INTRODUÇÃO


Fernando Pessoa, é um escritor modernista, cuja obra, por sua complexidade e beleza, deu novo sentido e novo peso à literatura da língua portuguesa. Falar desse poeta e dessa obra, eqüivale a mergulhar em um atordoante labirinto de espelhos. O que se é previsível quando se lê o que ele mesmo disse em carta à João Gaspar Simões : "o estudo a meu respeito, que peca só por se basear, como verdadeiros, em dados que são falsos por eu, artisticamente, não saber senão mentir".

Pode-se entender por esta revelação, como uma advertência, pertinente, aos críticos que costumam explicar a obra dos escritores por sua biografia. De fato, se em todo autor, obra e vida de algum modo se entrelaçam ou se ligam, deve a crítica ter em conta que se trata de realidades diferentes, de linguagens diversas, que não se traduzem uma na outra. Sendo assim, o mesmo fato não terá igual significação na vida como na obra, ou seja, devemos ler a obra, e a vida como vida, sem confundi-las.

Com a criação de seus muitos heterônimos, nada nos autoriza a afirmar que eles são Fernando Pessoa, uma vez que ele pensa diferente deles e, em certas questões, o contrário deles. Como exemplo, podemos notar a carta à Marinetti datada de 1917, em que ele diz que os sentidos só buscam a razão física, exterior, superficial e empírica, e não razão metafísica, que só se descobre pelo pensamento puro, em uma pureza inteiramente emocional. Com essas afirmações, Pessoa nega de forma clara, a visão de seus outros heterônimos, como Alberto Caeiro, que diz que pensar é não compreender, e como Álvaro de Campos, cujo sistema está baseado inteiramente nas sensações. Segue-se ainda as contradições entre Caeiro, para quem o único sentido íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo nenhum, e Álvaro de Campos, voltado para o dinamismo da vida moderna.

Diante dessas constatações cabe perguntar: se os heterônimos não são expressão de situações existenciais específicas dramáticas; se, portanto, não expressam visões contingentes ou geradas por situações próprias a eles e, ao mesmo tempo, não expressam a visão de Fernando Pessoa, então por que ele as criou? Para contradizer-se? Para, por intermédio deles, manifestar suas contradições sem ter medo de assumi-las ou negá-las? Se não é por nenhuma dessas hipóteses, talvez reste apenas uma: ele os criou por razões poéticas e não por razões filosóficas; por razões afetivas, emocionais, e não por razões lógicas. Criou-os, talvez, para exercer as múltiplas virtualidades de seu talento, que mal cabia numa só "Pessoa".

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