Crônica de um fax algo estranho
ou, a redescoberta do Eng. Álvaro de Campos
 

Hoje, que é 1990, sinto algo palpitante no escritório da Fábrica De Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas, mas não sei exatamene o que é.

Cientista há muitos anos, sempre tive aquele desejo forte de empreender uma viagem para lá dos laços visíveis e dos não-visíveis que me unem ao Todo que sou e ao que me rodeia - os Outros e as Coisas. Bom, na realidade - e escrevo isto na minha agendinha que é um computador de bolso - faz algum tempo que estou fabricando em mim a mola que vai me catapultar para a realidade dessa viagem.

Hoje, que é 1990, e são 13h30 do dia 15 de Outubro, a secretária-cientista...Hum, que máquina d'esbanjar graciosidade esta secretária!, bom, ela me traz um fax acabadinho d'implodir nas entranhas eletro-eletrônicas do aparelho telefónico:

r-r-r-r-r-r-r-r.................eterno!

diz o texto. E anoto a coisa na simpática agendinha para lhe dar uma olhada depois. Estou até um tanto surpreendido com esta mensagem louquinha da silva. Eh, logo verei...

Quem será o engraçadinho?, pergunta-me a secretária-cientista com o seu olhar d'azeitona raiado de verde, depois de eu ter anotado a coisa. Não, digo para mim, é agora que eu tenho de saber o que é isto.

Quem será?, murmuro olhando a data do fax.

...Ah!!!, exclamamos em uníssono.

Ficamos sabendo que a coisa teve origem em Tavira. Sei que Tavira fica lá no Algarve, na portuguesíssima porém Cultura mourisca. Mas ela, a secretária-cientista do olhar d'azeitona raiado de verde (ah!, é ela que aqui trata do Estar e do Ser navegando pela cibernética), ela, apenas conhece Tavira por um mapa antiquíssimo...Estamos longe, no tropicalíssimo Brasil, e paradoxalmente a Fábrica De Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas está situada numa encosta entre os verdes e a calma que os bravos bandeirantes (re)descobriram conduzidos pelos nativos filhos do sol.

r-r-r-r-r-r-r-r-r.........................eterno!

leio de novo. Suspeito de uma dinâmica explosiva e absurdamente apocaliptica. Estarão os ET's convidando a gente para um cafezinho nas fronteiras do Todo? Bom, não sei. Eles podem usar os nossos equipamentos para nos saudar, não é mesmo? Talvez sim, ou talvez não. Ai!, a assinatura. Pois é, diz ela, o fax está assinado por um tal A de C. Quem será?

Eng. A de C é a assinatura que observo. Que mistério! E será possível que os ET's usem a nossa linguagem técnica? Bom, aí já é demais, penso. E enquanto penso, ela vai até os botões da nossa Máquina do Tempo e tenta saber tudo sobre este engenheiro A de C... Ôba!, ela descobre algo.

E então?

A nossa Máquina do Tempo diz que esse A de C está umbilicalmente ligado a um fulaninho FP, a um AC e a um outro RR; tudo isto, veja bem, mestre, dentro de um sistema estranhamente estático.

Habituada ao Estar-viajando nos limiares do Todo, ela fica perplexa e questiona: mestre, será que este tal A de C existe mesmo?

...ou é uma brincadeira, penso. E estamos nisto quando um novo fax jorra da maquineta de fazer comunicação escrita e diz:

Canto, e canto o presente, e
também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado
e todo o futuro

assim, sem mais o quê. Pela leitura sinto que há aqui, no fax, como que um triunfalismo calculado; uma força bruta que é contemporânea e é moderna, mas que, ao mesmo tempo, não é contra-Cultura...sim, talvez a verificação histórica e filosófica das questões universais colocadas ante a Humanidade

...o que me parece, corta a secretária-cientista, uma viagem interrompida, ou, direi mesmo, uma viagem finalmente solucionada no contexto de uma identificação pátria - isto é (eu explico, eu explico!, diz ao olhar o meu espanto), este tal de Eng. A de C tomou como rota sua uma rota antiga, daí a viagem estática que transmite aos Outros.

