PERFORMANCE, HAPPENING, BODY ART

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Performance

 

Os Futuristas assumiram o papel de deflagradores de uma certa postura que iria tornar-se Performance. Qual fosse o provocar polêmica, criar chamariz, agredir a situação vigente, o status quo, romper padrões comportamentais, aludir à necessidade de transformação. Na verdade, antes mesmo, acontecimentos semelhantes se davam no Oriente (onde iniciam-se as práticas corporais), como na Grécia e Roma e muitos povos primitivos e ainda na Idade Média nas festas Pagãs, quando a atuação se dava no setor mítico ritualístico compactuado por todos os participante deste rituais/festivais onde atingia-se um nível psíquico de êxtase coletivo. Mais próximos do Happening que da Performance tais acontecimentos tinham um sentido definido, que dizia respeito à coletividade e que situava-se na busca de contato com o divino.

Os Happenings surgem tendo uma diversa definição na condição de utilização do social. Em seguida surge a Body art trazendo a desfetichização do corpo humano, transformando-o em objeto. Segundo Glusberg, "Body Art se constitui numa atividade cujo objeto é aquele que geralmente usamos como instrumento".1 A performance engloba esse conceito mas produz vários significados a medida em que vai se resolvendo no tempo e espaço eleitos para sua realização.

O corpo é um instrumento semiótico paradigmático e o gesto se resolve em sintagmas que dependem do âmbito social no qual se instauram para serem lidos. Ocorre que tais sintagmas tendem a colocar em crise o percepto corpóreo pessoal do espectador podendo resultar em reações de peso negativo por parte deste. Devido ao fato de que a principal matéria prima utilizada na Performance é o corpo e também por esse corpo ser percebido quanto a sua gestualidade, como atos naturais, torna-se difícil ao espectador percebê-lo como signo. A naturalidade não é bem recebida também porque o espectador se baseia no próprio repertório do que é estético e artístico, distancia-se enormemente do espetáculo (embora seja essa a intenção). O performer, através da ação que desencadeia com um mínimo de controle, busca a transformação do corpo em signo. Um signo dele mesmo, numa espécie de esquizofrenia planejada onde o performer ocupa dois papéis simultâneos: o de produtor e receptor numa cadeia cíclica onde a mensagem se transforma novamente em enunciado. A cada emissão (ou várias simultâneas) existe uma resposta ou física ou psíquica do espectador, o que acresce como material para elaboração subseqüente. De todo modo, esse "observar-se" processado pelo performer durante sua atuação recria material informativo para, pelo mesmo processo ser catalisado.

Dentro dessa relação de inter-alimentação espectador/performance é interessante o conceito de "environment"2 que Renato Cohen apresenta, o como ele percebe essa troca de informação. Para ele o environment engloba o psíquico, o astral, veículo para a troca de energia que acaba por direcionar uma Performance. Observando minha experiência pessoal vejo uma importância muito grande nesse "environment". Toda vez que se repete uma Performance, mesmo que a espinha dorsal, digamos assim, não tenha sido modificada, o trabalho se conclui de forma diferenciada e peculiar. Essa energia psíquica é tão poderosa que, mesmo não existido nenhum tipo de resposta física do espectador o trabalho já foi singularizado, irrepetível pois, em magnitude e interação mesmo que os elementos estruturais estejam presentes, já que o elemento energia psíquica não permite controle.

Pode-se dizer que em Performance o tempo e o espaço são fundamentais, mas o movimento, embora quase sempre presente, não o é. Portanto, é um trabalho que se desenvolve dentro de um tempo específico ou não, numa relação espacial onde estão envolvidos performer(s) e espectador(es). A importância do tempo está no fato de aparecer em cada trabalho de forma distinta e dialética. Mesmo naquelas Performances com tempo cronológico estritamente cronometrado tem-se a sensação de que o tempo transcorreu mais ou menos lento. Chamarei esse tempo de tempo sensível (TS). Essa sensação se dá devido à relação tempo cronológico (TC) X tempo interno (TI) (da performance). E o tempo interno existe da somatória do tempo interno do performer + tempo interno do espectador. E pode ainda existir numa terceira relação se forem mais de um os atuantes da Performance, quando teremos a relação entre os tempos internos de cada performer envolvido.

O outro determinante é o espaço. Globalizador como no caso de ambientes escolhidos ou condicionado como no caso de ambientes projetados, também se apresenta numa relação dialética e muito influente no resultado final formal.

