogativas de altas responsabilidades perante a Nação e, em especial, perante um terço da população brasileira, que poderá ser alvo de uma grande injustiça.
Proponho aos Senadores, em especial aos Senadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que derrubemos, com o nosso voto, esta famigerada Medida Provisória de n°, 2.145, de 2001, deixando ao Executivo a alternativa de encaminhar uma proposição mais consequente.
O fechamento apressado da SUDENE é uma mostra da injustiça e do preconceito contra a nossa Região, um atentado contra o Nordeste, contra sua população e em detrimento de suas imensas potencialidades econômicas.
Finalizando, Senhor Presidente, ainda colho do mesmo jornalista, antes citado, uma conclusão em outro artigo que se refere à fabricação de crises, com amplo apelo aos meios de comunicação como estratégia política nas disputas de alternância do poder, quando diz que "só depende, da mídia transformar a indignação popular em ferramenta de aprimoramento da democracia ou em fonte permanente de instabilidade".
Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente. - Muito obrigada.


PIMENTEL DEU O MOTE A FERNANDO HENRIQUE

*ENIO BENNING

A assinatura da Medida Provisória que extinguiu a Sudene seguiu um cronograma bem planeado pelo Governo Federal. Que as mudanças na autarquia federal iriam acontecer todo mundo sabia. A proposta de transformação numa agência de desenvolvimento vinha sendo avaliada desde a ida de Aloísio Sotero para o comando da autarquia - antes de Fernando Bezerra ser indicado ministro da Integração Nacional. O problema é que as mudanças incluíram uma desmoralização pública da instituição.
O mais pitoresco dessa história é que quem mais contribuiu para isso não ocupa nenhum cargo no Governo FHC. Esse personagem é o sub-relator da CPI do Finor José Pimentel (PT-CE). Não estou querendo dar um papel maior ao deputado cearense, do que teve na realidade. No entanto, sua ânsia de atingir o governador Tasso Jereissati (PSDB) provocou um leilão para saber onde estava o maior rombo - na Sudam ou na Sudene. Pimentel se sentia eufórico ao informar que o "buraco" da autarquia nordestina era de R$ 2,2 bilhões, superior, nas suas contas, ao valor das irregularidades na Sudam, Era o mote que o Planalto precisava para colocar as duas na vala comum da corrução generalizada.
José Pimentel brilhou em diversas oportunidades. Chegou a propor a intervenção na Sudene. Coincidência ou não, logo depois da apresentação do relatório o deputado saiu de cena e o Governo Federal anunciou que extinguira a instituição. Chega a ser tragicômico ver parlamentares do PT pernambucano saindo em defesa do colega cearense. Seria mais simples admitir que ele se equivocou na sua cruzada.
E o presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso por ocasião da assinatura da MP, não negou sua plumagem tucana: fez alguns elogios à Sudene mas, ao mesmo tempo, apontou a instituição como um símbolo do Brasil arcaico. "Reproduções do Brasil arcaico", que "abrem espaço para a condução" foram algumas declarações de FHC, Ao fazer isso um dia antes da acareação entre a ex-diretora do Prodasen Regina Célia Borges e os senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (sem partido-DF), o presidente parecia querer mandar uma mensagem ao Congresso. "Eu estou arrumando a minha casa, arrumem a sua".
Como a CPI da Corrução deve mesmo ser instalada no Congresso Nacional, a economia Nordestina pode ter pago um preço alto demais para que o presidente Fernando Henrique Cardoso possa afirmar, na eleição de 2002, que não tolerou irregularidades no seu Governo.

*Ennio Benning é jornalista do Jornal do Commercio - Publicado na Coluna TROCANDO EM MIÚDOS do Jornal do Commercio de 06/05/2001.


VIVA A SUDENE!!!