Hum, emendo eu, e o Todo estático que o une ao movimento do espectro universal e aquel'outro estático formado pelos sicraninhos FP, AC e RR; então, caríssima e simpática assistente, estamos diante de um jogo de vivências cênicas sobre o drama da Existência e tendo por base, essencialmente,

o ruido maquinal da marcha do Tempo em seu próprio Espaço.

É isso aí, bicho! (ai, mestre, perdão, perdão...) Mas quem é este Eng. A de C? Pelo que estou verificando a nossa Máquina do Tempo nos dá informes de até cem anos atrás, e além disso, nada!

Olho para o primeiro fax e raciocino sobre o período de cem anos.

Busque aí na Máquina do Tempo, peço para ela, algumas referências acerca do tal engenheiro no ano de 1890.

Se por um lado os dois fax são algo estranho, o dado 1890 nem tanto assim... E se tem ET nisto o ET sou eu!

15 de Outubro de 1890, 13h30, Tavira, nasce, segundo testemunho vivo de FP, o Eng. A de C, anuncia ela vindo até mim com o resultado da pesquisa. Ela vem tão volátil quanto o perfume de flores espaciais que espalha. O seu anúncio me faz ver que é possível realizar a minha viagem sem sair de uma base. E no entanto, o cântico triunfalista deste Eng. A de C é estático enquanto fonte, mas um universo de especulação positiva quando força retransmitida no espectro dos Outros. Inteligente o gajo, penso.

Eu posso ir ao Todo utilizando o Todo que sou e fazendo dos Outros os meus veículos periféricos!, digo quase gritando de alegria.

É isso aí, bich..., engasga ela.

Pelas 17h de hoje, que é 1990, recebemos na Fábrica de Confabulações Cibernéticas & Outras Coisas um sinal novo: na tela gigante do escritório uma figurinha esquisita, direi famélica..., caminha (ainda caminha!) em linhas rápidas de composição analista, e leva em uma das mãos uma velha valise. Eu e a minha assistente ouvimo-lo dizer (a voz ecoando) que
o Almada E Tudo fez-me assim. Eia pá,meu nome é Álvaro de Campos - o sensacionalista íntimo do Pessoa. Estou aqui hoje, que é 1990, como tu dizes,para te dizer que...Eia pá...
 

........r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r....................eterno!...

e logo depois um zunido quase besta, bestial mesmo, e a figurinha esquisita e famélica desaparecendo, como se o tira-linhas do Almada E Tudo não tivesse, subitamente, mais tinta.

Ah, ah, ah, ai...ai, mestre, olhe o chapeuzinho dele! Aquilo é chapéu mesmo?! Ah, ah...ri ela.

No emaranhado das linhas que se desfazem na tela o chapéu do Eng. A de C - esse, ao que percebo, artífice do cotidiano eterno - vai pulando no vento bombástico; uma implosão dramática.

Ah, ah, ah,, mas fez a sua comunicação!, diz ela. Sim, penso eu, ele só quis dizer que o presente é todo o passado e todo o futuro.

Enquanto isso, no fax, um novo papel exibe

r-r-r-r-r-r-r..............eterno!

com uma determinação futurista que só um jogo mental fantasticamente calculado pode expôr aos Outros - os que lhe são íntimos e os que lhe são periféricos.

E agora entendo por que quis logo colocar os primeiros dados em minha agendinha eletrônica. Foi algo automático. Era a linha de força de Álvaro de Campos, o engenheiro, me puxando para a viagem que sempre desejei fazer, apesar de a ter tido sempre ao meu alcance...

Olho para a secretária-cientista do olhar d'azeitona raiado de verde e decido que chega, por hoje, que é 1990!


PS: 1990 é ano do centenário do nascimento de A. de Campos.
 
 

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