Liberdade
O conceito de liberdade de Reis tem que ver com esse
cortar dos laços que ligam o homem ao que deseja ou detesta ou teme.
É por isso que designa Caeiro como «cirurgião»: o
que ele faz, à sua maneira, é cortar as grilhetas que fazem os
homens «escravos cardíacos das estrelas» (na expressão
de Campos). Num dos poemas da série do «Pastor Amoroso»,
Caeiro escreve que, quando se auto-operou, por assim dizer, da paixão
que durante algum tempo fizera dele uma pessoa diferente, «sentiu que
o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito».
Antes de se ter manifestado como médico latinista, já Pessoa o
tinha concebido em si como a parte masculina, por assim dizer, da sua alma andrógina,
ditando regras de vida a essa sua sensibilidade que qualifica de feminina e
tantos sofrimentos lhe causa. As «regras de vida» que, desde cedo,
começou a espalhar pelos seus cadernos são as primeiras manifestações
de Reis: algumas delas vamos encontrá-las transpostas em verso. Por exemplo:
«Be complete in everything» escreve, muito antes do parto dos Heterónimos,
numa primeira redacção evidente do verso «Sê todo
em cada coisa».
Teresa Rita Lopes. Pessoa por Conhecer - Roteiro para uma expedição. Lisboa: Estampa, 1990, p. 245.