*FÁTIMA VIEIRA

Senhoras e senhores,

Os que, costumeiramente, recebem os meus emails nunca viram o tratamento formal com o qual comecei esta mensagem, a não ser nos relacionadas a trabalho. Essa formalidade não é nada mais nada menos que a expressão do que me vai na alma, no coração e que retrata o pesar que sinto por ver a SUDENE, o Órgão criado para incrementar o desenvolvimento da região Nordeste, e que o fez por mais de 40 anos, ser extinta com uma canetada, sem a participação da sociedade, dos servidores...
Infelizmente esta Casa foi colocada no mesmo rol dos problemas da SUDAM (nem de perto, temos algo parecido aqui) e dá-se a ela o mesmo tratamento imposto àquele Órgão.
Não estou, absolutamente, sendo corporativista nem querendo tapar o sol com peneira. Sabemos que existem irregularidades no Finor e que estão sendo apuradas. Os que se locupletaram, são alvo de investigações e chamados a devolver o que receberam ilicitamente ou porque fraudaram documentos para isso.
Os servidores, supostamente envolvidos, também passam por investigações e respondem a processos administrativos e, se considerados culpados, também terão o seu castigo, digamos assim, por agirem indevidamente.
Mas a SUDENE não é somente Finor. A SUDENE é muito mais que isso. É tudo e até mais do que vai colocado abaixo, e publicado no editorial de domingo, 29/04/2001, do Jornal do Commercio, sob o título:

A SUDENE EM JULGAMENTO

"Muito pior do que preconizar a sua substituição por uma indeterminada "agência de desenvolvimento", como quer o ministro da Integração Nacional, é confundir, como se vem fazendo agora a Sudene com o Finor. A julgar pelo noticiário dos jornais e pela mídia eletrônica, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada no governo JK, em fins dos anos 50 do Século XX, é apenas um órgão repassador de recursos daquele Fundo. E de forma irregular, segundo o relator de uma CPI criada para "apurar irregularidades no sistema de incentivos".
Ninguém parece se dar conta de que a energia elétrica chegou ao Piauí e se estendeu ao Ceará depois que a Sudene compatibilizou recursos para a construção da hidrelétrica de Boa Esperança, que começou a funcionar em fins de 1968. Nem que coube à mesma Superintendência fazer funcionar o primeiro modelo de eletrificação rural no Nordeste, a Cerne.
Poucos se lembram, ao passar diante dos centros de abastecimento de produtos hortigranjeiros (Ceasas), que foi esta uma experiência pioneira orientada pela Sudene. No Recife, depois estendida a outras capitais regionais. E quem visita os projetos irrigados da área de jurisdição da Codevasf, no sertão do São Francisco, certamente não recebe informações de que várias comissões de especialistas estrangeiros foram trazidas pela autarquia, ao longo dos anos, para diagnosticar as condições locais de aproveitamento agrícola, antes que se iniciassem as plantações de frutas para exportação ou de uvas para a fabricação de vinho.
Não pretendemos fazer uma lista dos feitos positivos da Sudene, mas apenas citar uns poucos exemplos de sua ação diversificada, através de quatro décadas de funcionamento efetivo. O objetivo é sugerir que aquele sempre foi um órgão de desenvolvimento (de início, também de coordenação), não podendo assim ser visto apenas como uma repartição que administra incentivos para empresas privadas.
Paralelamente a essas atividades, a Sudene administra os recursos oriundos das deduções no imposto de renda previstos nos artigos 34-18 de sua legislação básica, depois transformados em um Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). Mas, também nesse setor, seus êxitos têm sido maiores do que os erros. Estes realmente existem, e o que se deve fazer é separar claramente os sucessos dos fracassos. Constatadas irregularidades, há que punir os responsáveis, se for o caso até com prisão - como é tão exigido em tempos recentes para os autores de crimes de colarinho branco. Mas, sobretudo, exigir a devolução dos recursos desviados.
A opinião pública precisa (como se faz aos idosos, preventivamente, para não adquirir gripe que se pode transformar em pneumonia) ser vacinada contra certos efeitos perversos da atual onda de denuncismo. Um exemplo: exibe-se em alguns jornais, como prova do fracasso do Finor, o fato de que 653 projetos foram excluídos do sistema. E o que isso significa? Na maioria dos casos, que seu organograma foi cumprido, não precisando mais a empresa de recursos incentivados para continuar sua luta vitoriosa em procura de novos mercados.
E assim, até certas providências administrativas da Sudene, para poupar dinheiro a fim de beneficiar os projetos ainda em implantação (são 221), passam a ser divulgadas como se isso fosse um atestado de ineficiência do sistema."