É certo que o tempo e espaço existem em qualquer performance. Pode-se prescindir inclusive do corpo humano, substituindo-o por um objeto ou animal. Pode-se suprimir o movimento e trabalhar-se estático, pode-se, num rasgo de puro ato estético suprimir o espectador imediato, se estivessemos considerando um sabedor posterior, mas sem tempo e espaço não há performance.

Esta arte híbrida, atua com predominância do não-verbal e da metalinguagem, uma vez que trabalha com discurso e apropriação sobre/de elementos de outras linguagens atingindo com freqüência o caráter multimídia, ou seja associação de vários meios ao estilo colagem.

Há porém que se fazer uma distinção entre o que seja happening e body art, freqüentemente confundidos com performance. Em primeiro lugar é preciso ter em mente que o happening antecipa tanto a body art quanto a performance, entretanto a body art não antecipa a performance. Antes, convivem em espaços semelhantes, o que não quer dizer que artistas realizadores de body art não tenham feito performances.

Pode-se dizer que a performance teve em relação ao happening "um aumento de esteticidade obtido através do aumento de controle sobre a produção e criação, em detrimento da espontaneidade e um aumento de individualismo - com maior valoração do ego do artista criador - em detrimento do coletivo e do social privilegiados no happening." 3 Essa espontaneidade coletiva de que fala Cohen é a base da catarse que é o que mais identifica o happening. O ritual vinculado ao happening atinge o dionisíaco.

Fazendo agora um paralelo com a body art, o ritual apresenta-se individualizado e mistificado. Na body art há uma hipervalorização do corpo do artista desvinculado de função. Isto é, o corpo é apresentado ou atacado como forma objetual passível de transformação segundo uma consciência. O corpo é uma matéria, um objeto.

Na performance o papel do corpo é mais instrumental, mais interativo, não só com o espectador mas com outros elementos que em geral estão presentes. Como diz Julio Plaza 4 "a performance é uma atuação aqui, agora, no tempo e no espaço real de um sujeito ou sujeitos que utilizam ou não parafernálias e objetos de tecnologias e tudo mais."

Poder-se-ia facilitar a compreensão do limite entre happening, performance e body art a partir da participação do espectador. No happening, o espectador é um participante ativo desde o princípio, daí que o nome espectador é inadequado. Ele não só participa, quanto é responsável pelo resultado final. É um trabalho coletivo onde, no resultado final, não se pode identificar apresentador e espectador. Está mais vinculado à vivência.

Na performance, essa participação cai em função de uma maior manifestação do "ego do artista" (Cohen) mas não desaparece. O espectador é convidado, ele interage, ou é provocado mas sempre há algum tipo de interação. Além do que está implícita na performance uma esteticidade vinculada à visualidade que não interessa ao happening, nem à body art.

Na body art a participação do espectador é extremamente reduzida e as vezes dispensável como espectador imediato porque a body art está mais fincada nos princípios da arte conceitual que a performance. Aqui o espectador é mais passivo até porque os artistas dessa linha freqüentemente assumem atitudes masoquistas nas quais agridem o próprio corpo e isso não é facilmente compartilhado com a platéia. Outro elemento é o narcisismo que vem embutido, embora velado muitas vezes: - enquanto se declara objeto de arte o artista se mitifica negando-se com atitudes de auto-destruição.

Por último, a performance por tender ao espetáculo sem visar atingí-lo é a menos agressiva das três formas de expressão corporal e provavelmente a única ainda em atividade , se bem que desaparecendo ou tornando-se aquilo que Allan Kaprow esperava : -arte e vida tão interligados que não percebidos com distinção. O exemplo estaria no comportamento social nos clubes, na moda de rua e mesmo no cotidiano.

 

O Texto integral está publicado nos anais da ANPAP 1996.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo, Col. Debates, Perspectiva, 1980.

 

GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. São Paulo, Col. Debates, 1987.

 

GOLDBERG, RoseLee. Performance Art - From Futurism to the Present. London, Série World of Art, Thames & Hudson, 1988.

 

MATUCK, Artur. O Potencial Dialógico da Televisão Comunicação e Arte na Perspectiva do Receptor. Tese de Doutorado, São Paulo, ECA-USP, 1989.

 

SHARP, Willoughby. Videoperformance. in SCHNEIDER and KOROT. Video Art - An Anthology. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1980.

 

SCHNEIDER, Ira and KOROT, Beryl. Comp. Video Art - An Anthology. New York, Harcourt Brace Jovanovich, 1980.