A Arquitectura

 

Apesar de Brunelleschi ter sido o maior e mais ousado mestre de Donatello, este último não criou sozinho o estilo escultórico do proto-renascimento. Pelo contrário, a nova arquitectura deve a sua existência a um só homem, Brunelleschi dez anos mais velho que Donatello, e que começo a sua carreira como escultor.

Depois de perder o concurso de 1401-2 para as primeiras portas do Baptistério, esteve em Roma com Donatello. Aí estudou monumentos da arquitectura antiga e consta que foi o primeiro a medi-los com concisão e rigor.

E ao procurar um método certo de tirar as medidas para o papel, deve ter descoberto o começo da sua perspectiva, panorama científico. O que terá feito durante o seu longo período de elaboração não sei e julgo ninguém saber, pelo o que aprofundei, em 1417-1419 encontramo-lo de novo a competir, a concorrer com Ghiberti, desta vez para a construção da cúpula da Catedral.

Catedral de Florença

Começada por Arnolfo di Cambio- Cúpula de Filippo Brunelleschi.

 

A planta tinha sido feita meio século antes e só no pormenor poderia ser modificada, mas o seu considerável tamanho punha um problema difícil de resolver. As ideias, e conselhos de Brunelleschi e apesar de contrárias à aplicação tradicional, impressionaram tanto as autoridades que desta vez ele venceu o seu rival. Deste modo, a cúpula merece ser considerada a primeira obra arquitectónica pós-medieval, se não pelo estilo, pelo menos como a realização de engenharia.

A grande realização de Brunelleschi foi ter construído a cúpula em dois grandes cascos ou armaduras separados (um dentro de outro), engenhosamente ligados de forma a fortificarem-se mutuamente. Como o peso total da estrutura ficava assim mais leve, ele pôde dispensar a maciça e difícil armação de madeira exigida pelo velho método de construção. Em vez de utilizar rampas para os transportes dos materiais de construção até à altura precisa, traçou máquinas para os içarem, arrebitarem. Todo o seu projecto reflecte um espírito arrojado e analítico, que rejeitou sempre as soluções resultantes quando outras melhores podiam ser concebidas. É esta nova atitude que distingue Brunelleschi dos mestres de pedraria - arquitectos do Gótico, com os seus processos consagrados por antigas práticas.

Em 1419, San Urenzo quando estava a trabalhar nos planos finais para a cúpula, Brunelleschi teve a primeira oportunidade de criar edifícios completamente alcançados por ele. Os planos que traçou impressionaram de tal maneira o seu cliente que este lhe pediu um projecto para refazer a igreja toda. A construção, começada em 1421, foi tanta vez interrompida que o interior só ficou acabado em 1469, mais de vinte anos depois da morte do arquitecto (o exterior ainda hoje se encontra por concluir). Apesar disso, o edifício no estado actual é essencialmente aquilo que Brunelleschi gizara delineara, determinara c. 1420, e representou assim a primeira afirmação completa dos seus objectivos arquitecturais.

Representação esquemática da estrutura da cúpula da catedral de Florença

 

 

À primeira vista, a planta chega a parecer pouco original. Pela configuração.

Pela configuração, recorda as igrejas do Gótico de Cister, e tanto a nave como o transepto não possuem abóbadas, tal como Sta. Croce. A originalidade consiste na acentuação da simetria e da regularidade. O traçado é inteiramente composto de unidades quadradas: quatro das maiores formam a capela-mor, o cruzeiro e os braços do transepto. Mas observaram-se, contudo, alguns pequenos desvios deste esquema- os braços do transepto são ligeiramente mais compridos que largos, e o comprimento da nave não é de quatro, mas de quatro vezes e meia a sua largura.

Uma simples avaliação explicaria estas fragilidades aparentes. De início, Brunelleschi deve ter decidido fazer a área do pavimento da capela-mor igual a quatro das unidades quadradas pequenas; a nave e o transepto seriam assim duas vezes mais largas que as colaterais ou as capelas. Mas não tomou em conta a inevitável espessura das paredes entre aqueles compartimentos e assim os braços do transepto têm a largura de duas unidades e o comprimento de dois quadrados, mais a espessura de uma parede; o "excesso" do comprimento de nave é devido à espessura somada das paredes que separam as sete capelas laterais. Por outras palavras, Brunelleschi concebeu San Lorenzo como um agrupamento de "blocos espaciais" abstractos.

Compreendido isto, já farei uma ideia de quanto ele foi revolucionário, pois tais compartimentos claramente definidos e separados representam um afastamento total relativamente às concepções, aos conceitos dos arquitectos do Gótico.