Nesta Casa foram formadas muitas das chamadas "cabeças pensantes" deste País. Pessoas que, com o seu conhecimento e experiência, emprestaram e emprestam suas qualidades para organismos nacionais e internacionais, elevando o nome do Brasil e, em especial, do Nordeste, a altos patamares. Algumas dessas "cabeças" ainda aqui se encontram...
Não fazer um amplo debate sobre as mudanças que a SUDENE precisa ter, e que é algo que as pessoas de bom senso também querem, sem ouvir essas pessoas e todos os segmentos da sociedade, é jogar no lixo tudo o que foi construído ao longo desses 40 anos, pois a história desta Região é contada levando-se em conta o ANTES e o DEPOIS da criação da SUDENE.
Desculpem se não consegui me expressar melhor, afinal não sou uma das "cabeças pensantes" e de inteligência privilegiada desta Casa, mas creiam que tudo o que coloquei aqui foi com o coração, com a alma e com o sentimento de desolação que hoje me invade.
Viva a SUDENE!!!

*E-mail enviado por mim, no dia 03-05-2001, às pessoas da minha lista.


*SUDENE

"A Sudene realmente foi boa para o País. E para o Nordeste. A economia da região e o índice de desenvolvimento humano (IDH) cresceram mais do que os do Brasil como um todo desde que a instituição foi criada, em 1959. Dos 3.058 projetos que o órgão incentivou, por meio do Finor, em apenas 53 foram constatadas de fato irregularidades - ou seja, em 1,7% do total. Essas empresas terão de devolver aos cofres públicos tudo o que receberam, com correção, juros e multa. A cobrança está nas mãos da Justiça. Que ela seja feita."
Fátima Vieira, servidora da Sudene (Recife, PE).

*Publicado no Painel do Leitor, da Folha de São Paulo, de 23/04/2001, em resposta a um leitor que disse não ter sido a SUDENE boa para o País.


CUMADRI NO FORUM

*GLAURA LÚCIA LOPES PRADO

Minha cumadri corre aqui
Agora nóis vai viajá
Vamus lá para SUDENE
Tá repreto dos Parlamentá.

II
Extinguiram a SUDENE
Nois num podi se calar
Cuma fica o Nordeste
Sem Pulitica Regioná?

III
Cuma nois vai chegá lá
Seu Migué sem camião?
Só nos resta apelá
Pru tratô do seu João.

IV
Nóis assubiu no tratô
E rumemos para cá
Era tanto os balanços
Cumecei a passar má.

V
Dentro de tantos sulavanco
Cum as tripas a se trocê:
"Peçam uma paradinha
Poi eu vou tê qui descê".

VI
Eu mi iscundi na moitinha
As tripas já davam um nó
"Tem paciença seu piloto"!
Meu Padim-Ciço tem dó.

VII
Adepois de tanto atrupelo
Sã e sarvos nois chegou.
Bons dia, Excelências!
Bons dia, Seus Doutô!

VIII
Pus sevidoris da Casa
Pru Grupo da Resistença
Alevantem os seus troféu
Na luta pela decença.

IX
Em vosmicês nois vortou
Agora nois veio cobrar:
Seus cumpromisso cum Nordeste
Nois num vamus dispensá!

X
A solução não é extingui!
E o correto é restruturar
Sem "interesse politiqueiro"
O meu Nordeste crescerá.

XI
Mudar apenas o nome...
Será essa a solução?
O Nordeste cansou de promeça
Necessita de mais ação.

XII
Vão dismantelando isso aqui
Arremendando mais aculá
Istamus muito revortado
Cum as disveigonha Nacioná.

XIII
Tudo qui nóis tá querendo
É mai decença e respeito
Se isso nois cunsegui
Nóis se dá pur satisfeito.

*Glaura Lúcia Lopes Prado é servidora da SUDENE e apresentou essas trovas no Seminário "A Questão Regional e a Extinção da SUDENE: Um debate Urgente".


UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL

* GEORGE EMÍLIO BASTOS GONÇALVES

No governo FHC, o aprofundamento das ações voltadas para a globalização, impôs Numa nova estratégia para os PPA's 1996/1999 "O Brasil em Ação" e, 2000/2003 "Avança Brasil". Eliminou o conceito de regionalização baseado nas macrorregiões e adotou uma nova divisão especial para o Nordeste, baseada em cinco novas áreas estratégicas, denominadas como Arco Litorâneo, Pré-Amazônia, Ribeira do Parnaíba, Semi-Árido, Ribeira do São Francisco e Cerrados. Elas estariam devidamente integradas nos Eixos Nacionais de integração e Desenvolvimento situados no Nordeste: o Araguaia-Tocantins, o Transnordeste e o São Francisco. Aos quais não consta nenhum investimento expressivo até a presente data. A nova abordagem atropelou a Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao determinar que: "A questão regional brasileira deve ser tratada no contexto da nova geografia econômica do país, sem obedecer aos limites das suas macrorregiões. Trata-se da forma mais adequada de analisar o problema e de propor políticas que, na maioria das vezes, transcendem as fronteiras de uma macrorregião ou limitam-se a uma faixa do seu territórios. (O Brasil em Ação - Estratégias e Diretrizes da Ação do Governo).
Há uma institucionalização explícita na CF/88, que dispõe sobre a relevante designação na Seção IV - Das Regiões, inserida no capítulo VII, intitulado Da Administração pública e contido no título III - Organização do Estado. Essa hierarquização política definida é reafirmada por todos os demais dispositivos constitucionais vigentes, que determinam em que níveis "para efeitos administrativos a União poderá articular a sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando o seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais".
A CF/88 reza no seu art. 165 que leis de iniciativa do poder executivo estabelecerão: I - o plano plurianual. § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de ação continuada. Fica evidenciada a inconstitucionalidade dos PPA'S.
A evidente hegemonia dos Estados Unidos com a sua doutrina de globalização é também manejada através do Banco Mundial, do FMI, do BID, etc. Estes são agentes indutores de novas instituições e formadores de estruturas tecnocráticas nos países sob sua influência, determinando uma agenda comum denominada transformação do Estado, via reforma institucionais, privatizações, desregulamentações, desestatizações, ajuste fiscal, enxugamento do Estado, etc. Estas são ações recomendadas pela missão norte americana de reinventar o governo, executada ao pé da letra no programa do governo federal. Nesse "novo paradigma de Estado", os tecnocratas do governo com a complacência bovina do legislativo e do judiciário, via medidas provisórias, ao legislarem sobre quase tudo, além de atropelarem a CF/88, vêm sucessivamente desfigurando o Estado brasileiro, sob as ações neocoloniais dos globalizadores. Essa canibalização institucional desenvolvida pelo governo, vêm agravando as desigualdades de renda e, decretando-se à exclusão grande parcela de brasileiros, cerca de 53 milhões (lpea). São fatos que prenunciam a desagregação, a ruptura do pacto federativo, a crise social e o caos, especialmente, quando nos for imposta em 2005 a Alca, no rolo compressor dos Estados Unidos. O modelo de globalização subordinada, embutido nos PPA'S, na integração Voltada para fora, foi dirigido para,os nichos das economias de aglomeração para, exportação e clusters ligados ao capital internacional, os quais concorrem para enfraquecer a economia nacional, ampliam a perversa concentração de renda, inviabilizam vastas áreas potenciais, cristalizam o desemprego estrutural e abandonam uma massa de excluídos entregues à própria sorte, cuja falta de perspectiva impele os excluídos para a violência e o crime.
A Sudene, a Chesf e o Banco do Nordeste são instituições resultantes da mobilização da sociedade brasileira e criadas por estadistas, que formataram a construção política da Região Nordeste e consolidaram nela a perspectiva do desenvolvimento. Forjaram também uma identidade que se afirma no imaginário do seu povo, sintetizada no orgulho de ser nordestino, ciente da sua riqueza cultural, de história comum e nas suas potencialidades portadoras de futuro. A eliminação dessas agências, via extinção ou privatização programada na agenda governamental, numa região ainda carente de capital fixo (FBXF) e social, é um retrocesso aos anos cinquenta e nos decretam à crônica inviabilidade. Afirma Celso Furtado que, "A Sudene é o vínculo entre os Estados do Nordeste. A Sudene é que permite ao Nordeste ter um peso político no Brasil" (DP, em 09/06/2000).
Um projeto nacional para o Brasil e a questão regional inserida nele devem ser exigências urgentes para se firmar uma posição na sociedade civil brasileira até as eleições gerais em 2002. São questões político-institucionais e estratégicas que viabilizarão ou não o Brasil do futuro, nas suas prioridades internas e externas, que não podem ficar submetidas a certas elites predatórias, dirigidas por servis tecnocratas e legitimadas por políticos corruptos, contrários aos objetivos nacionais, nas aspirações e necessidades do povo brasileiro por uma vida melhor. É momento de indignação e mobilização coletiva. Vamos à luta!

