A vídeo-arte engloba vídeo-instalação, vídeo-interação, vídeo-performance, videodança, videotexto, videoclip, vídeos criados a partir de computação (gráfica e organizacional da imagem), documentários cuja sintaxe supere a narrativa, enfim, tudo que fuja da convencional televisão, documentação e jornalismo.
Diante da amplitude do que seja vídeo-arte tênues parâmetros podem ser usados para delinear videoperformance que, em princípio, pressuporia que em sua organização sintática houvessem sintagmas herdados ou traduzidos da performance, como atuação, temporalidade, ambigüidade, apresentação maior que representação, alusão ao efêmero e ao insólito. Videoperformance poderia ser conceituada então como uma performance de segundo nível, já que uma é conseqüencial a outra. Neste nivelamento não estariam questões qualitativas.Tentarei aqui delinear esses parâmetros.
Os primeiros performers que se utilizaram do vídeo o atacam em sua materialidade. Presença alienante do espectador "receptáculo" era o símbolo da dominação e da manipulação da massa "inconsciente". Wolf Vostell, muito antes da invenção do videotape atestava sua inconformidade contra a televisão e a agredia, em suas performances e instalações, como "ser material" embora simbólico. Atos como atirar (com arma) na tela, amarrá-la com arame, enterrá-la em cimento simbolizavam a inconformidade contra o gigante que ameaça a aprisiona e não se deixa tocar porém.
Nam June Paik, mais espiritual, desconstruia a imagem a partir da sua "estrutura imaterial", para criar outra mensagem cuja matéria era a própria imaterialidade: feixes de elétrons reajustados a partir de interferência eletromagnética.
Vostell e Paik são polos opostos na vídeo-arte, entre eles situa-se a videoperformance, porque ela faz a síntese entre o material e o imaterial. Na videoperformance, como o próprio nome já diz, vídeo representa no mínimo metade do trabalho, a parte restante é performance. Isso quer dizer que um sem o outro é exatamente aquilo que o seu nome diz: ou vídeo, ou performance.
É próprio da performance, embora não uma generalidade, a colagem multimidiática e desde o aparecimento da televisão o novo (velho) meio tem sido utilizado largamente. Entretanto, não basta ser uma performance com vídeo para caracterizar a videoperformance. Espetáculos como os de Joan Jonas, Merce Cunningham, Laurie Anderson, também de brasileiros como José Roberto Aguilar, não deixam dúvidas da interação/oposição possível ou necessária com o vídeo enquanto materialidade (ou imaterialidade).
Se não basta usar vídeo em uma performance para realizar videoperformance, como diferenciar então se até entre os realizadores e estudiosos o conceito de videoperformance é bastante flutuante, não havendo um real consenso? Mas acaso há consenso sobre o que seja vídeo-arte?
Bem, a falta desse consenso existe em função dos limites que são ínfimos entre as linguagens que se utilizam desse meio (o vídeo), como é o caso da performance em relação ao teatro ou a instalação, por exemplo. A respeito disso Peter Frank argumenta: "Onde a imagem termina e começa o environment, onde o environment termina e começa a performance - esses limites são tênues, se é que eles existem mesmo." 5
Dany Bloch define videoperformance "como uma atuação na qual o vídeo faz a maior parte; ou poderia ser o uso simultâneo da vídeo e do corpo do performer" 6 onde a câmara teria função tão importante quanto a do corpo. De todo modo essa definição deixa brechas para considerações subjetivas do tipo o que é importante num trabalho. Como definir a importância de determinado elemento dentro da uma colagem, como é o caso das linguagens híbridas tratadas aqui. E ainda, a questão da simultaniedade do uso do vídeo e do corpo é aplicável a um caso de performance cujo detalhamento da ação seja feita no vídeo, durante o espetáculo. Ora, isso não é videoperformance. Apenas o vídeo é usado como elemento a mais na colagem multimidiática. É claro que a sua função ali tem a ver com a proposta do performer, tem alguma relação simbólica ou formal com o todo, mas é um elemento que se agrega ao todo.
Willoughby Sharp 7 define a videoperformance "como um trabalho de performance no qual o vídeo é tanto integrante quanto inseparável da própria performance - do ponto de vista do espectador - de modo que o trabalho não pode ser assimilado na ausência do elemento vídeo."
Esse conceito, bastante específico, pode ser aplicado à uma videoperformance como "Claim" (1971), onde o público assistia em sala separada a atuação de Vito Acconci. Havia um certo tipo de interação possível que era a de alguém se atrever a invadir o espaço dele; também como as pancadas que o performer dava na parede com uma barra de ferro eram "sentidos" na sala onde estava o público, a recepção não se dava só ao nível tátil/visual/auditivo da TV. É o próprio Sharp quem classifica "Claim" como a primeira videoperformance realizada e, embora no seu conceito não apareça uma atenção especial com relação ao papel do espectador é sem dúvida um conceito que resolve videoperformance como definição.