O interior vem esta expectativa. Uma ordem fria e estática substitui agora o calor emocional e o contínuo movimento espacial dos interiores das igrejas góticas. San Lorenzo não nos entusiasma, não nos arrasta a prosseguir depois de entrarmos - damo-nos por satisfeitos ao pé da porta, porque a nossa vista parece abarcar toda a estrutura, quase como se, daquela posição privilegiada , suportássemos uma demonstração especialmente clara e convincente da perspectiva científica. O efeito geral faz lembrar quer as "antiquadas" igrejas do Romântico Toscano- como a Catedral de Pisa quer as primeiras basílicas, monumentos que exemplificavam, para Brunelleschi, a arquitectura religiosa da Antiguidade Clássica. Foram eles que inspiraram o retorno aos arcos de volta-perfeita e às colunas, em vez de pilares, nas arcadas da nave. Todavia, esses edifícios não possuem a leveza transparente e a articulação maravilhosamente breve e exacta de San Lorenzo. Ao contrário das Brunelleschi, as suas colunas são maiores e estão mais juntas, tendendo a formar cortina entre as colaterais e a nave central. Somente a arcada do Baptistério Florentino é tão elegantemente proporcionada como a de San Lorenzo , mas é uma arcada cega, sem nenhuma função de suporte nesse tempo julgava-se que o Baptistério tinha sido um templo clássico).

Mas Brunelleschi não ressuscitou o vocabulário arquitectónico dos Antigos por puro entusiasmo de arqueólogo. A verdadeira qualidade que se lhe impôs nos elementos componentes da arquitectura clássica - o seu rigor - era aos olhos medievais, o seu principal defeito. A coluna clássica, ao contrário da coluna ou pilar medieval, é rigidamente definida e auto-suficiente, e as suas partes e proporções só podem variar dentro de estreitos limites (os Antigos concebiam-na como uma estrutura orgânica, comparável ao corpo humano); o arco de volta-perfeita, clássico, ao contrário de qualquer outro (de ferradura, quebrado, etc.), só tem um traçado possível, em semicírculos; as arquitraves e o repertório de perfis e ornamentos estavam por igual sujeitos a regras ajustadas, estritas. Não que o vocabulário clássico fosse inteiramente inflexível, se tal acontecesse, não teria perdurado desde o sétimo século a.C. até ao século IV a.C., mas o espírito disciplinado das ordens gregas, que se fez sentir até nos mais originais edifícios romanos, exige regularidade e coerência, coesão; e opõem-se a todo e qualquer desvio arbitrário das normas.

Sem ajuda deste vocabulário uniformizado, teria sido impossível a Brunelleschi definir de modo tão persuasivo, evidente a configuração dos seus blocos espaciais.

Brunelleschi põem em evidência os contornos ou "juntas" das unidades, sem lhes quebrar a sequência rítmica. Um exemplo especialmente digno de atenção encontra-se nas abóbadas das colaterais: os arcos mestres assentam em pilastras em bebidas na parede exterior (correspondendo às colunas da arcada da nave), mas uma arquitrave firme, contínua, frequente sobrepõem-se aos arcos e pilastras, ligando todos os tramos.

Seria de esperar que estes fossem cobertos por abóbadas de aresta, do tipo novo de abóbada, cuja superfície curva é formada pela parte superior de uma cúpula hemisférica (ou seja, de raio igual a metade da diagonal do divisória quadrada). Evitando as nervuras, a até as arestas, Brunelleschi criou uma abóbada "de uma só peça" espantosamente simples e geometricamente regular que faz de cada tramo uma unidade distinta.

 

Poderíamos perguntar, se a nova arquitectura se compõem essencialmente de elementos independentes justapostos, quer sejam espaços, colunas ou abóbadas, e como ligou Brunelleschi estes elementos entre si ? porque parece tão bela unidade o interior de San Lorenzo? Há sem dúvida alguma, um princípio dominante que explica o carácter agradável, harmonioso e equilibrado da sua concepção: ao que aprofundei, Brunelleschi estava convencido de que o segredo da boa arquitectura residia em dar as proporções "exactas" ou seja, relações proporcionais expressas em simples números inteiros - a todas as medidas principais de um edifício. Acreditava que os Antigos concebiam este segredo e tentou redescobri-lo observando cuidadosamente o que restava dos seus monumentos. O que descobriu e como aplicou a sua teoria às próprias concepções, não se sabe ao certo.

No ressurgimento das formas clássicas, a arquitectura do Renascimento encontrou um vocabulário padrão. A teoria das proporções harmónicas deu-lhe uma espécie de sintaxe, quase sempre distante da arquitectura medieval. E para que esta ordem, relativamente inflexível, não possa se interpretada como um empobrecimento arquitectural.

O ressurgimento do Latim e do Grego no renascimento não enfraqueceu estas línguas. Pelo contrário, a influência clássica tomou-as mais estáveis, concisas e articuladas, de tal modo que o latim não tardaria a ceder a posição dominante que tinha mantido durante toda a Idade Média. Como língua do discurso intelectual.

