A vida de Fernando Pessoa


Nascido em 13 de junho de 1888, em Lisboa, Fernando Antônio Nogueira Pessoa fez parte daquela juventude que, sofreu em sua formação cultural o primeiro impacto da revolução-evolução , em marcha. Através dos estudos, ela foi disciplinada por um sistema de pensamento e valores ainda rigorosamente estruturados (o sistema tradicional europeu e no caso especifico de Fernando Pessoa , o britânico), logo em seguida, quando começava seu momento de produção artística, ou de atuação no plano da vida prática, é abalada pela rebelião cultural-política que se manifesta na Arte, com os "Ismos"; e na Política, com a Guerra de 14 e com a Revolução Comunista de 17.

Em 1896, circunstâncias familiares (o casamento de sua mãe viúva com o cônsul português na África do Sul ), levam o menino Fernando, com 8 anos incompletos, a viver e a estudar em Durban, Colônia de Natal, onde permaneceu até os 17 anos de idade. É, portanto, nesse período vivido fora de Portugal, que se realiza a formação cultural básica de Fernando Pessoa , e sob o influxo da língua, do pensamento e cultura inglesa, diretrizes que, afinal, o poeta nunca abandonara por completo, apesar de sua profunda consciência de portucalidade.

O quanto essa formação básica foi decisiva para o desenvolvimento posterior de seu pensamento crítico-reflexivo e para sua criação poética (e talvez para seu próprio sentimento de nacionalidade), o prova a persistência com que Fernando Pessoa usou a língua inglesa para expressão de seu pensamento. São, em inglês, os primeiros poemas que ele decidiu publicar em livro (plaquete), Antinous-1918 (escrito em 1915); como o são, também, a quase predominância dos textos em prosa, em sua produção de teoria e crítica deixada inédita e publicada parcialmente até o momento.

Em 1905, de volta a Lisboa (de onde não sairá até sua morte, em 1935), Fernando Pessoa ingressa na Faculdade de Letras que freqüenta durante dois anos apenas e onde estuda Shakespeare e a filosofia alemã, em Schopenhauer e Nietzsche. É desse período que datam seus primeiros "textos filosóficos", cuja produção mais significativa abrange mais ou menos dez anos (1906 / 1916). Essa preocupação com o conhecimento filosófico precede o definitivo encontro de Fernando Pessoa com a poesia.

Seu primeiro texto publicado foi de teoria estética ("A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada" in Águia, abril, 1912), enquanto o primeiro poema publicado, "Páuis", é de 1913. A julgar pelas datas apostas em seus textos sua produção poética mais antiga é de 1911/1912 e é atribuída a Alberto Caeiro, muito antes, pois, desse heterônimo terá aparecido (8/março/1914). Também de 1913 é a publicação da literatura dramática “Na Floresta do Alheamento”, a composição do poema em inglês "Epithalamium" e do drama estático "O Marinheiro. O verdadeiro nascimento de seus heterônimos se dá em 1914, época em que a maior parte de seus textos filosóficos já estava escrita.

O que nos importa observar nessas datas e tipos de produção é a tendência dominante em Fernando Pessoa para o pensamento reflexivo e a simultânea atração pelos vários gêneros literários: ficção, poesia, teatro e também pela filosofia que ele considerava uma arte. Em seu afã de descobrir a forma mais adequada à expressão do conhecer, Fernando Pessoa tentou todos os gêneros, inclusive o conto policial . É de se compreender, pois, seu obsessivo interesse pela filosofia, onde é a própria possibilidade do conhecimento, o fenômeno investigado."

Entretanto, apesar desse interesse, sua verdadeira realização se deu apenas no campo da poesia. Em suas reflexões filosóficas, Fernando Pessoa não chegou a nenhuma síntese. 0 pensamento de Fernando Pessoa não foi filosófico no sentido tradicional do termo, porque foi, antes de tudo, uma arte do paradoxo e uma concepção lúdico-artística da filosofia. E o próprio poeta não se enganava com essa sua preocupação obsessiva: "Eu era um poeta impulsionado pela filosofia, não um filósofo dotado de faculdades poéticas."

Não só Fernando Pessoa, mas toda sua geração, estava o encalço de um novo "conhecimento", de uma nova "abertura" para a vida. Em face de uma cultura e de uma arte que se esfacelavam, recolocavam interrogações sobre o Ser, o Estar-no-mundo e o Conhecer que os novos tempos passaram a exigir.

Poeta que viveu no primeiro momento da crise que, em nosso século, iria dividir as águas entre o Tradicional e a Modernidade, Fernando Pessoa muito cedo revela uma aguda consciência de que o novo processo de Criação já havia começado, mas estava ainda limitado aos próprios criadores, não tendo ainda eclodido para todos. Lá fora no panorama geral da nação, reinava a paralisação das formas de vida mas no enigmático campo da criação o novo já nascia.

A respeito de Fernando Pessoa, poderíamos dizer que mais do "viver para criar", ele criou para viver, tal foi o grau de entrega de seu ser à tarefa poética. A nosso ver, à essa opção de vida, que precisa estar presente no espírito daquele que se disponha a conhecer esse multifacetado universo poético. Sem um mínimo de "sintonia" com as inquietudes que dinamizara a criação fernandina, o eventual leitor se arrisca a "passar ao largo" de sua essencial beleza e significação. Poesia e Filosofia nela se reúnem, em um excepcional fenômeno poético que tem, em suas raízes, a crise do Conhecimento que eclode em nosso século, desde os primeiros anos. E aqui tocamos em um dos "nervos" centrais desse intrigante organismo poético-filosófico que é a obra fernandina: os modos de conhecer. Poeta do século XX, tal qual seus companheiros de geração (os "grandes" Ezra Pound, T.S.Eliot, Valery, cubistas, futuristas, surrealistas ...) e em diferentes graus, Fernando Pessoa foi um obsessivo investigador do Conhecimento. Ou mmelhor, das novas possibilidades ou impossibilidades de um conhecimento objetivo do homem/palavra/mundo/Deus, em um universo em acelerada transformação.

Pode-se dizer que é esse o fulcro filosófico que unifica ou identifica, na origem, seus diversos heterônimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) ou os semi-heterônimos (Bernardo Soares, Barão de Teive, Vicente Guedes, José Pacheco, Antônio Mora...). Por diferentes que se mostrem entre si, igualam-se todos por um impulso de raiz: a ânsia de conhecer. É natural que em face de um mundo cujos valores, definições, limites e certezas ruíam irremediavelmente, a arte se voltasse para as possibilidades de um novo conhecer. Nesse sentido, duas diretrizes se abrem para as buscas: a que investiga os próprios meios de expressão e a que investiga o "eu" através do qual a Arte se realiza.

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