Um retrocesso
                Jornal A Tarde, Salvador-BA - 09/01/99

                Renato Costa

                    O saudoso Otávio Mangabeira, ex-governador da Bahia, gostava de dizer
                sempre que se alguém ouvisse falar de um absurdo com certeza na Bahia já
                haveria precedente. E, para dar razão ao velho Mangabeira, o governo
                estadual cria mais um destes precedentes do absurdo. Trata-se da reforma da
                Constituição da Bahia, onde são modificados 75 itens e revogados 38, além
                de incluir oito novos itens. Mexe-se em um terço da Carta Magna baiana.
                A Assembléia Constituinte, que elaborou a atual Constituição da Bahia, foi
                instalada em 12 de outubro de 1988, presidida pelo deputado Coriolano
                Sales e tendo como relator o deputado Fernando Daltro. Para que se
                chegasse ao texto final, promulgado em 5 de outubro de 1989, foi preciso um
                trabalho exaustivo, um amplo debate com a sociedade, com 39 sessões
                ordinárias e 22 audiências públicas nas principais cidades do Estado da
                Bahia.
                    Dentre os constituintes da época que puseram sua assinatura histórica estão o
                governador César Borges, o vice-governador Otto Alencar, o atual
                presidente da Assembléia Legislativa, Antonio Honorato, o atual líder do
                governo, deputado José Ronaldo, dentre outros constituintes que continuam
                exercendo o mandato de deputado estadual e integram a bancada da atual
                maioria governista.
                    Eis o absurdo que Otávio Mangabeira vaticinava: a Assembléia Legislativa do
                Estado da Bahia, no seu recesso parlamentar iniciado em 15 de dezembro
                próximo passado, se autoconvocou, de acordo com o seu regimento, para
                votar mensagens enviadas pelo Executivo. Uma delas extrapola o abuso do
                poder. O governador envia para a Assembléia Legislativa a proposta de
                reforma da Constituição sob forma de Projeto de Emenda Constitucional para
                ser votada de uma só vez, em nove dias, sem nenhuma possibilidade de que
                os 19 deputados de oposição possam fazer qualquer emenda, nem sequer
                formar uma Comissão de Reforma Constitucional. Esta é a maneira adequada
                para tratar matérias como esta e não enfiando goela abaixo, na mais explícita
                prática de política do rolo compressor.
                    Registramos nossa indignação, o nosso protesto e vamos tomar medidas
                judiciais para impedir este precedente do absurdo baiano. Argumentam eles,
                os governistas, que não é reforma. Que é uma simples adaptação à Carta
                Magna federal recentemente reformada. Acontece que a Constituição
                brasileira, para ser reformada ou alterada passa por um amplo debate no
                Congresso Nacional. Mas na Bahia, Ah! na Bahia, não precisa discutir com
                ninguém, pois o “prato feito” do Executivo é sistematicamente engolido, sem
                alterar sequer uma vírgula e nem mesmo erros de português, pela obediente
                maioria de deputados governistas da Assembléia Legislativa.
                Com o eufemismo que não é reforma, a Assembléia Legislativa abdica do
                dispositivo que lhe permite convocar o Executivo quando necessário. Ela
                pode dar posse ao governador e vice-governador, mas vai ficar proibida de
                ouvi-los. Isto é puro masoquismo político, uma autoflagelação do Poder
                Legislativo baiano.
                   O projeto que eles insistem em não considerar reforma altera o único
                conselho baiano em que a sociedade tem participação efetiva e democrática,
                que é o Conselho Estadual de Proteção ao Meio Ambiente – Cepram.
                 (Grifo nosso)
                    A comunidade científica baiana também está perplexa pois a proposta do
                Executivo suprime o artigo 267, que cria obrigatoriamente uma fundação de
                apoio à pesquisa científica e tecnológica. Fundações como as que já existem
                em vários estados, como a Fapesp, em São Paulo, que está em pleno vigor e
                funcionando com toda autonomia. Na Bahia, a instituição pioneira desse tipo
                foi a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, instalada em 1950 por
                iniciativa de Anísio Teixeira, então secretário estadual de Educação e Saúde,
                que conseguiu assegurar que os recursos para o funcionamento fossem
                fixados na Constituição estadual de 1947 na forma de um percentual da
                receita tributária do estado. Enquanto a Fapesp, instalada em 1962, funciona
                com eficiência reconhecida internacionalmente, a congênere da Bahia foi
                extinta em 1975 no final do primeiro mandado do Sr. Antonio Carlos
                Magalhães.
                    A Constituição de 1989 assegurou a criação de uma Fundação Bahiana de
                Amparo à Pesquisa, mas vem faltando vontade política para concretizá-la.
                Aliás, a bem da verdade, o governador Paulo Souto, professor universitário
                da área de Geociências, chegou a ter vontade, chegou a assumir o
                compromisso de criar a fundação baiana, mas faltou-lhe autonomia suficiente
                para cumprir o prometido. Ficou em débito com a comunidade científica
                baiana. Existe também na Constituição federal a emenda Florestan Fernandes,
                que consagrou a possibilidade de vinculação de recursos provenientes da
                arrecadação tributária estadual para o custeio de atividades de fomento à
                pesquisa. Se a Constituição federal foi emendada, vamos também emendar a
                estadual, mas dentro do cuidadoso rito que as matérias constitucionais
                requerem.
                    Quanto à fundação baiana, o eminente professor Milton Santos, um dos seus
                mais ilustres representantes da Bahia, recentemente, numa sessão especial
                realizada nesta própria Assembléia Legislativa, requereu oralmente ao
                governador César Borges a criação da Fundação Baiana de Amparo à
                Pesquisa. E agora o governador inviabiliza o pleito, revogando o artigo da
                Constituição que prevê a criação da mesma.
                    Registramos nosso mais veemente protesto como deputado eleito pelo povo
                para compor um Poder Legislativo cuja atribuição é legislar. Recusamos a
                função homologadora que esta Casa vem se submetendo. Mas dessa vez o
                governo exagerou, pois constituições não são escritas em gabinetes do Poder
                Executivo. Qualquer constituição que se presuma democrática tem que ser
                escrita ou reformada por legisladores com respaldo do voto popular e para
                que seja legítima, tem que ser amplamente discutida com seus maiores
                interessados: a sociedade. Desta forma a Bahia, em vez de avançar, recua.
                Por sinal um péssimo recuo.
 
                Renato Costa é deputado estadual, líder do PSB.

 

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                Editor: Marcos Venancio
                Suporte: Elisandro Lima
                Operadores: Marcelo Conceição e Miguel Ivân Carneiro


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