De maneira semelhante , o ressurgimento das formas e proporções clássicas deu auxílio, deu azo a que Brunelleschi transformasse o "vernáculo" arquitectónico da sua região num sistema estável, preciso e articulado. A nova racionalidade das suas concepções difundiu-se logo pela Itália e a pouco e pouco por todo o Norte da Europa.

A Capela dos Pazzi. Entre os edifícios de Brunelleschi que perduraram, nem uma única fachada conserva o seu traçado original, sem alterações posteriores de outras mãos. Investimentos recentes mostram que a própria fachada da capela dos Pazzi já não pode ser considerada uma excepção.

Capela Pazzi

A capela foi começada e. 1430, mas Brunelleschi (que morreu em 1446) não pode ter planeado a fachada actual, que data de 1460 e continua por acabar. Não obstante é uma verdadeira criação original, em tudo diferente de qualquer aparência da Idade Média. Um pórtico lembrando o nártex das primeiras basílicas cristãs. Antecede a capela, fazendo que a fachada pareça encobrir o corpo principal. O arco central que liga duas secções de uma colunata clássica é uma inovação de primeira ordem, para enquadrar o portal, ao fundo, e dirigir o olhar até á cúpula. A planta (gravura 555) mostra que a arquitrave interrompida serve de apoio a duas abóbadas de berço, as quais, por sua vez, suportam uma pequena cúpula ao centro.

Dentro da capela, encontra-se o mesmo motivo numa escala maior - duas abóbadas de berço acompanham cúpula, á qual se segue uma outra, idêntica á da entrada, sobre o compartimento quebrado do altar. As superfícies interiores, juntas de um modo parecido às de San Lorenzo, ganham-lhe pelo efeito mais rico e festivo. Aqui, encontramos também alguma escultura: grandes medalhões nos quatro pendentes da cúpula central, com imagens dos Evangelistas (um deles é parcialmente visível na gravura 554), e doze relevos mais pequenos, dos Apóstolos, nas paredes.

Corte longitudinal da capela dos Pazzi

 

 

Estes relevos não são, porém, essenciais no traçado da capela. Brunelleschi desenhou as molduras, mas talvez não as imaginasse como enquadramento de escultura; é muito possível que tenha concebido medalhões de fundo liso, como os painéis - arcos cegos - que ficavam por baixo. Seja como for, a interdependência medieval de arquitectura e escultura deixara de existir.

Donatello, dera independência ás estátuas, libertando-as dos quadros a que as sujeitavam. Por outro lado, Brunelleschi ao conceber a arquitectura como o equivalente visual de harmonias musicais, não permite á escultura que desempenhasse um papel superior ao dos medalhões na capela dos Pazzi.

S. Spirito e Sta. Maria degli Angeli. Ao principiar a década de 1430 quando a cúpula da Catedral estava quase pronta, a evolução de Brunelleschi como arquitecto entrou numa decisiva e nova fase. O traçado da igreja de S. Spirito pode ter tido por uma interpretação aperfeiçoada de San Lorenzo: os quatro braços do cruzeiro são iguais, a nave principal é distinguida da colaterais apenas pelo seu maior comprimento e toda a estrutura parece envolvida pela sequência contínua de naves e capelas. Estas constituem o traço mais surpreendente de S. Spirito. Brunelleschi, que rejeitou sempre a abside (capela-mor) utilizou-a para exprimir com maior dinamismo a relação entre o espaço interior e os seus Emites (a parede aprece dilatar-se para fora sob pressão desse espaço).

 

Planta da Igreja de S. Spirito Planta de Sta. Maria degli Angeli

Na Igreja de Sta. Maria degli Angeli uma cúpula e planta centradas (a primeira do renascimento) foram criadas por Brunelleschi. Foi inspirado por estruturas circulares e poligonais dos tempos romanos.

As dificuldades financeiras impediram de prosseguir com a obra além do rés-do-chão. Brunelleschi criou uma cúpula assente em oito pesados pilares; tanto a parede como o espaço estão carregados de energia, e a planta mostra um equilíbrio precário. Esta igreja estava tão adiantada em relação a S. Spirito que deve ter confundido os seus contemporâneos por completo. Foi uma obra bastante trabalhada podemos assim concluir.

Brunelleschi criou também o projecto para o palácio dos Medici, mas o projecto foi chumbado por ser muito grandioso. Os Medici chegaram a um poderio em que o próprio governo de Florença os pertencia, isto na prática é claro. Portanto era importante não ostentar tal poderio, por isso encomendaram a obra a Michelozzo, um jovem e pouco conhecido arquitecto de Florença, em vez de aceitarem Brunelleschi.

A construção do palácio deu-se em 1444, dois anos antes da morte de Brunelleschi. O palácio foi construído tipo fortaleza, sendo as janelas do rés-do-chão acrescentadas setenta e cinco anos mais tarde por Miguel Angelo.