As "Videocriaturas" de Otávio Donasci são para Julio Plaza8 um caso bem claro de videoperformance, onde há explícita "uma simbiose entre corpo e vídeo. Há igualdade de oportunidade tanto para o corpo quanto para a máquina", ou seja, "é um signo construído a partir da interação, da isomorfia entre vídeo e performer". Segundo pensa, para ser videoperformance "seria preciso haver isomorfia entre uma estrutura performática entendida no sentido de atuação real no espaço real e uma estrutura tecnológica, prevendo uma montagem entre essas duas de tal forma a criar uma síntese."
Tanto Sharp quanto Plaza atentam para a necessária inseparabilidade entre vídeo e atuação sob pena de não obter a resolução do signo estético; entretanto, nenhum dos dois aborda, embora tenham o conhecimento, a questão do espectador como parte integrante e ativa da videoperformance.
Se numa performance a ação só se desenvolve no tempo e espaço mediante uma interação em algum nível, psíquico e/ou físico com o espectador, essa premissa deve estar presente no caso da videoperformance. Teremos então performer-vídeo-espectador interagindo num tempo e espaço específicos.
Mesmo no caso de "Claim", onde a platéia ficava separada, havia uma possibilidade latente de alguém invadir o espaço de Acconci (o nível máximo de interação). Apenas 3 pessoas se atreveram. As pessoas eram alertadas a não invadirem com provocatórias que tinham o efeito inverso, isto é, quando ele ameaçava matar quem se atrevesse estava subliminarmente solicitando o confronto. As "Videocriaturas" da mesma forma, só se completam quanto invadem o espaço alheio ou "dialogam" ativamente com o espectador.
A videoperformance personifica um "potencial dialógico"9 entre o espectador e o performer através do elemento vídeo. Esse potencial pode ser mais ou menos utilizado mas deve ser manifestado, como no caso de Gina Pane em "Nowrriture" (1971), que obtinha um retorno dos espectadores através de uma câmera que os focalizava enquanto ela, de outra sala, mantinha comunicação.
Porém, a interação entre performer e espectador não se restringe ao verbo/visual. O próprio fato de alguém estar "assistindo" a uma videoperformance presume uma presença física. Isto já é interação a um nível baixíssimo, é claro. Ainda este nível está sujeito as alterações de humor frente ao trabalho de acordo com o repertório que esse espectador traz. Ocorre a nível psíquico primeiramente, aumentando segundo interferência da videoperformance naquele repertório. É quase o mesmo caso de relação com o espectador que há na performance, apenas sujeito a um intermediário necessário: o vídeo.
Num trabalho como o de Chris Burden, "Back to You" (1974) é evidente o papel do espectador. O trabalho não se equaciona sem a participação do voluntário que se predispõe a entrar no elevador onde Burden se encontra e a enfiar-lhe os alfinetes no corpo. O vídeo por sua vez é o que permite haver esse contato, portanto ele intermedeia imprescindivelmente.
Desse modo, na videoperformance, essa interdependência entre parte corpórea e parte tecnológica gera um meio híbrido resolvido caracterizando-se a síntese, justificando a classificação como intermídia. "A combinação de dois ou mais canais a partir de uma matriz de invenção, ou a montagem de vários meios pode fazer surgir um outro, que é a soma qualitativa daqueles que o constituem. Nesse caso a hibridização produz um dado inusitado, que é a criação de um meio novo antes inexistente. Uma segunda possibilidade é superpor diversas tecnologias sem que a soma, entretanto, resolva o conflito. Nesse caso, os múltiplos meios não chegam a realizar uma síntese qualitativa, resultando uma espécie de colagem que se conhece como multimídia." (PLAZA, 1987: 65) Aqui agrupar-se-iam aquelas performances onde se utilizam entre outras apropriações na sua colagem, o vídeo, como parte opcional integrante, o que poderia ser exemplificado pela Video instalação e Performance DARAGÓY , de Inês Cardoso, participante do 11 Videobrasil (1996) no SESC Pompéia -SP . Ali a informação semântica evolui quando acontece a performance embora a instalação videográfica tenha estrutura absolutamente autônoma. Durante o evento elementos de ligação e compensação do equilíbrio simétrico da obra nos são passados. Ou seja, uma estrutura tecnológica fria encontra o seu oposto complementar no existente corporal e energético dos seres que se apresentam: -Inês e duas atrizes. Importa frisar, porém, que a soma multimídia não é uma generalidade da performance.
O Texto integral está publicado nos anais da ANPAP 1996.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo, Col. Debates, Perspectiva, 1980.
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. São Paulo, Col. Debates, 1987.
GOLDBERG, RoseLee. Performance Art - From Futurism to the Present. London, Série World of Art, Thames & Hudson, 1988.
MATUCK, Artur. O Potencial Dialógico da Televisão Comunicação e Arte na Perspectiva do Receptor. Tese de Doutorado, São Paulo, ECA-USP, 1989.
SHARP, Willoughby. Videoperformance. in SCHNEIDER and KOROT. Video Art - An Anthology. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1980.
SCHNEIDER, Ira and KOROT, Beryl. Comp. Video Art - An Anthology. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1980.