QUALQUER
DIA DESTES
Qualquer dia destes a saudade virá me buscar.
Confesso que terei um certo receio dela, pois vejo que me vem com fisionomia
triste.
Não posso, porém, fugir dela. Ela me levará para recantos
que eu fingi sempre ter esquecido.
Um pedaço de praia. Uma ilha distante. Ondas que se levantam. Fecho
os olhos para fugir da lembrança.
Perceberei, então, que a saudade me levou para outro lugar, sem
tirar-me dali.
Verei muitos rostos e muitas flores. Tristes, como triste é a saudade.
E eu chorarei lágrimas que julgava terem ficado na saudade, até
que as sentisse de novo pelo meu rosto...
Um dia destes eu pensarei que os relógios andam de diante para trás.
Um dia destes eu pensarei isto sim...
Pararei, com o tempo que voltou, perante momentos que eu desejaria apagar
daquilo que aconteceu e que eu daria tudo para que não acontecesse.
Como pararei diante de outros fatos, que eu desejaria que o tempo houvesse
parado diante deles...
Não conseguirei, porém, nem repetir o que não deveria
ter passado, nem impedir que acontecesse o que aconteceu.
Ai então é que ficarei perplexo, sem saber o que fazer das
lembranças...
Qualquer dia destes eu acreditarei que os sonhos acontecem.
Por isto, neles mergulharei como nunca...Sonharei de olhos fechados. Igualmente
sonharei de olhos abertos. Acreditarei no devaneio, aceitarei a realidade
da quimera, construirei castelos de areia.
Preciso que isto aconteça, qualquer dia destes...De repente, porém,
e qualquer dia destes, eu me convencerei de que há sonhos difíceis,
às vezes impossíveis de realizar.
Por isto, terei medo de sonhar, porque existe a possibilidade de os sonhos
frustados se transformarem em pesadelos...
Pode acontecer, assim, que eu nem durma e que fique caminhando no escuro,
buscando figuras dentro da insônia, como quem procura alguma coisa
dentro da fumaça.
Qualquer dia destes eu perceberei nitidamente que há coisas que
não morrem, que não terminam nunca.
Que há o que continua, lembrando a própria vida que não
para...Por isto, terei flores de novo em minhas mãos. Não
adianta os cépticos, os incrédulos virem me dizer que tenho
apenas ramos secos entre os dedos...
Terei pena deles, os pobres, que não vêem as pétalas,
que não sentem o perfume das flores que trago e que comigo continuam
mesmo depois que as corolas de há muito secaram...
Qualquer dia destes, eu me verei contando histórias. Procurarei
fazer com que sejam bonitas, que tenham um enredo que encante, uma tessitura
com algo musical, começo, meio e fim que se completem harmoniosamente...
Qualquer dia destes, podem estar certos de que eu contarei fábulas
ou fatos que eu jurarei reais, cheios de fascínio e de beleza. E
tudo farei para que eu seja o primeiro a acreditar no que estiver contando...
Qualquer dia destes eu perceberei que a vida, por mais que dure, é
tudo aquilo que concentramos num dia de eternidade...
Eu direi isto, e ouvirei isto.
De você. A você. Qualquer dia destes...