*George Emílio Bastos Gonçalves é economista, professor universitário e servidor da SUDENE - Publicado na página Oinião do Jornal do Commercio, de 08-05-2001.


DECRETO DEFINIRÁ FUTURO DE SERVIDOR

*HELIANE ROSENTHAL

Medida Provisória não aborda questão do pessoal da autarquia. De acordo com a Vice Presidência da República, não existe definição sobre número de servidores afetados .
O destino dos 920 servidores da Sudene que hoje estão na ativa ainda é incerto e não consta da Medida Provisória que trata da extinção do órgão. A única menção é de que o quadro de servidores bem como os cargos comissionados e as funções gratificadas serão transferidos para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que também ficará responsável pelo pagamento de inativos e pensionistas. A colocação desses funcionários em disponibilidade ou a sua redistribuição para outros órgãos é tida como uma decisão irreversível, tanto que, segundo a Vice-Presidência da República isso vai acontecer por meio de decreto, ainda sem data prevista para ser assinado nem com quantos funcionários serão atingidos.
No entanto, nos corredores da Sudene especula-se que apenas 40% do quadro ficará trabalhando na nova agência. Por isso, muitos servidores já estão procurando outros órgãos do serviço público federal para tentar uma colocação.
"Não tinha vontade de me aposentar agora, mas acho que esse é um caminho inevitável", reclama a secretária Fátima Vieira. Aos 48 anos, ela diz que ainda tem fôlego e saúde para continuar trabalhando, mas, diante do fim da Sudene, entrou com o pedido de aposentadoria e está aguardando os próximos acontecimentos para decidir se dá continuidade ou não no processo.
LUTA - Foi durante a reunião com a grande maioria dos servidores da casa que chegou a confirmação sobre a assinatura da Medida Provisória que extinguia a Sudene. Os funcionários, apesar de desolados com a notícia, resolveram tentar derrubar a decisão do presidente Fernando Henrique e garantem que vão buscar todas as articulações possíveis para alcançar esse objetivo.
De imediato, os servidores decidiram ficar em vigília na porta da Superintendência, no 13º andar do edifício-sede, esperando que lhes fosse entregue uma cópia da MP. Com o documento em mãos, eles pretendem entregá-lo à assessoria jurídica do Sindicato dos Servidores Federais de Pernambuco (Sindsep) para que seja feita uma análise.
De acordo com o advogado do Sindicato, Cláudio Ferreira, após a avaliação da Medida Provisória será elaborado um relatório com os possíveis pontos inconstitucionais do documento. Segundo ele, já é possível antecipar que a utilização de uma MP para extinguir a Sudene é considerada inconstitucional pois não há urgência. Para Ferreira, a extinção da Sudene e da Sudam deveria passar por um projeto de lei, que seria encaminhado ao Congresso.
Outro ponto que deve ser contestado juridicamente pela assessoria do Sindsep é o que trata da disponibilidade dos funcionários da casa. Ferreira diz que, constitucionalmente, é preciso definir critérios impessoais para escolher quais os servidores que irão para disponibilidade. Caso o contrário, se esses critérios não forem divulgados, a assessoria pode entrar com uma medida cautelar preventiva.
A reunião de ontem teve a presença de dois ex-funcionários da casa que se mostraram bastante emocionados com a extinção da Sudene e convocaram os servidores a brigar para que isso vá adiante: o vereador recifense Jurandir Liberal (PT) e a secretária de Planejamento do Recife, Tânia Bacelar. Ambos fizeram questão de frisar que, além da manutenção dos empregos, os servidores também estavam lutando pela manutenção de um órgão cuja a história no Nordeste era de grande contribuição para o Nordeste.
Além de ex-servidores, outros políticos também estiveram ontem na reunião. O presidente da Câmara do Recife, Dilson Peixoto (PT), acha que os servidores deveriam buscar o apoio dos governadores da Região, pois o momento é de cobrar uma força política para o Nordeste junto ao Governo Federal.
Já o deputado federal Eduardo Campos (PSB) diz que a bancada nordestina já está sendo mobilizada para tentar barrar a MP no Congresso. Segundo ele, essa é uma questão mais regional do que de oposição.

