Encontros na Praça Central


- Está morto ?
- Não sei. Nunca vi um morto antes.
- Bem, então este é o primeiro.
- É possível, mas eu não saberia reconhecê-lo, como já disse.
- Saberia distinguir se ele estivesse vivo ?
- Sem dúvida. Já vi vários vivos.
- E reconhece vida nele ?
- De fato não. Mas não me precipito em declará-lo morto.
- Bem, uma vez que ele não está vivo, só pode estar morto, não é ?
- É bastante provável. Mas isso só ele pode nos precisar.
- Infelizmente se ele estiver morto não poderemos obter resposta alguma.
- É, infelizmente permaneceremos na dúvida.
- Por outro lado, se ele estiver vivo, poderá nos esclarecer.
- Isso. E sem dúvida eu acreditaria no seu depoimento.
- O que devemos fazer então ?
- Em relação a que ?
- Em relação a ele.
- Estou certo de que não devemos fazer nada. Se ele estiver vivo, a etiqueta manda que não nos metamos na vida alheia. Se estiver morto, não há como fazer isso.
- E o que acontecerá com ele ?
- Ora, se estiver mesmo morto, caso não paire nenhuma dúvida sobre isso, e nesse assunto devo ressaltar que realmente é necessário ter certeza, enfim, alguém o encontrará, ira se apiedar dele, irá vesti-lo, chorar e rezar por ele e finalmente irá enterrá-lo. Talvez esse alguém seja uma mulher.
- E se ele estiver vivo ?
- Acontecerá mais ou menos a mesma coisa. Só que ele mesmo tomará a maior parte destas providências, e, provavelmente, levará uma vida inteira nestas tarefas.
- Devemos então deixá-lo aqui ?
- Já disse que não costumo me meter na vida alheia. Coisa que você deveria também fazer.
- Que seja, mas ele parece tão morto...
- Não há como estar tão ou tanto morto. Isso por si só já gera alguma dúvida sobre seu estado.
- Mas acho que ele se parece muito com um morto.
- O que não é garantia de nada. Mesmo porque os mortos, depois de mortos, se parecem muito, ao contrário, mas não muito, dos vivos, que, quando vivos, apresentam algumas diferenças.
- Mas supondo que ele esteja morto, como deveríamos proceder ?
- Não deveríamos fazer absolutamente nada. Também não costumo me meter na morte alheia, que isso é ocupação exclusiva de padres e juízes.
- O senhor realmente me confunde. Se não há nada a fazer, porque não seguimos nosso caminho ?
- Admito que isso possa parecer um pouco complicado, mas realmente não é. Permanecemos aqui, primeiramente, porque eu não conheço você, portanto não podemos seguir nosso caminho, uma vez que eles provavelmente não são os mesmos. Depois, é inconcebível que alguém encontre um corpo na rua e não se detenha.
- Bem, eu só parei mesmo porque o senhor já se encontrava aqui, ao lado dele, e pensei que poderia ajudar.
- Lamento, mas se ele estiver morto, nossa ajuda chegou tarde. Se estiver vivo, precisará de ajuda a vida toda, como é comum; e nem eu nem você temos disponibilidade para isso.
- Então acho que sendo assim, não me resta nada a fazer a não ser ir embora.
- Isso não posso saber. Desconheço o que você fez até hoje, portanto não posso avaliar o que ainda resta por fazer.
- De qualquer maneira tenho que ir embora. Já estou atrasado para o serviço e o patrão é muito exigente.
- Este aqui não é seu patrão ?
- Não, por certo que não. O patrão é gordo e...
- Então realmente deve preocupar-se.
- Sim, vou-me embora. O senhor permanecerá aqui ?
- Por hora.
- Adeus.
- Adeus.

 

João Carlos Rocha Campos
Jan/00