Caeiro
Caeiro surge, pois, como lírico espontâneo,
instintivo, inculto (não foi além da instrução primária,
informa Campos), impessoal e forte como a voz da Terra, de candura, lhaneza,
placidez ideais. [...]
O certo, porém, é que é autor de poemas; e começa
aqui o paradoxo da sua poesia. Às palavras procura transmitir Caeiro
a inocência, a nudez da sua visão. Daí, algumas vezes, a
simplicidade quase infantil do estilo [...].
Mas o estilo de Caeiro, pobre de vocabulário, predominantemente abstracto,
incolor, discursivo, de modo algum se prestava à descrição
pictórica impressionista fiel à individualidade das coisas. Em
Caeiro, o pensador, o "raciocinador", suplanta o poeta; eis o que
se induz do próprio estilo. [...] Em regra, ouvimo-lo argumentar, criticando,
não transmitindo sensações mas discorrendo sobre sensações.
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p. 22-25
Caeiro - Lançamento
O lançamento de Caeiro foi previsto não
só em Portugal, mas também no estrangeiro. Pessoa mobilizou todos
os amigos para dele falarem em diferentes jornais e revistas, no continente,
nas ilhas e no estrangeiro: Côrtes-Rodrigues, em S. Miguel; em Espanha,
através de Guisado. Previu artigos em jornais e revistas inglesas, assim
como um «prefácio para a tradução» dos. poemas
de Caeiro, e também um artigo em francês no Mercure de France,
assim como a tradução dos seus versos e o correspondente prefácio.
O tom destes prefácios em português ou inglês (não
deve ter sequer iniciado o francês) é sempre o de despertar a curiosidade
do público para um fenómeno: «o século vinte encontrou
finalmente o seu poeta»; «uma obra desligada por completo das tradições
literárias de qualquer tipo»; «apareceu de repente»;
«A.C. é o poeta do materialismo absoluto».
Há que distinguir neste conto, em que cada um que conta acrescenta um
ponto, duas fases: a do lançamento que, à boa maneira de Pessoa,
não ultrapassou os tabiques do romance-drama-em-gente, e a evocação
que, depois de morto, os discípulos dele fazem.
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, pp. 215-216.
Caeiro Sensacionista
Não espanta que Caeiro apareça à cabeça do Sensacionismo - ele, o curandeiro dessa doença de que, acabaram por reconhecer, o Sensacionismo enfermava também: «o excesso de entusiasmo pela saúde que têm os doentes». É que Caeiro, não o esqueçamos, foi criado no auge do despeito e da fúria de desacreditar o estreito nacionalismo que a Renascença e Pascoaes representavam para Pessoa e Sá-Carneiro. Numa entrevista que deu, em Vigo, Caeiro encarniça-se contra eles com toda a violência... . No artigo escrito para A Águia (inédito) para «lançar» Caeiro, ao mesmo tempo que essa «entrevista altamente provocadora», como aí precisa, afirma: «O simbolismo, o saudosismo, tanto um como (o) outro são inimigos da obra de A.C.» . Só, portanto, uma corrente cosmopolita poderia opor-se ao saudosismo da escola do Porto.
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, p. 214.