*Heliane Rosenthal é jornalista do Jornal do Commercio - Publicado no Caderno de Economia, do Jornal do Commercio, de 03/05/2001.


ENTRE JUSCELINO E FHC

* FERNANDO CASTILHO

No futuro, quando for escrita a história do Nordeste, vão lembrar de dois presidentes que tomaram decisões de grande repercussão sócio-econômica para a Região. Juscelino Kubitscheck, que criou a Sudene e lhe deu força política, e Fernando Henrique Cardoso, que a extinguiu sob um discurso de "foco de arcaísmo e corrução".
Vamos escrever também a história dos omissos e dos que acabaram servindo aos interesses dos adversários da Região. Os governadores que se pronunciaram contra o fim da instituição mas elogiaram a decisão do presidente, que sequer os consultou, como modernizadora. E dos que transformaram o instrumento da CPI num palanque, como o divulgado pelo deputado José Pimentel (PT-CE), de que aqui se cristalizou o número mágico de R$ 2,2 bilhões em desvios.
Qualquer relatório técnico, felizmente, dirá que a Sudene mudou a face econômica do Nordeste. É injusto extingui-la ou tentar reformá-la, em um ambiente no qual o Governo tenta passar à opinião pública (um dia antes da acareação dos acusados no caso da violação do painel eletrônico do Senado) a imagem de que tomou providências e joga-la na vala comum da corrução da Sudam. Sua história, nem a dos nordestinos que a construíram, não merece isso.

MP dos fundos mantém verbas previstas
Apesar dos termos duros para com a Sudene (afinal, o presidente Fernando Henrique se referiu à instituição dizendo que, num passado recentíssimo, ela se tornara um antro de corrução, juntando-a definitivamente à Sudam), a medida provisória assinada, ontem, praticamente manteve os volumes históricos repassados à Sudene e Sudam nos últimos três anos. Se o volume de R$ 462 milhões previstos para a área da Adene forem liberados mesmo, até que não terá sido ruim, uma vez que o dinheiro já virá carimbado do Orçamento Geral da União.

Sem ônus e donos
Até que o governo federal defina como a nova Adene vai funcionar, a velha Sudene, extinta ontem, criou um vazio administrativo. Hoje, a autarquia deixa de existir mas não tem sucessora legal e até que suas funções sejam fatiadas, como vão ser, não tem mais nem superintendência nem diretoria. Tecnicamente, Wagner Bittencourt vai precisar ser indicado de novo.

Guerra pelas taxas
O texto da MP que cria a Adene - apesar de dizer que o Banco do Nordeste não terá, como tinha na Sudene, a prerrogativa de ser o gestor do Finor - não determina que ele saia de lá. Manteve os 2% de taxa para autarquia, mas não diz se o gestor vai ter os mesmos 1,5% que o BN recebe hoje. No Ceará já começou o lobby para não mexer em nada no novo FDE.

Conta do novo fundo vai para caixa da União
Mas o prejuízo de fluxo de caixa para o Banco do Nordeste já está sacramentado. A MP afirma que os recursos do novo fundo vão para a Conta Única da União. Ou seja, os próximos depósitos já não vão para o BN.

Sudene, Adene? O tema no Piauí foi o Corinthians
Apesar de ter sido um dos estados que mais questionou as mudanças na Sudene, o Piauí ontem não parou para debater a criação da Adene. O assunto em Teresina foi o jogo Flamengo (PI) e Corinthians (SP).

*Fernando Castilho é jornalista e editor da Coluna JC Negócios do Jornal do Commercio - Publicado em 03/05/2001.


*AUTARQUIA FOI FUNDAMENTAL PARA A EXPANSÃO REGIONAL

Ao extinguir ontem a Sudene, o presidente Fernando Henrique Cardoso pôs fim a uma história de 41 anos, dos quais há um balanço muito mais positivo do que negativo. Ou como disse ontem a secretária de Planejamento do Recife, Tânia Bacelar, "apesar de a Sudene ter muito o que mostrar, ela foi esvaziada nos últimos anos".
Ao longo de sua existência, a autarquia participou de quase todos os grandes projetos desenvolvidos na região. Um exemplo é o das secretarias estaduais de planejamento que só surgiram após o trabalho do órgão nessa área buscando o desenvolvimento local, a partir de definição de mecanismos e estratégias.
É possível ir mais adiante. A autarquia utilizou recursos públicos para viabilizar a implantação das companhias de energia, telefonia e abastecimento de água, entre outras. Foi a partir da Sudene que surgiram empresas como a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) ou a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Além disso, ao longo dos anos, empresas públicas, como a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), recorreram ao Finor para viabilizar as suas expansões.
INDÚSTRIA - Mas foi na área industrial que a Sudene teve uma atuação ainda mais marcante. O surgimento de importantes pólos econômicos teve a participação direta da autarquia. É o caso do gesso no Araripe, fruticultura irrigada no Vale do São Francisco, o setor têxtil no Ceará e, sobretudo, o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia.
Durante boa parte da década de 70, 50% do orçamento anual do Finor foi destinado, exclusivamente, para o desenvolvimento de Camaçari. O pólo petroquímico atingiu um Produto Interno Bruto (PIB) de quase R$ 55 bilhões - quase o dobro da segunda economia da região, Pernambuco, que tem um PIB de R$ 29,2 bilhões, segundo dados de 99 do setor de contas regionais da Sudene.

*Publicado no Caderno de Economia, do Jornal do Commercio, de 03/05/2001.


*ATRASO NO PAGAMENTO DE DEBÊNTURES AFETA BALANÇO

Se é verdade que colaborou para industrializar o Nordeste, também é verdade que a Sudene é um ralo de recursos públicos. Só no ano passado, por exemplo, o calote das empresas beneficiárias do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) somou R$ 270 milhões. O aumento na inadimplência ocorreu graças ao atraso no pagamento das debêntures, a parcela de financiamentos que os empresários do sistema são obrigados a devolver ao fundo desde 1991.
O balanço do Finor, publicado no início de abril, aponta uma elevação de 36% na inadimplência em 2000. O volume de débitos das debêntures não pagas subiu de R$ 747,8 milhões em 1999 para 1,018 bilhão, no ano passado, já representando 25% do volume total dos títulos da carteira, de R$ 4,030 bilhões.
A elevação da inadimplência foi estimulada pelo próprio Governo Federal. As empresas deixaram de pagar as debêntures no ano passado, quando souberam que o Ministério da Integração Nacional preparava uma medida provisória prevendo a renegociação das debêntures vencidas. A MP nº 2.058, editada em agosto de 2000, permitiu que as empresas transformassem dívidas a vencer em participação acionária do Finor nas empresas, num perdão de dívidas disfarçado. A MP previa ainda que a parte da dívida já vencida poderia ser objeto de renegociação.
O Banco do Nordeste atribui a elevação da inadimplência à expectativa de renegociação das dívidas pelas empresas. A Portaria nº 229/2000, do Ministério da Integração Nacional, autorizou a renegociação dos débitos vencidos até 23 de agosto de 2000, mas até hoje nada foi feito. Segundo o BN, o aumento da inadimplência decorre do atraso nas renegociações dos débitos vencidos previsto na portaria. Caberia à Sudene informar que empresas podem ou não se enquadrar nas renegociações. Como as renegociações não aconteceram, as empresas não pagaram porque tinham a expectativa de renegociação. O BN está provisionando os valores, pois existe portaria conferindo a prerrogativa de ampliação do prazo de pagamento aos devedores.

*Publicado no Caderno de Economia, do Jornal do Commercio, de 03/05/2001.


SUDENIANO PASSA DIA EM CLIMA DE LUTO

Confirmação de assinatura da MP transforma protesto em lamentação

*KARLA VELOSO

A Sudene viveu ontem um dia de luto. Parte dos funcionários da casa estava reunida na sala do Conselho Deliberativo da autarquia, onde por ironia do destino eram aprovados pelos governadores nordestinos os projetos incentivados pelo Finor. Quando receberam a informação da assinatura da MP, as fisionomias, até então ansiosas, foram substituídas por caras de tristeza. Os discursos inflamados em favor da Sudene logo deram espaço ao choro e lamentações dos servidores.
Aos prantos, o motorista Altair Oliveira, 23 anos de Sudene, não sabia que atitude tomar após receber a informação. "Eu gosto de trabalhar aqui. A Sudene é minha casa", afirmou. Oliveira disse que sempre desempenhou suas funções com honestidade, sem desrespeitar ou tirar dinheiro de ninguém. Portanto, não deveria, assim como os demais companheiros, pagar pelos erros dos outros. "Quando passo na rua tem gente que aponta o carro e diz: olha os ladrões da Sudene. Eu nunca roubei nada. Só quero meu emprego para sustentar minha família".
Há 25 anosna instituição, a funcionária Vânia Avelar Albuquerque, que trabalha no departamento de Planejamento Internacional, estava revoltada com a medida adotada pelo Governo federal. "Nós, servidores, só fizemos nos dedicar a esta casa e trabalhar pelo desenvolvimento do Nordeste. Então não temos porque pagar por um erro cometido por terceiros", defendeu. Chorando, ela ressaltou que o nome Sudene é uma marca conhecida no mundo todo, e não pode ser deixada para trás.
A servidora Maria Francisca Tereza Oliveira, há 19 anos na instituição, questionou sobre como vão ficar os projetos em andamento. "Estamos com um projeto piloto de Desenvolvimento Sustentável em 33 municípios da região, como vão ficar essas pessoas que estão contando conosco?". Já a aposentada Zélia de Farias Neves contou ter vivido uma situação semelhante há 10 anos, quando o então presidente da República, Fernando Collor, colocou cerca de 227 servidores da casa em disponibilidade. "Meu nome fazia parte da lista", recordou. Ela destacou que a Sudene não é apenas Finor. "Há projetos sociais importantes sendo desenvolvidos aqui dentro".

*Karla Veloso é jornalista do Diário de Pernambuco - Publicado Diário de Pernambuco de 03/05/2001.


*VIGÍLIA RECEBE APOIO

A reunião dos servidores teve início logo cedo. Com o apoio de políticos e líderes sindicais eles iniciaram uma vigília que só iria terminar no início da noite. Logo cedo, eles se reuniram para discutir as estratégias a serem adotadas a fim de evitar o desmonte da Sudene. Ao invés de brigarem pela segurança dos empregos, os funcionários da casa encaparam uma bandeira mais abrangente. A partir de agora a luta será pela manutenção de uma política regional que diminua as desigualdades entre o Nordeste e o restante do País.
O novo encaminhamento foi levantado pela economista e ex-funcionária da casa, Tânia Bacelar. "Esse talvez seja o pior momento que a Sudene está passando. Na verdade estamos aqui reunidos discutindo o que restou de uma instituição", ressaltou. A economista lamentou a falta de tato dos governadores ao se preocuparem apenas com o incremento nos recursos do fundo. "A grande discussão não é essa. Infelizmente eles caíram na armadilha do Governo federal. Os R$ 400 milhões a mais que eles tanto solicitam para serem injetados no fundo representam apenas 0,25% do PIB nordestino", queixou-se.
Foi durante o pronunciamento da economista que os servidores tomaram conhecimento da assinatura da MP. Passado o primeiro impacto, a presidente do Sindsep, Ana Paula Pontes, juntamente com o presidente da associação, Eleno José Silva, convocaram os funcionários a se dirigirem à sala da superintendência, a fim de obter uma cópia do documento. Um grupo foi recebido pelo superintendente em exercício, Geraldo Cisneiros, que agendou uma reunião, hoje às 10h, entre servidores e Wagner Bittencourt. Em sinal de protesto, os funcionários só deixaram a sala no encerramento do expediente.

*Publicado no Diário de Pernambuco de 03/05/2001.

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